O atual ocaso das oposições brasileiras tem sido tema frequente da coluna nos últimos tempos. É que realmente salta aos olhos a forma como o DEM desmancha-se, como o PSDB patina, como o PV não se entende e como o PSD engorda na sua tática adesista. O que acontece? Como explicar?
Fui buscar socorro para esta tarefa no presidente do PPS, o deputado Roberto Freire (SP). Independentemente do que se ache de Freire, há um fato incontestável: ao longo de uma carreira política de quase 40 anos, ele só esteve ao lado do governo com Itamar Franco, de quem foi líder, e por alguns poucos meses no início da era Lula. Ou seja, nem que seja pela vasta experiência acumulada, Freire é expert quando se fala em oposição.
O PPS, partido presidido por Freire, é filho do PCB, que tinha a alcunha de partidão. Com o fim do modelo soviético de socialismo, que seguia, Freire propôs a reformulação que deu no PPS: a mudança para a defesa de um socialismo democrático, e não do antigo formato comunista. Daquelas discussões, restou para quem se opôs à revisão proposta um PCB, que ainda existe fiel às ideias originais, e o PPS. Com a nova sigla, o partido chegou a sentir em determinado momento das eleições de 2002 uma chance de chegar ao poder, com Ciro Gomes. Mas a língua indisciplinada e o temperamento irritadiço de Ciro acabaram por deixá-lo pelo caminho. Mais tarde, Ciro acabou deixando o PPS pelo PSB, quando o partido de Freire resolveu romper com o governo. Hoje, com seus 12 deputados, o PPS pode ser chamado de tudo, menos de partidão. Padece das mesmas dificuldades que atingem as demais legendas de oposição.
Ao longo do tempo em que exerce a política no Congresso (seu primeiro mandato foi em 1972), Freire já viu o mesmo filme de hoje algumas vezes. É a atração pelo pudê, a forma como boa parte dos adesistas costuma se referir ao poder, com a intimidade que a aproximação contínua lhes reserva. Está se dando importância maior do que se deveria à natural dança dos políticos, esse adesismo que tem sido uma praga da política brasileira desde sempre, diz Roberto Freire.
Num país em que a maior parte dos partidos não tem ideologia definida, são meros ajuntamentos de conveniências políticas, a atração pelo poder torna-se mais fácil. Porque fica mais fácil adaptar-se ao discurso do momento. Da mesma forma, os governos passaram a entender que a única forma possível de governar consiste em abrigar o apoio dessas maiorias de conveniência. E adotam, com maior ou menor grau, uma posição de centro que facilite esse adesismo. Assim, diz Freire, as coisas estão longe de serem maniqueístas como o discurso do governo às vezes apresenta: não é verdade que as forças progressistas estão com eles e as forças conservadoras contra eles.
Assim, lembra Freire, há do lado do governo do PT até o PP, o partido filho da Arena e do PDS, as legendas que apoiaram a ditadura militar. E, na oposição, há o DEM, mas há também o Psol, de extrema esquerda, e o PPS, que Freire situa no campo da esquerda. Por isso, diz Freire, as notícias sobre eventuais fusões de partidos que hoje estão na oposição para que tentem, juntos, se robustecerem, devem ser vistas com reservas. Isso é um mito que o governo espalha. É preciso que haja identidade para que partidos se unam e virem um só. Eu até posso fazer eventuais alianças eleitorais com o DEM, mas não tenho qualquer afinidade ideológica com eles para que nos filiemos ao mesmo partido e passemos a conviver eternamente, avalia Freire.
Para quem não se importa com essas filigranas ideológicas, uma união de qualquer jeito só faz sentido se for para aproximá-lo do poder. Daí o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. É a dança do poder. Agora, o ritmo da dança pode mudar a qualquer momento, e é incrível que não se avalie isso, diz o presidente do PPS.
O primeiro problema é que a adesão gera no adesista uma expectativa de usufruir das benesses do poder: cargos, verbas, etc. E esse capital, por parte do governo, é limitado. Vai faltar soro fisiológico pra todo mundo, brinca Freire. Especialmente com a perspectiva da volta da inflação. Para contê-la, Dilma tem de cortar o orçamento, segurar verbas, gastar menos. Vai se dissipando o soro fisiológico. Se a coisa for se agravando, e a economia sair do controle, muda a dança. Se a inflação recrudescer, não tem como não crescer na sociedade um sentimento oposicionista, analisa Freire. Foi assim que Fernando Henrique Cardoso foi perdendo apoio no seu segundo mandato, até se tornar incapaz de fazer seu sucessor, levando José Serra a perder em 2002 a eleição para Lula. Assim, diante de uma nova perspectiva, muda a música do poder. E os adesistas dançam conforme a música, lembra Roberto Freire.
Muito barulho por nada
A coluna já estava pronta quando o STF resolveu que, em caso de vacância do deputado titular, assume em seu lugar o suplente mais votado da coligação que o elegeu. Ou seja, o Supremo resolveu o que já está resolvido há quatro décadas!
Por quê? Porque, em dezembro, os mesmos ministros resolveram inventar e tomaram a decisão de que, ao contrário do que vinha sendo sempre feito, quem tinha de tomar posse era o mais votado do partido. Quer dizer: se permitiria coligação na eleição e, depois, na hora da troca, a coligação ia deixar de existir.
A Câmara resistiu ao absurdo e vinha enrolando para cumprir a decisão de dezembro. Ela faria com que 49 deputados que tomaram posse fossem destronados para que outros entrassem no lugar. Mais absurdo ainda: havia casos em que ninguém mais do partido do titular tinha sido eleito na coligação. Então, senhores ministros do STF: quem é que ia tomar posse nesses casos?
No meio disso tudo, o ministro Marco Aurélio Mello, do alto da sua toga, chegou a protestar contra a desobediência de Marco Maia em cumprir a decisão de dezembro. E se Marco Maia tivesse cumprido a decisão? Teria trocado 49 deputados e, agora, diante da nova decisão do STF, ia ter que trocar todo mundo de novo?
Os ministros do STF agem como se fossem infalíveis, deuses no Olimpo instalado na Praça dos Três Poderes. Com exceção do próprio Marco Aurélio, todos os que tinham votado pela posse do suplente do partido em dezembro, mudaram agora de ideia. Tudo o que eles julgam e decidem, é claro, provoca repercussões imensas.
Eu, se fosse ministro do STF, hoje estaria morto de vergonha da confusão criada. Por nada.
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