Carol Proner
Professora de Direitos Humanos da UFRJ,
Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)
O caso The Intercept e as revelações disfuncionais da Lava Jato inspiram a compreensão de, ao menos, quatro categorias de direitos fundamentais imbricados a proteger o trabalho dos jornalistas: a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, o direito à verdade e o direito (de acesso) à informação.
São direitos com diferentes escopos, embora conexos e consequenciais. Para o caso em concreto, e diante das ameaças que vêm recebendo Glenn Greenwald e sua equipe, é preciso compreender que a Constituição brasileira protege tanto o direito de expressão como o trabalho jornalístico, além de atribui inestimável valor de interesse público às informações que denunciam os bastidores da maior operação de combate à corrupção do país.
A Constituição de 1988, apelidada de cidadã, tem mania de liberdade e repudia a censura prévia. Garante a pluralidade de pensamento, a manifestação de ideias, valores e teses e protege o debate participativo como parte constitutiva da democracia. Não é outro o sentido do artigo 5º, que dispõe sobre a liberdade de expressão para todos, sejam brasileiros ou estrangeiros residentes no país, assegurando a manifestação e a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Apesar da ampla proteção e do repúdio à censura, a liberdade de expressão não é absoluta. Ao direito correspondem deveres e limites comuns a qualquer liberdade. Impõe-se o respeito à dignidade da pessoa humana e o cumprimento de legislação que regula e pune condutas caluniosas, injuriosas e difamantes, bem como formas de discriminação e preconceito. Daí decorre o sentido geral de vedação ao anonimato como forma de possibilitar a responsabilização das condutas abusivas.
Já a liberdade de imprensa tem finalidade diversa. Contempla a garantia do exercício profissional na realização do jornalismo como forma de noticiar, denunciar, dar publicidade a fatos e revelações visando o direito à informação e o interesse público. Somente a imprensa livre e o respeito à soberania investigativa podem assegurar o bom funcionamento democrático e uma sociedade liberta da censura. A descoberta da verdade como papel da imprensa livre exige, como contrapartida, a proteção do exercício profissional, ou seja, a garantia de que o jornalista poderá falar e escrever livremente, publicar, denunciar, ir e vir sem se sentir ameaçado, sabendo-se protegido pelas leis e pelo Estado no cumprimento de um serviço de interesse público.
Tanto quanto a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa também usufrui do rol de garantias e engaja os limites mencionados. O exercício do jornalismo está, igualmente, submetido ao respeito à dignidade humana, às garantias invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, podendo motivar medidas de reparação, para além do efetivo direito de resposta. Por outro lado, é necessário que a liberdade de imprensa receba um tratamento específico para que seja protegido o correlato interesse público de acesso à informação. É o caso da vedação ao anonimato que, quando indispensável ao exercício profissional, é flexibilizada para permitir o sigilo da fonte.
Vê-se claramente que ambas as categorias de direito alcançam o trabalho dos jornalistas do The Intercept nas revelações sobre a Lava Jato. Tanto a liberdade de imprensa, e o respectivo sigilo da fonte, como a criteriosa curadoria antes de cada revelação, imbricam as duas categorias de direitos fundamentais. Tanto o trabalho de imprensa livre, protegendo a fonte, como a liberdade de expressão e opinião dos jornalistas estão plenamente protegidos pela Constituição, havendo uma indiscutível união de liberdades atuando lado a lado – expressão e imprensa – para garantir o direito da sociedade de saber o que realmente está acontecendo na Operação Lava Jato.
Nunca é demais ressalvar que a liberdade de imprensa não se confunde com a liberdade de empresa, o que, não raro, remete ao abuso discursivo das liberdades em proveito dos monopólios midiáticos. A concentração dos meios de comunicação revela-se uma barreira à informação e à democracia ao tratar as notícias como mercadoria ou como meio de concentração de riqueza e de poder. Coisa diversa é a liberdade de imprensa, legitimada pelo interesse público, que deve ser protegida inclusive como forma de denunciar os interesses dos grandes grupos e os abuso na manipulação da opinião pública.
A imprensa livre pressupõe o sentido do agir profissional em prol de uma sociedade igualmente livre e democrática, capaz de arbitrar os próprios rumos. E supõe, precipuamente, o engajamento ético com a verdade jornalística, o compromisso de não sonegar informações, de não distorcer, não alterar ou modificar o sentido original, em suma, o compromisso de não deformar ou falsear as informações.
E é aqui que reside o mais importante e estrutural sentido do exercício profissional da liberdade de imprensa, o que lhe serve de alicerce de legitimidade porque responde ao soberano e irrenunciável direito à verdade dos fatos para o bom arbítrio dos rumos de uma sociedade democrática. O site The Intercept, ao receber o material de fonte anônima e tomar a decisão de publicá-lo na integra, guardadas as limitações legais, realiza mais que jornalismo, realização o acesso à informação e o direito à verdade.
Ainda que o direito à verdade não tenha previsão explícita no texto constitucional, a sua fundamentalidade é reconhecida tanto do ponto de vista formal como material, sendo considerado, pelo melhor constitucionalismo, um arrimo ao Estado Democrático de Direito. São inúmeros os dispositivos a recomendar a publicidade e a transparência de atos e condutas no âmbito dos poderes do Estado, além de situações expressa, como a previsão do habeas data para o acesso a informações em poder do Estado.
Com o avanço e a consolidação do Estado Democrático de Direito e a revisão do passado autoritário, a sociedade brasileira têm aprendido a reivindicar acesso às informações relevantes como forma de exigir, cotidianamente, a transparência na gestão pública. A ideia de Estado constitucional e democrático é avessa ao segredo. Ainda que o direito à verdade e o acesso à informação encontrem óbices que podem justificar o sigilo, tanto no âmbito individual (intimidade, honra, imagem, vida privada) como no coletivo (interesses nacionais, soberania, relações internacionais, segurança pública), o grau de transparência e de acesso às informações públicas são um termómetro de saúde democrática.
Esse é o sentido histórico e de acúmulo constitucional da Lei 12.527 de 2011, a chamada Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa norma, atacada logo no início do governo Bolsonaro, plasma o sentido estatal de acesso público em detrimento do sigilo. A lei criou mecanismos para que qualquer pessoa, física ou jurídica, possa solicitar informações públicas a órgãos competentes sem que seja necessário justificar a motivação.
A LAI é uma conquista democrática das mais importantes deste início de século e, considerada ao lado da liberdade de imprensa, empresta um sentido público ainda mais denso ao trabalho do The Intercept, já que a legislação estabelece, como objetivo central, que todas as informações produzidas ou sob a guarda do poder público, são informações públicas e, como tal, devem ser acessíveis à cidadania, ressalvadas informações pessoais e hipóteses de sigilo legalmente estabelecidas. Aqui entra todo o debate a respeito da conduta de procuradores, juízes, policiais federais, seus aparelhos de telefone funcionais, o dever de transparência, o princípio da imparcialidade a as violações ao devido processo legal, questões que superam com sobra qualquer distração a respeito de hackers e crimes informáticos.
Os jornalistas liderados por Glenn Greenwald, portanto, fazem mais do que jornalismo, garantem o acesso à informação e o direito à verdade e vão além. Permitem à sociedade conhecer a defecção de agentes do sistema de justiça atuando por interesses alheios aos processos investigados, por vezes com intenção política e até econômica. Permitem a revelação de eventuais crimes cometidos por funcionários da administração pública, alguns do Poder Judiciário, outros do Ministério Público e outros ainda da Polícia Federal, um trabalho inestimável à sociedade brasileira que resiste ao arbítrio e ao saudosismo do tempo das sombras.
Classificar de “absoluta constitucionalidade” o trabalho do “The Intercept” é um julgamento precipitado.
A Lei de Acesso às Informações permite solicitar informações públicas a órgãos competentes sem que seja necessário justificar a motivação . Mas as informações veiculadas não procederam de órgãos competentes, e foram obtidas de forma criminosa, como demonstra a prisão e depoimento dos hackers detidos pela PF esta semana.
Raul Anduze, o que você afirma: “…foram obtidas de forma criminosa, como demonstra a prisão e depoimento dos rackers “detidos” pela PF esta semana…”, como você afirma, é que é um verdadeiro julgamento precipitado. Completamente fora de tempo seu comentário, pois são “detidos”, não há, ainda, processo formal acusatório relacionando suas muitas (mais de 1.000) atividades ilícitas, com intuito de gerar benefícios próprios… só palavras, ou acusações de “detidos”, que falam o que se lhes pede para dizer, com intuito de amenizar suas futuras penas jurídicas. Creio que você não entendeu nada da “aula” jurídica exposta pela articulista, Professora da Cadeira de Direitos Humanos da UFRJ!
Ademais, meu caro, é irrelevante a fonte, que está forçosamente sendo associada ao trabalho brilhante da Equipe de Jornalista do Intercept, com o intuito de “desacreditá-lo”! Bom você ler muito sobre isto: o fato da fonte vir de “hackers, ou não”, não invalida os diálogos e as tramóias articuladas e “registradas”, “substancialmente”, conforme manifestação de grande parte de Juristas Brasileiros e Internacionais.
Uma resposta didática e sóbria. Parabéns!