Renato Casagrande*
A realidade na década de 60 era completamente diferente da que vivemos hoje. Já havia um esforço no sentido de ampliar a comunicação entre os povos, mas ainda estávamos longe da revolução científica e tecnológica, das fibras óticas, que, nos nossos tempos, transferem dados e informações de um lado para o outro do mundo em fração de segundos. Sequer sonhávamos com a difusão da internet. Transparência na execução das contas e dos orçamentos públicos era pura utopia.
A sociedade civil era menos articulada. Não contávamos, por exemplo, com recursos técnicos capazes de integrar as contabilidades dos três níveis federados. Isso num país – é é bom frisar – que apenas iniciava aquele que se constituiria num longo período de regime de exceção, ou seja, diante de um precário funcionamento das instituições.
Pois bem, foi nesse cenário que nasceu a atual Lei de Finanças e Orçamentos Públicos, a Lei nº 4.320/64. Ela foi elaborada dentro de uma realidade social, política e tecnológica completamente adversa à que vivemos e, por isso, agora se revela ultrapassada e carente de modernização e aperfeiçoamento.
O Estado até que tentou, nos últimos 20 anos, atualizar as seguidas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) e o processo orçamentário da União. Portarias da Secretaria do Tesouro Nacional e da Secretaria do Orçamento Federal criaram um arcabouço mínimo para a integração contábil e orçamentária entre os três níveis de poder.
Contudo, os poderes trataram de deturpar ao longo dos anos o caráter da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Como ela foi criada para ter vigência anual, poderia ser enxuta e objetiva, mas chega a reunir 130 artigos, representando um emaranhando de regras que, embora ajudem na elaboração e execução do Orçamento Geral da União, não são permanentes. Essa situação gera insegurança jurídica, uma vez que, amparado na LDO, o Congresso Nacional aprova a cada ano a peça orçamentária do exercício seguinte, ao sabor, muitas vezes, casuístico da conjuntura política e em clima de fim do ano.
Necessário, portanto, se faz que aprovemos normas permanentes que estabeleçam um formato de discussão e votação dos orçamentos públicos no país. Não só pela transparência, mas pela necessidade de buscarmos resultados mais eficazes na aplicação dos recursos públicos nas políticas de governo. Refiro-me a um instrumento legal que aborde todos os aspectos, desde o planejamento à contabilização, passando pelo controle dos orçamentos.
Respeitando esses princípios, encaminhei projeto de lei complementar, substituindo a Lei nº 4.320/64, para termos realmente uma Lei de Qualidade Fiscal. Uma norma que seja capaz de garantir a boa aplicação de recursos públicos e que exija dos gestores públicos avanços na direção de uma administração transparente e cidadã.
Outro aspecto importante é a estabilidade jurídica e econômica que sofre sérias ameaças pelos constantes atrasos na execução de orçamentos. Isso compromete o planejado, porque atrasa a execução de contratos. Em última análise, eleva custos financeiros dos reajustes e multas contratuais pagos pelos entes federados. Uma distorção parcialmente atacada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por tudo que se discutiu aqui é necessário dar mais transparência à legislação e à forma como os poderes e as esferas de governo se relacionam com os orçamentos, assim como é feito o seu controle. Esse é o caminho para combater a corrupção e o mau uso dos recursos na administração pública direta e indireta.
* Senador pelo PSB-ES, é o presidente da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado.
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