Hologramas são imagens em três dimensões que parecem muito mais reais do que fotografias. Pois no Senado tem assessor querendo recorrer à holografia para reproduzir senadores tamanha a dificuldade em fazer os parlamentares se dividirem em tantas comissões e subcomissões.
Um em cada três senadores é titular de ao menos quatro comissões ou subcomissões, sem contar as suplências acumuladas na maioria dos casos. Dos 81 senadores, 27 se multiplicam para estar, por vezes, em mais de um lugar ao mesmo tempo, no afã de mostrar serviço ou manter espaço político nos colegiados mais importantes da Casa. E elas não param de surgir.
O problema é que esse acúmulo de funções pode comprometer o desempenho de parlamentares e de suas respectivas assessorias devido à diversidade das proposições e dos assuntos tratados simultaneamente. Pelo menos três consultores legislativos ouvidos pelo Congresso em Foco disseram que é praticamente impossível um senador realizar um trabalho com qualidade sendo titular em mais de três comissões ou subcomissões.
Isso porque os colegiados se reúnem basicamente em apenas dois dias da semana, às terças e às quartas-feiras. Até agosto de 2006, segundo o regimento interno do Senado, cada senador podia integrar apenas três comissões como titular e mais três como suplente.
A regra consagrada no artigo 77 do código dos senadores sucumbiu com a Resolução 35/06. Com dificuldade para preencher as 11 comissões temáticas e suas 27 subcomissões, o Senado acabou fazendo nova modificação regimental, em março deste ano, para permitir que os titulares da Mesa Diretora, exceto o presidente da Casa, possam também integrar as comissões ou subcomissões.
Até agora, a medida não surtiu grande efeito na divisão dos trabalhos entre as bancadas e a atual Mesa Diretora. Apenas o senador César Borges (PFL-BA), terceiro-secretário da Mesa, ocupa a vaga de titular nas comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Agricultura e Reforma Agrária. O senador baiano também aparece como suplente nas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. O quarto-secretário, Magno Malta (PR-ES), é suplente em três colegiados.
Uma profusão de interesses tem levado o Senado a multiplicar o número de comissões, que tiram, de alguma forma, o poder do Plenário, já que muitas das proposições podem ser aprovadas em caráter terminativo, ou seja, sem serem submetidas aos 81 senadores, mas apenas aos integrantes dos colegiados. Além disso, comandar os trabalhos de um desses órgãos garante visibilidade política, o que pode ocorrer tanto pelo estreitamento de laços com as áreas abarcadas pela respectiva comissão como pela própria transmissão dos trabalhos pela TV Senado.
A caçula da discórdia
Para se ter idéia, em 1996 havia apenas seis comissões na Casa. Uma foi criada no ano seguinte. Passou-se para dez em 2002. Em fevereiro deste ano, o Senado criou a sua 11ª comissão – a de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) – que, em apenas dois meses de funcionamento, já se dividiu em outras duas subcomissões.
Tramada nos bastidores das negociações políticas para a composição da nova Mesa Diretora, a criação do colegiado foi cercada de polêmica. A CCT levou pelo menos 60% dos assuntos discutidos há pelo menos dez anos na Comissão de Educação (CE). Agora, é ela que analisa, por exemplo, a renovação e a outorga das concessões de radiodifusão.
Também saíram da competência do presidente da Comissão de Educação, Cristovam Buarque (PDT-DF), discussões polêmicas como a nova Lei Geral da Comunicação de Massa, sob análise de um grupo de trabalho do governo federal, a regulamentação da TV digital e a definição do local que receberá incentivos fiscais para a construção de uma nova fábrica de semicondutores, base para a expansão da convergência digital nas telecomunicações e internet.
A polêmica maior se deu em torno das indicações para a presidência e a vice-presidência da CCT dos senadores Wellington Salgado (PMDB-MG) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), respectivamente. Parlamentares e assessores que integram o colegiado vêem nos dois a reprodução da disputa que as redes Globo e Record travam pelo Ibope.
Wellington é suplente do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que tem ligações históricas com a TV Globo, da qual chegou a ser correspondente internacional. Já Crivella é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, controladora da Record, e sobrinho de Edir Macedo, comandante do grupo. Os dois senadores negam qualquer influência das emissoras em seus trabalhos.
Antes de responder às críticas de suposto conflito de interesses na comissão, Crivella disse ao Congresso em Foco que o ideal seria que cada senador pudesse limitar sua atuação a apenas duas comissões, na função de titular, e a outras duas, como suplente. "É porque criaram tantas subcomissões e comissões que não há membros. Então, os senadores são obrigados a se desdobrar em mil para poder atender à pauta de várias delas", opinou.
Ao ser questionado sobre as críticas sobre a criação da comissão da qual é vice-presidente, Crivella levou o assunto para o que ele classifica de "vasto campo" da ciência e tecnologia. "Foi dentro desse princípio que criamos a comissão. Foi votado em plenário e aprovado pela maioria que decidiu", diz. "Isso dá à Comissão de Educação a exclusividade de tratar dos temas como o ensino fundamento, básico e universitário de maneira isolada, o que é o grande tema em debate na pauta nacional", completa Crivellla.
O senador do PRB acredita que não há conflito de interesse na CCT. "Eu não tenho nenhuma participação na Rede Record e o Hélio Costa é ministro das Comunicações. Quem é o presidente é o Wellington. Meu interesse é o interesse público e as pessoas vão ver isso nas minhas decisões", defende-se Crivella.
Até agora, a nova comissão se limitou a prorrogar concessões de rádios Brasil afora e a realizar uma audiência pública justamente com o ministro Hélio Costa. Para não prejudicar os demais colegiados, a CCT tem marcado suas reuniões para as 8h45, horário incomum no Senado.
Nessa guerra de horários, as duas subcomissões da CCT, a permanente de Serviços de Informática e a temporária de Pólos Tecnológicos, também devem ser relegadas a dias de pouco movimento na Casa. Um acordo prévio, ainda não formalizado, entre os presidentes de comissões, pretende jogar as sessões das 27 subcomissões para as segundas e as sextas-feiras.
Uma questão de afinidade
Wellington Salgado também contesta que haja conflito de interesse entre sua participação na comissão e o fato de ser suplente de Hélio Costa. "Não há problema algum. Tenho o maior orgulho de ser suplente do ministro. Não só como ministro, mas como homem e como político. Eu sou suplente porque ocorreu uma afinidade entre minha pessoa e do ministro. Senão eu não seria suplente. Não sou suplente de qualquer um. Sou suplente do ministro Hélio Costa, que eu já conhecia antes. Ocorreu uma química, uma afinidade e aí trabalhamos juntos", argumenta.
Salgado diz que, como presidente, não vota e que na CCT vai atuar apenas como um "técnico". "Quem vai decidir é a comissão", garante. "A comissão não é minha, é do Senado, formada por uma série de membros. Você vê claramente que tecnologia evolui de tal maneira que não pode uma Comissão de Comunicação e Tecnologia ser subcomissão da Comissão de Educação".
Segundo o senador mineiro, a criação da comissão partiu da vontade dos líderes e não de uma iniciativa sua. "Envolve milhões de reais, interesses múltiplos e é impossível agradar a todo mundo. Eu tenho minha linha, tenho ouvido tendências de diferentes partes e não me interessa agradar a alguém. Estou interessado em agradar ao usuário”, completa o presidente da CCT.
"Essa foi a escolha do PMDB. Não nos cabe questionar as indicações", esquiva-se o principal líder oposicionista no Senado, senador Agripino Maia (DEM-RN), sobre as escolhas dos dois governistas para a CCT. Sobre o acúmulo de comissões, o líder do DEM é mais taxativo. "Tem perda de eficiência, não tenha dúvida. É uma sobrecarga de trabalho", avalia. Dos 17 senadores do Democratas (novo nome do PFL), 11 são titulares em mais de quatro comissões ou subcomissões.
“As subcomissões não têm razão de existir. Só deveriam ser criadas se tivessem um projeto de lei muito importante para discutir”, opina o senador Romeu Tuma (DEM-SP), titular em oito comissões e suplente em outras quatro.
Único senador do PCdoB, Inácio Arruda (CE) é titular em cinco comissões, duas subcomissões e também acumula outras seis suplências. Brincando com o acúmulo de trabalho, Inácio diz que Darcy Ribeiro estava errado quando disse que o "Senado é o céu". Para o senador em primeiro mandato, a casa legislativa não passa de um "inferno".
O ex-deputado é um dos principais críticos da recém-criada Comissão de Ciência e Tecnologia. "Deveria ter mantido tudo na Comissão de Educação. A Câmara tem mais de 16 comissões, mas são 513 deputados. É uma coisa de louco. Estamos vivendo uma febre e uma angústia de que todos querem fazer tudo", avalia.
Coisa de louco
"Campeão" entre os senadores em participação nas comissões – é titular em nove e suplente em quatro –, Valter Pereira (PMDB-MS) define sua situação como coisa de "louco".
"Eu vou pedir para reformular. É difícil você administrar a atuação em todas essas comissões, que são tão importantes quanto o plenário. Só que você tem que se debruçar com mais intensidade porque é ali que se toma o primeiro contato e se aprofunda em cada matéria. Eu só sei que estou sobrecarregado, e vou conversar com a liderança do partido para me dispensar de algumas", avisa.
Segundo o senador, que assumiu a vaga após a morte de Ramez Tebet (PMDB-MS), no final do ano passado, nada foi combinado no partido sobre sua atuação nas comissões. "Na verdade, o que postulei foi participar como titular na Comissão de Constituição e Justiça e como suplente na Comissão de Educação. As outras vieram pela lei da gravidade", brinca.
Em posição oposta está o senador Almeida Lima (PMDB-SE), que até agora não participa de nenhuma das 11 comissões da Casa, nem como suplente nem como titular. Considerado um dos seis senadores "rebeldes" de seu partido, por fazer oposição ao governo Lula, Almeida Lima não foi indicado pelo líder Valdir Raupp (RO) para cargo algum, pois estava com propostas concretas de trocar de legenda. Chegou-se a anunciar, no dia da posse, que o senador sergipano iria para o PPS, mas a mudança não vingou.
No momento, Almeida Lima diz aguardar sua indicação para as comissões de Constituição e Justiça e Assuntos Econômicos, como titular, e para a suplência da Comissão de Relações Exteriores. "A situação nas comissões deve ser natural, mas ainda aguardo meu espaço como presidente do partido no meu estado", avisa. Como titular de três comissões na legislatura passada, Almeida Lima também reclama do corre-corre em dias de reuniões. "Não há a menor dúvida de que a qualidade do trabalho fica prejudicada. Isso precisa ser distribuído de forma mais eqüitativa", afirma.
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