Rodolfo Torres
A amnésia, voluntária ou não, é mais do que saudável para a convivência em sociedade em geral e para o jornalismo em particular. E nesse campo do esquecimento, profissionais da imprensa são obrigados a deixar de lembrar de alguns detalhes fundamentais a respeito de acontecimentos decisivos. E o público também não faz muita força para recordar das passagens importantes. Daí ficamos naquela boa conversa mole a respeito da imparcialidade dos meios de comunicação.
Mesmo que o sujeito seja um quadrúpede vocacional, daqueles que ruminam com a alma, ainda dessa forma ele não engole facilmente essa conversa da imparcialidade no jornalismo. Se existe uma atividade passional e absolutamente tendenciosa, essa atividade é o jornalismo. Essa história da imparcialidade na comunicação social serve apenas para teses universitárias. E cá pra nós, o verdadeiro jornalismo se aprende nas redações clássicas, com editores histéricos, pautas cretinas, salários ridículos e um congestionamento de sujeitos que garantem que são gênios.
O Correio Braziliense do último dia 19 é um exemplo extraordinário de amnésia, de esquecimento, de memória fraca. Com a manchete "Severino é rei na farra dos cargos", a matéria fala que 22 ex-deputados federais mantêm 48 afilhados nos chamados cargos de natureza especial (CNE). O custo desse apadrinhamento aos cofres públicos é de R$ 84 mil por mês. E o ex-deputado Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados, é o campeão de apadrinhamentos. São 12 os protegidos de Severino que trabalham na Câmara.
Devo aqui declarar que sou fã incondicional do ex-deputado Severino Cavalcanti. Por inúmeras e justíssimas razões. A primeira razão é que Severino, mais do que ninguém, representa com fidelidade o político de toda republiqueta tropical. E o nosso querido Brasil é uma republiqueta. Depois, devo admitir que me encanto pelos pequenos crimes. Um roubinho aqui, um suborninho acolá, uma extorsãozinha não sei onde… E por último, e não menos importante, nunca vi uma afinidade maior entre um presidente da República e um presidente da Câmara dos Deputados. Lula e Severino são, além de conterrâneos, siameses na elegância, na prática política e na feiúra.
Não é segredo para ninguém que Severino atualmente despacha, faz e acontece, no Ministério das Cidades. Quem não se lembra da conversa de Severino e Lula pouco tempo antes da renúncia? Lula garantiu a Severino que os seus afilhados, entre eles um filho, continuariam em seus cargos. E assim a política brasileira se eleva aos céus do surrealismo.
Mas vamos falar um pouco mais da matéria do Correio Braziliense… Além do espelho maior da política brasileira, Severino Cavalcanti, a reportagem cita os ex-deputados Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou por causa do mensalão, com seis afilhados; Roberto Jefferson (PTB-RJ), que no passado foi o maior pauteiro da imprensa brasileira, com quatro afilhados; José Borba (PMDB-PR), que caiu fora por conta do mensalão, com três; Pedro Corrêa (PP-PE), mensaleiro, com três afilhados; Benedito Domingos (PP -DF), com dois; Ubiratan Aguiar (PSDB-CE), ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), um emprego que mais parece um sonho, com três afilhados; e João Matos (PMDB-SC), com dois.
E o Zé, a personificação do poder nos dois primeiros anos do mandato de Lula, não mantém ninguém na Câmara dos Deputados. Estranhamente, não há ninguém recebendo dinheiro público na Câmara que foi indicado pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil. Na verdade, não se fala mais em José Dirceu. Ele mora no esquecimento coletivo desse país, apesar de articular ativamente nos bastidores da campanha do presidente Lula. Dizem até que ele é da diretoria da Varig Log, empresa formada depois da falência da Varig.
Os três poderes respondem, se não me engano, por mais de 50 mil cargos de confiança. Esse número de cargos diz muita coisa sobre nós mesmos. Mostra o que somos. Esses milhares de cargos de confiança movimentam, e muito, a economia da capital federal do Brasil. Também deixam muita gente qualificada fora do serviço público. E, acreditem ou não, José Dirceu, ex-ministro, ex-deputado, não responde pela indicação de um único carguinho que seja, segundo reportagem do Correio Braziliense do último sábado.
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