João Bosco Leal*
Os mais experientes sempre me ensinaram que “por mais que a noite seja longa, a manhã chegará” e também o inverso,isto é, que “por maior que seja o dia, a noite chegará”. Para a maioria das pessoas, isso é claro, uma certeza, desde que não se morra antes.
No decorrer da vida, percebemos que isso não é assim tão fácil e começamos a entender o verdadeiro sentido dessas palavras. Elas se encaixam em diversas situações de nossas vidas. Nas alegrias, nas tristezas, nas amizades, nos amores e nas paixões.
Muitas coisas nos passam despercebidas durante a vida, como o desabrochar de uma flor. Estamos sempre com muita pressa e não percebemos as pequenas coisas que estão ocorrendo à nossa volta. Por que perder tempo com esse tipo de coisa se preciso trabalhar mais para, ganhando mais, realizar aquele meu sonho, de casa, carro, viagem, objetos ou qualquer outro tipo de desejo material?
Aprenderemos, muitas vezes com a própria dor, que nessa pressa podemos nos machucar ou machucar alguém, física ou emocionalmente. A pressa acaba em um segundo, durante o qual o fato ocorreu e, daí por diante, de nada mais adianta desejarmos se não podemos. Acaba, em segundos, a amizade, o amor, o movimento ou a própria vida.
Semana passada, pude passear por um jardim, sem pressa alguma e completamente só. O local estava totalmente vazio e eu dispunha de uma máquina fotográfica. Pude então admirar a grama e as árvores completamente secas em decorrência da falta de chuva comum nesse período e mais intensa neste ano. Notei que em uma ou outra dessas árvores havia apenas uma ou poucas flores.
Eram flores admiráveis, solitárias, na imensidão daquele enorme jardim totalmente seco, que se estendia por diversas quadras. Me aproximei e fotografei algumas, pensando sobre a maravilha da vida que permite, mesmo durante uma seca tão intensa, que algumas flores se sobressaiam e encantem a todos. É o mesmo que ocorre com alguns seres humanos, que se destacam diante de nós, e outros, do mundo.
Nunca havia imaginado que pudesse estar ali, em um local como aquele, e sem pressa alguma, sem pensar em nada. Só observando a natureza. Alguns pássaros se moviam, pouco, pela sombra, evitando o sol forte. Pelo chão, alguns buscavam alimento, mas na sombra, evitando o sol. Era a natureza nos ensinando.
Atitudes como essa só me são possíveis após ter ficado praticamente isolado, durante dois anos, sem trabalhar, sair, passear, ou viver normalmente, como qualquer pessoa, fato provocado por algo que não durou mais do que segundos para ocorrer e que me deixou assim, sem pressa nenhuma de mais nada, até por não adiantar tê-la mais, pois nada podia fazer contra minha impossibilidade temporária de locomoção.
Agora, voltando à vida praticamente normal, não tinha mais porque ter pressa, se ela poderia acabar novamente, em segundos. Noto, então, claramente, quanto tempo perdi de minha vida sem expressar, declarar abertamente, meus amores, sentimentos e amizades. Como teria sido importante ter feito isso muito mais vezes e com muito mais intensidade para algumas pessoas, como antigos amigos, amigas, namoradas, filhos e filha.
Só agora, já bem mais velho, percebo o quanto falhei nesse sentido e estou tentando remodelar totalmente meu modo de me expressar e de viver, tanto que, agora, estava aqui, nesse imenso jardim, admirando e fotografando, sem pressa alguma, as solitárias flores das árvores secas.
Nesse mesmo local, um cemitério, estava o túmulo de meu filho caçula, que eu então visitava, e que se foi antes que eu tivesse aprendido essa importância. Gostaria, realmente, de poder ter vivido ao lado dele agora, quando certamente expressaria muito mais o que sentia por ele, e o como me via nele.
Mas certamente já estou no final dessa noite, com uma nova manhã próxima, e então, até a noite final, jamais deixarei de admirar os pequenos detalhes da vida ou de me expressar mais, agora também para os netos, por estar com pressa ou com algo mais para fazer. Nada importará tanto.
*Produtor rural, articulista e palestrante sobre assuntos ligados ao agronegócio e conflitos agrários. Foi presidente do Movimento Nacional de Produtores (MNP) por oito anos, de 2001 a 2009
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