Quando os instintos prevalecem sobre a inteligência, a inteligência apela aos instintos. Foi isso o que aconteceu depois do diagnóstico quase preciso que o presidente Lula fez sobre veículos de massa e a massa propriamente dita: o primeiro magistrado da nação disse que, hoje em dia, o governo dele é quem formava opiniões.
A massa de eleitores que vai eleger Dilma Rousseff provará que Lula – infelizmente – está certo. A meu ver, o que mais irritou a “mídia” acusada pelo presidente de ser “partidária” foi o fato de que, depois de todo o bombardeamento sofrido pelo governo, e de todas as cabeças que rolaram e, depois dos escândalos revelados ao grande publico através dos jornais, televisão, rádio, internet e de todos os meios de “formação” de que dispunham, depois disso tudo, não houve e nem haverá reação significativa por parte do grande eleitorado “formado” por Lula, que acabará derrotando (tanto faz se no primeiro ou no segundo turno) não a oposição, mas os jornais e revistas que, segundo o presidente, comportam-se como partidos políticos.
O Estadão admitiu que faz campanha para José Serra. Mandou a pluralidade, a imparcialidade e a hipocrisia para o espaço sideral. Uma atitude corajosa. Ou uma escorregada exemplar. Os outros, que perderam o pudor e a continência, deviam também perder a timidez e seguir o jornal paulista.
Mas o que eu penso é o seguinte: a “ordem democrática” – como ameaçam os editoriais – não sofreu e não sofrerá nenhum arranhão por conta do “destampatório” de Lula. Aliás, essa linguagem embotada e embolorada que os “formadores de opinião” recuperaram nas últimas semanas é curiosa, remete a um tempo em que jornalistas andavam armados e matavam ou morriam por seus “ideais”. Nos dias de hoje, bradar que é “preciso estabelecer limites” soa no mínimo como uma extravagância: uma vez que o Brasil não é mais um país de bacharéis pistoleiros (tampouco de idealistas), e Lula, convenhamos, está mais para Shrek do que para Epitácio Pessoa. A impressão que dá é que os jornais e as revistas confessam suas respectivas anemias e falta de conexão com o século XXI. De repente, levados pela onda espírita que paira no ar, os periódicos voltaram ao passado do quartel dos Barbonos; e o mais surreal é que os aspirantes a defuntos estão, eles mesmos, escrevendo seus obituários – e o pior, vestem todas as carapuças, abocanham todas as iscas e são pautados por Lula, o presidente boca de esgoto. Que – vejam só – por obra de um destino safado e corrompido, foi além: acabou virando um estadista. A figura pública de maior proeminência no Brasil de todos os tempos. Aqui e alhures. Uma piada dentro da outra.
Domingo passado, 26/9, em editorial de primeira página, a Folha de São Paulo mandou até cartinha de advertência (lembrei dos meus tempos de ginásio, mamãe vivia recebendo essas cartinhas…) a Lula e a Dilma, futura presidente do Brasil, como se o jornal encerrasse todas as pluralidades e encarnasse não somente a liberdade de expressão e a democracia no país, mas também a figura do pai de família que perdeu o respeito (leia-se: deixou de formar opiniões) na própria casa. Um baita mico, especialmente o trecho final: “Fiquem advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre (…) Fiquem advertidos (…) etc etc”.
Zé Dirceu deve ter se urinado de rir das “advertências” e da histeria dos bedeis-editorialistas. Inocentes. Só faltou o jornal perguntar: “Quem rabiscou caralhinhos voadores no banheiro?” – “Sete Gatinhos”, lembram?
Na mesma edição, de 26/9, provando que Lula não está inteiramente errado, a Folha desqualificou a internet numa matéria que falava sobre o “céu” e o “inferno” dos candidatos na cobertura de tevês, rádios e na própria internet, claro. Nessa matéria, curiosamente os jornais e revistas ficaram de fora ( julgam-se acima do bem e do mal). Mas a realidade provada por Lula e pela massa de eleitores que vai eleger Dilma é bem diferente. Na verdade, jornais e revistas encontram-se num limbo irrevogável e doentio. Não bastasse, a Ombudsman da Folha também concordou com o diagnóstico quase preciso de Lula, e escreveu: “Os críticos à Folha têm razão quando afirmam que o noticiário está mais negativo a Dilma do que a Serra – embora seja preciso considerar que ela é a favorita. Algumas denúncias surgiram com força e depois se perderam em um certo vazio, como o escândalo da quebra do sigilo fiscal. No afã de esmiuçar a biografia da candidata do governo, fatos sem importância ganharam destaque indevido”.
Agora resta saber como Dilma reagirá aos achaques dos “donos da informação”. Creio que não vai reagir atabalhoadamente como Lula. Por que o faria? Há muito que a informação virou veneno de si mesma. Ou melhor, há muito que a informação se parece mais com Lula do que com qualquer outra coisa no Brasil. Basta ligar a tevê e abrir os mesmos jornais e revistas que se escandalizam com o “estado das coisas” e constatar que Ivete Sangalo, Ronaldinho, Faustão e congêneres são desdobramentos de Lula e vice-versa. Seguindo essa linha de raciocínio, chegamos à conclusão de que Dilma poderia perfeitamente ter saído da costela do Tiririca.
Há pelo menos 20 anos (desde que as duplas sertanejas subiram a rampa do Palácio do Planalto), esse lixo ou “coisa nenhuma” ocupou100% do território da recém-descoberta e disputada Faixa de Gaza tropical.
A meu ver, o que sugeriria um eventual conflito entre governo e a tal da “mídia golpista” nada mais é do que uma disputa pelo fundo do poço. Qual a diferença de chamar Banda Calypso ou Conselho Público de Fiscalização? Os adversários disputam o pântano. Porque a vaca já foi para o brejo. E eu fico aqui pensando com os meus botões: depois de penhorar a alma prum diabo de quinta categoria, agora os senhores da informação gritam por liberdade de expressão e democracia, e sentem-se ameaçados?
Imagino que não deva ser nada fácil passar de uma condição a outra. O JB, que chegou antes ao futuro (e virou notinha na wikipédia) que o diga. Creio, portanto, que os “donos da informação” sentirão saudades de Lula e de sua boca de esgoto.
De qualquer forma, eles têm todo o direito de espernear e dar vexame. A questão é: o que alegariam em seus epitáfios? Apesar disso tudo, e porque a liberdade e a democracia tem um significado meramente retórico e decorativo, nada – a não ser a lona e o circo – nada vai mudar no alegre pântano chamado Brasil.
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