Em plena Copa do Mundo, a tentação de escrever sobre futebol é muito grande. Mas ainda não será dessa vez que deixarei vir à tona o comentarista esportivo recalcado que existe dentro de mim. Vou permanecer mesmo no universo da política, e tentar dizer algo inteligente sobre a atual conjuntura. Por incrível que pareça, até que o noticiário político tem conseguido competir, em condições de relativa igualdade, com a Copa da África nas manchetes dos jornais.
Nessas primeiras semanas de junho, o cenário político e eleitoral foi definido por três grandes eventos. O primeiro deles foram as convenções partidárias que oficializaram as candidaturas dos principais presidenciáveis que disputarão o nosso voto no próximo mês de outubro. O segundo fato político relevante foi a equiparação do reajuste de todos os benefícios concedidos pelo sistema previdenciário ao salário mínimo este ano. Por último, vale também destacar a virtual aprovação pelo Congresso do novo marco regulatório do pré-sal.
Acredito ser possível apontar nesses três episódios o nítido predomínio dos incentivos políticos e eleitorais sobre os incentivos econômicos como o principal elemento explicativo dos seus respectivos desfechos. E creio também que não poderia ser diferente em uma democracia de massas que está prestes a ingressar (extraoficialmente, já ingressou) num ansiosamente aguardado processo de sucessão presidencial. Muitos comentaristas do cenário nacional, especialmente aqueles com formação de economistas, tinham a expectativa ingênua de que a técnica prevaleceria sobre a política. Ainda não foi dessa vez!
O ex-governador José Serra (PSDB) e a ex-ministra Dilma Rousseff (PT) foram oficialmente confirmados como candidatos a presidente dos dois principais partidos brasileiros, e certamente um(a) deles sairá vitorioso(a) nas eleições de outubro. A polarização entre esses dois nomes já estava configurada há pelo menos um ano. O fato de o presidente do Banco Central Henrique Meirelles ter sido preterido para compor a chapa governista lembra bastante a torcida fracassada dos analistas econômicos para que Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda de FHC) também integrasse na chapa da situação nas eleições de 2002. Mais uma vez, os políticos falaram mais alto do que os técnicos.
A hegemonia dos incentivos políticos e eleitorais também pode ser percebida nos discursos de campanha de Dilma e de Serra. Partindo do reconhecimento de que a estabilidade macroeconômica e os programas sociais do governo são valores universais, ambos adotaram uma plataforma eleitoral nitidamente desenvolvimentista e social-democrata. Mais uma vez, não teremos nenhum presidenciável discursando desde uma perspectiva liberal, para frustração de muitos observadores e formadores de opinião. Mas o fato é que essa tendência está alinhada com as expectativas do eleitorado brasileiro. A defesa da redução do papel econômico do governo seria uma espécie de suicídio eleitoral.
A mesma lógica se aplica à aprovação no Congresso e à sanção pelo presidente Lula de uma nova legislação previdenciária que uniformizou os critérios de reajuste de todos os benefícios concedidos pelo INSS no exercício de 2010. A novidade foi que as aposentadorias superiores ao salário-mínimo (cerca de 1/3 do total) serão reajustadas pela mesma regra (inflação mais variação do PIB) que já valia para os restantes 2/3 dos aposentados. Novamente, não se confirmou a expectativa de que essa mudança fosse vetada pelo Palácio do Planalto.
Apesar de o impacto dessa medida nas contas públicas ser negativo, a classe política inteira se mostrou sensível ao lobby dos aposentados – um dos mais organizados do país. A rigor, há pelo menos dois anos, tanto o Congresso como o governo já vinham dando sinais (explícitos no primeiro caso, e implícitos no segundo) de que tolerariam a equiparação dos critérios de reajuste dos benefícios previdenciários. Em ano de eleições, um desfecho alternativo teria sido altamente improvável.
Por fim, mas não menos importante, falta muito pouco para que o Congresso conclua a tramitação do novo marco regulatório do petróleo, elaborado pelo governo no ano passado. A principal mudança será a alteração do regime de exploração das áreas do chamado pré-sal. Sai o regime de concessão (que continua vigorando nas áreas tradicionais de exploração) e entra o regime de partilha (que passará gradativamente a regulamentar a maioria da produção brasileira). O regime de partilha concede ao governo uma participação muito maior na receita petrolífera.
Novamente, essa iminente mudança legal está em sintonia com as crenças e valores do eleitorado e da classe política brasileira – ainda que possivelmente a maioria dos especialistas preferisse a manutenção do regime de concessão. Em nenhum momento, foram levadas a sério as advertências de que a adoção do regime de partilha poderá criar riscos de ineficiência anteriormente inexistentes.
A resolução desses três episódios (e de outros tantos que poderíamos acrescentar) mostra os limites dos argumentos puramente técnicos numa democracia de massas. Na ausência de líderes transformadores ou de uma crise que mobilize a sociedade, os incentivos econômicos e técnicos tendem sempre a ser superados – e com folga – pelos incentivos políticos e eleitorais. É assim que funcionam os governos representativos – pelo menos até a próxima eleição.
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