Antonio Carlos Mendes Thame *
Nos anos 80, o Brasil experimentou uma década perdida. Nosso crescimento foi pífio, e o governo não conseguia cumprir satisfatoriamente suas quatro principais funções básicas: oferecer à população segurança, educação, saúde e infraestrutura. Naquele período, caracterizado por uma inflação estratosférica e por um brutal processo de concentração de renda, houve sete tentativas de implantar planos ou reformas econômicas. Todas fracassaram.
De qualquer forma, crescia uma certeza: para iniciar vida nova na economia brasileira, a condição primeira era extirpar o imposto inflacionário, o mais injusto e perverso de todos os tributos. É fácil ver o porquê dessa aberrante injustiça: 100% dos rendimentos dos mais pobres, dos que auferiam baixa renda, eram afetados pelo processo inflacionário, pois tudo o que recebiam era gasto, e os preços daquilo que consumiam eram majorados, no mínimo, pela inflação. Com os mais ricos, isto não ocorria: apenas parte de sua renda era destinada ao consumo. Quanto mais rico, quanto maiores seus rendimentos, menor a percentagem que era corroída pela inflação. O que não era consumido era poupado e ficava a salvo das perdas inflacionárias, rendendo juros e correção monetária.
Além disso, o que é gravíssimo e pouco citado: a inflação também dificultava o combate à corrupção. Sim, porque, ao impedir uma avaliação realista dos contratos de obras e serviços públicos, ajudava a esconder situações de superfaturamento, ficando muito mais difícil identificar e punir os responsáveis pelas delinquências.
Por isso, na verdade, não havia necessidade de estudos econométricos, para ver o quanto este processo de concentração de renda correu solto na década perdida (na verdade, 15, e não dez anos) aumentando as desigualdades e ajudando a consolidar o Brasil como um dos países mais injustos do planeta.
A inflação também atrapalhava tanto o planejamento do governo, cujo orçamento virava peça de ficção, quanto o planejamento das empresas, que eram induzidas a buscar o lucro mais fácil pelas vias do imediatismo, postergando aqueles investimentos com retornos imprevisíveis ou menos previsíveis.
Por todas estas razões, a comemoração dos 20 anos do Plano Real nos permite rememorar a mais importante das muitas heranças benéficas que o governo Fernando Henrique Cardoso deixou para o povo brasileiro.
O Plano Real, que permitiu vencer a inflação, foi o mais corajoso, o mais radical, o mais bem sucedido processo de transformação econômica de nossa história, fruto de acurada competência técnica e de férrea determinação política.
Sem a estabilidade da moeda, não haveria como elaborar e executar políticas sociais e de desenvolvimento, não haveria como preservar o poder aquisitivo notadamente dos mais pobres, não haveria condições de incluir no processo produtivo milhões de brasileiros que ficavam excluídos de tudo, tentando meramente sobreviver, com pífia renda, abaixo da linha de pobreza.
Apesar de enfrentar feroz oposição do Partido dos Trabalhadores (PT), o projeto que instituía o Plano Real foi aprovado no Congresso Nacional, e a hiperinflação debelada.
É verdade que o sucesso do Real não decorreu apenas da troca do padrão monetário, dessa ideia genial que transformou um índice, a Unidade Referencial de Valor (URV), que corrigia automaticamente os preços, em moeda. Foi preciso muito mais. Foi preciso monitorar, administrar e complementar o Plano, simultaneamente, com um forte controle fiscal, com abertura comercial, com o saneamento bancário, com o reescalonamento da dívida dos Estados, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a desindexação da economia e, a partir de 1999, com o tripé (metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), que instituiu os fundamentos da política econômica brasileira, válidos até hoje.
Em 2002, Lula, para ser eleito, jogou na lata de lixo da História as teses que o PT vinha defendendo desde sua fundação e redigiu uma “Carta aos Brasileiros”, comprometendo-se a continuar respeitando os fundamentos econômicos do Governo Fernando Henrique Cardoso. Sim, comprometendo-se a dar prosseguimento à condução da economia da mesma forma como o governo anterior.
Eleito, temia-se que o presidente Lula não cumprisse o prometido e introduzisse fatores desagregadores na nossa economia. Não o fez, pelo menos no primeiro mandato. E foi muito elogiado por isto: pelo mal que não fez. Hoje, porém, são inequívocas as mostras explícitas das imensas dificuldades do governo, na condução do processo econômico, com risco de volta da inflação, com rombo nas contas externas, com o aparelhamento do Estado, com lascivos e permissivos gastos de custeio da obesa estrutura estatal, o que pode por a perder conquistas tão gratas e que tanto custaram ao povo brasileiro.
Por tudo isso, acreditamos que uma comemoração como a realizada em sessão solene no Senado Federal, além de rememorar tão importante fato, que foi a instituição do Plano Real, também pode contribuir para que a população brasileira não fique indiferente, não continue leniente com a inanição econômica, com o crescimento pífio, com a gestão irresponsável e proceda a uma crescente cobrança dos ajustes e das esperadas reformas que ainda são necessárias, para promover uma efetiva melhora nas condições de vida de nossa gente.
*Antonio Carlos Mendes Thame é professor (licenciado) do Departamento de Economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e deputado federal (PSDB-SP).
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