Quando deparamos com as discussões do Código Florestal, quer seja por ruralistas ou ambientalistas, por oposição ou governo, ou mesmo numa matéria jornalística ou televisiva que tenta ser imparcial, parece-nos que as grandes questões em torno da alteração da legislação estão relacionadas ao tamanho ou largura das áreas de preservação permanentes (APPs) e reserva legal ou a decisão de quem, e a partir de quando, vai ser punido ou não.
Porém, após mais de dois anos acompanhando essa discussão e após aprofundar-me um pouco no assunto, cheguei à seguinte conclusão: o grande problema na alteração do Código Florestal não está apenas na definição se a APP era de 30 e vai pra 15 metros, ou se a reserva legal na Amazônia continua em 80%, ou se tem de punir quem desmatou até o ano de 2001 ou de 2008. A grande questão está na lógica da aplicação do Código Florestal.
Se analisarmos com um pouco de atenção, veremos que a Lei nº 4.771, de 1965, tinha a clara intenção, que se tornou mais evidente com as modificações introduzidas pela MP 2.166-67 de 2001 e mais ainda com o Decreto 6.514, de 2008, de dar ao gestor público, ou para ficar mais claro, ao fiscal ambiental, as ferramentas para que ele pudesse exercer de imediato e com a mínima subjetividade possível o seu papel de fiscalização, com faixa de APP pré-fixadas, prazos pré-estabelecidos, procedimentos administrativos padrões. Esta lógica de aplicação da lei é coerente, diminui mal-entendidos, padroniza procedimentos, dá segurança jurídica, etc. Porém, não funcionou!
Por outro lado, temos a proposta de alteração do Código Florestal discutida com diversos setores, coerente em vários pontos, inovadora em outros, mas que traz consigo uma nova, porém velha, lógica de aplicação da lei, qual seja: assegurar que a velha lógica da fiscalização não prejudique o já sacrificado produtor rural. Nesta lógica, uma APP pode ser de 30, 15 ou até de cinco metros, desde que o produtor rural não seja obrigado a recuperar a beira do rio onde ele está produzindo alimento para sustento da família. De igual modo, essa lógica é coerente, traz justiça social, reduz pobreza, permite o aumento na produção de alimento e resolve o problema criado pela lógica da fiscalização dos produtores rurais multados e embargados.
Mas e a natureza? Qual é a lógica da natureza? A lógica da natureza é não ter lógica, é não ser linear, é não obedecer a faixas pré-estabelecidas, é ser natural! Creio que temos de inverter, ou melhor, reinventar a lógica, pois não nos serve, nesta alteração do Código Florestal, perpetuar a lógica da fiscalização nem criar a lógica do como colocar na lei para que a fiscalização não atrapalhe.
Sei que não é fácil, demanda dedicação e tempo. Não sei se serão necessários os dois anos que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) pediu, mas sei com certeza que também não são suficientes apenas alguns dias, para que se vote a proposta de alteração na próxima semana.
Agora, para não dizer que a minha intenção é jogar água na fervura, finalizo com uma dica, ou melhor, uma primeira reflexão:
Por que não definimos, no Código Florestal, aquilo que já temos consubstanciado na ciência e na prática e submetermos as demais definições a estudos técnico-científicos, aos moldes do que já fazemos no licenciamento ambiental?
Para exemplificar: por que isentar todos os topos de morro de serem APPs, se muitos deles são pequenos cocurutos, como vocês dizem no Sul-Sudeste, sujeitos a desmoronar a qualquer momento, como tem acontecido? Da mesma forma, por que dizer que é APP um topo de morro com mais de cinco hectares de terras agricultáveis e declividade de menos de 10%?
Para concluir: vamos buscar a lógica da natureza, do cíclico, do mutável, do dinâmico. Não devemos transformar a ciência em nossa refém ou usá-la para justificar os nossos anseios, mas devemos, sim, tê-la como nossa aliada!
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