Um rápido exercício de memória política.
Desde quando os caríssimos leitores e eu temos conhecimento do patrimonialismo, do nepotismo e do clientelismo atribuídos ao presidente José Sarney? Da inclinação dele a usar todo o seu poder para favorecer parentes e amigos?
Ora, desde sempre, não é mesmo?
Pois bem, por que será que, desta vez, as velhas práticas daquele que muitos acreditam ser o último coronel da política brasileira suscitam tão inétida indignação e tão universal repúdio?
Será que a consciência ético-cívica do conjunto da sociedade deu um gigantesco salto evolutivo nos últimos tempos, e ninguém nos avisou? Quem lê e aprecia as colunas do antropólogo Roberto DaMatta (Globo/Estadão toda quarta) e do sociólogo Alberto Almeida (suplemento cultural do Valor, sexta sim, sexta não) desconfiaria de tanto otimismo.
Parece haver algo mais no caso. E há.
Esse ‘algo mais’ é a projetada refinaria de Bacabeira, ainda a ser construída no continente, a 60 quilômetros de São Luís, mas que já colocou em campos opostos, o presidente Sarney e Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, que, por nutrir sonhos de uma carreira política, preferiria levar a obra para a sua Bahia.
Trata-se, simplesmente, do maior projeto de investimento em infraestrutura da atualidade brasileira, estimado em 40 bi.
A governadora Roseana Sarney, costas aquecidas em Brasília pelo pai e pelo velho aliado Édison Lobão, ministro de Minas e Energia, está mobilizando toda a máquina do estado e o conjunto da tecnocracia maranhense para cumprir as exigências e os prazos contidos em um ‘caderno de encargos’ que Lobão lhe entregou em recente solenidade no Palácio dos Leões – evento a que, significativamente, Gabrielli não compareceu.
Roseana já providenciou, por exemplo, a desapropriação de uma faixa de terra com 60 quilômetros de comprimento por 90 metros de largura pela qual se estenderá o oleoduto a ligar Bacabeira ao porto de Itaqui.
A fim de se precaver contra o corpo-mole de burocratas ambientais petistas na delicada questão do licenciamento, Sarney acaba de obter do Executivo federal a troca da cúpula do Ibama no estado.
Tudo na futura refinaria é superlativo, a começar pelo número de empregos diretos a serem criados já na sua construção: 100 mil postos de trabalho.
Como gostam de dizer os técnicos, é um projeto ‘estruturante’, destinado a permitir um salto qualitativo da economia do estado que sempre disputou com as Alagoas do senador Renan Calheiros o triste título de unidade mais pobre da federação. Ninguém duvida de que, no rastro de Bacabeira, rapidamente erguer-se-á um pólo petroquímico em Itaqui, semeando variadas e sólidas cadeias produtivas com que nem mesmo o ufanismo de Gonçalves Dias ousou sonhar.
Corte rápido de volta à crise do Senado.
A cúpula baiana da Petrobras, respaldada pelo governador e antigo petroleiro Jacques Wagner, só poderia festejar o enfraquecimento político de Sarney em meio aos escândalos que não param de pipocar desde que ele foi eleito para presidir a Casa, pela terceira vez, em fevereiro deste ano.
Vazamentos de informações comprometedoras para ele e os seus aliados no PMDB e na burocracia do Senado seguem sendo laboriosamente perfurados pelos ‘porões’ peto-cutistas no Congresso e no Executivo e fomentando a revolta de senadores do PT contra a orientação do presidente Lula de proteger a qualquer custo o seu mais valioso parceiro na missão ‘Dilma 2010’.
Nesse contexto, a CPI da Petrobras, criada no átimo em que o vice-presidente tucano do Senado, Marconi Perillo, substituiu Sarney em uma providencial ausência, é o grande trunfo do baronato peemedebista para assegurar a gratidão do Palácio do Planalto. E, claro, a refinaria para o Maranhão.
Enquanto isso, a mídia não desistirá de imolar a imagem do estadista de Curupu no altar da ética política. Combustível jamais faltará para a pira sacrificial. Afinal, a Petrobras é anunciante para lá de generosa.
Deixe um comentário