Joelson Dias e Thyago Mendes*
Resultante do chamado “pacote Anti Crime”, a lei nº 13.964/2019, aumentou o limite de tempo de cumprimento de pena de 30 para 40 anos em proposta encaminhada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, sob a justificativa principal de que o mencionado limite deve acompanhar o aumento da expectativa de vida do brasileiro. Contudo, com o devido respeito, o aumento da pena ignora a realidade carcerária do Brasil, estipula caráter perpétuo de punição e vai na contramão da realidade penal vivenciada nos países que alcançaram os menores índices de criminalidade no mundo.
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Há 40 anos, o Papa João Paulo II chegava ao Brasil pela primeira vez e o congresso nacional restabelecia as eleições diretas para os governadores dos estados e do Distrito Federal (DF). O Brasil ainda era tricampeão mundial de futebol, Ayrton Senna sequer havia ganho sua primeira corrida e, no âmbito jurídico, não havia sido formado o constituinte originário e o período ditatorial brasileiro começava a perder força. 40 anos é uma vida, ou até mais que isso.
É certo que a prisão é instrumento disciplinar do estado, constituído para o exercício do poder de punir em que o tempo é o critério abstrato que exprime a relação crime/punição e a medida de retribuição equivalente do crime no Direito. No entanto, se passarmos a ignorar a função social da pena, o instituto se esvazia em essência e lógica.
Não podemos esquecer que o Brasil adota a teoria eclética e, nesse sentido, a pena não é finalidade, mas sim critério limitativo que deve ser justo e proporcional conforme o ilícito praticado e a culpabilidade do agente, com o objetivo de restaurá-lo e reintegrá-lo à sociedade.
A bem da verdade, a lógica populista de que prender mais e por mais tempo pode ser a solução para o frágil sistema penal brasileiro é facilmente rebatida a partir de uma análise simples dos cases de sucesso internacionais. Portugal, por exemplo, é o 3º país mais pacífico do mundo e tem pena máxima estipulada em 25 (vinte e cinco) anos.
Prender por tempo maior não é e nunca foi sinônimo de melhoria nos índices de criminalidade. Nos Estados Unidos, em que a prisão perpétua é admitida (explicitamente) na maioria dos Estados, o resultado tem sido o aumento da população carcerária (a maior do mundo) e o consequente aumento dos índices de criminalidade.
O Brasil passa a trilhar o mesmo caminho, com o aumento indiscriminado do já hiper-lotado sistema carcerário nacional e com a sorrateira autorização à punição perpétua. Sorrateira porque, apesar de não ser explícito no diploma legal, autoriza que o indivíduo perca sua vida inteira em cumprimento de pena e não traz quaisquer benefícios práticos para a sociedade, além da lógica vingativa e punitiva atual.
O aumento do tempo de pena e seu caráter perpétuo não é uma evolução, é um retrocesso que contraria o próprio objetivo da pena. Para além do estigma de ex-presidiário, após quarenta anos de punição o indivíduo já está completamente excluído do mercado de trabalho, desatualizado em conhecimento e certamente com sua saúde muito mais debilitada que qualquer outro cidadão de sua faixa-etária, causando por consequência lógica o assombroso índice de reincidência no Brasil.
Ademais, o argumento de que a expectativa de vida do brasileiro aumentou e, por essa razão, o limite máximo de pena deve a acompanhar não comporta racionalidade. É cediço que o envelhecimento no cárcere acontece de maneira muito mais acentuada, já que fatores como idade biológica e emocional importam para a expectativa de vida dentro do sistema prisional brasileiro ser menor do que é fora dele.
Contudo, a mudança está feita. Nos resta torcer para que daqui há quatro décadas, além de novas copas do mundo, o Brasil tenha percebido a necessidade do investimento na reforma completa do Sistema Penal e carcerário do país e compreendido a irracionalidade do pensamento punitivista e vingativo atual, para que se diminuam não só os índices de criminalidade mas também os estigmas negativos que recaem sobre os apenados e os vinculam perpetuamente a pena sofrida há, quem sabe, quarenta anos.
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Realmente, 40 anos é uma vida.
Mas ainda assim é vida, (está vivo). Não se pode dizer o mesmo de vítimas mortas, ou de direitos violados que ocasionaram “prisões” de pessoas livres.