A não ingerência de alguma forma de pressão sobre o direito de escolha dos eleitores é a mesma coisa que encontrar a liberdade completa para o ato de votar, o que, por sua vez, é comparável ao sonho de felicidade em toda a sua plenitude terrena. O chamado voto de cabresto ainda existe, apenas passou de forma rudimentar e virulenta para um modelo moderno e sofisticado. Todavia, muitos ‘líderes’ impostos, se pudessem, atuariam de maneira cruel e até cometeriam atrocidades físicas.
Nós não podemos deixar de sonhar. Seria perder a total esperança de melhores dias ou cair no abismo da desilusão.
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No inicio do período republicano no Brasil (final do século XIX e começo do XX), vigorou um sistema conhecido popularmente como coronelismo. Esse nome foi dado pois a política era controlada e comandada pelos coronéis (ricos fazendeiros). Na chamada República Velha, o sistema eleitoral era frágil e fácil de ser manipulado. Os coronéis compravam votos para seus candidatos ou trocavam votos por bens materiais (pares de sapatos, óculos, alimentos etc.). Como o voto era aberto, os coronéis mandavam seus capangas para os locais de votação, com o objetivo de intimidar os eleitores e amarrar o voto. As regiões controladas politicamente pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais. Os coronéis costumavam alterar os votos, sumindo com urnas e até mesmo patrocinando a prática do voto fantasma. Este último consistia na falsificação de documentos para que pessoas pudessem votar várias vezes ou utilizar o nome de falecidos nas votações.
O voto de cabresto era um sistema tradicional de controle de poder político através do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. Era um mecanismo muito recorrente nos rincões mais pobres do Brasil, como uma das principais características do que se costumava definir como coronelismo. Onde o seu reduto maior fincou a estaca foi no Nordeste brasileiro.
Nas regiões mais pobres do Brasil, a prática foi (e, de certo modo ainda continua) bastante frequente. Desde os tempos do Império, quando o Brasil realizou as primeiras eleições como um país independente, a fraude eleitoral é uma praga de difícil combate. No período áureo do coronelismo, no início do século XX, o eleitor só precisava levar um pedaço de papel com o nome do seu candidato e depositar dentro da urna de pano. Não existia, obviamente, urna eletrônica. Tratava-se de um papel qualquer, trazido de casa mesmo. Para os coronéis, bastava entregar a cada um de seus empregados um papel já preenchido. Como a grande maioria desses “eleitores” era analfabeta, eles apenas assinavam seus nomes (embora, à época, os analfabetos não pudessem votar).
Isso não era, de modo algum, problema para os coronéis, já que eles mesmos escreviam nos papéis o que bem desejassem. Como os criados não sabiam ler, muitas vezes eles votavam e nem sequer sabiam o que estava escrito no papel que depositavam na urna. Aliás, era uma prática do coronel fornecer o transporte a esses pretensos eleitores, que recebiam as “instruções” ao irem votar. As regiões do vasto interior do Brasil estavam cheias dessa figura: um grande fazendeiro que exercia poder total sob uma comunidade de camponeses humildes, pela via moral ou pela força mesmo. Assim, ele utilizava de seu poder econômico para garantir a eleição dos candidatos que apoiava. Quando o convencimento pela via econômica não surtia efeito, o coronel recorria à violência para que os eleitores de seu “curral eleitoral” obedecessem às suas ordens. Cabresto tem seu berço no latim capistrum, “mordaça, freio, brida”. Símbolo do retrocesso, da violência e do privilégio de uns poucos em detrimento de toda uma população. Tomara que as últimas eleições tenham sido a hora de a onça beber água nas lonjuras tupiniquins, onde a nação – infelizmente – ainda vive na idade das trevas…
No sistema político e eleitoral brasileiro, nos dias atuais, é muito difícil assegurar o voto livre das pessoas. A Justiça eleitoral não dispõe de mecanismo para controlar, e os juízes tentam zelar pela regularidade do sistema eleitoral atuando dentro do gabinete, mais preocupados em expedir portarias proibitivas do que em combater de frente a compra de votos. Por outro lado, maus políticos podem usar de mecanismos eficientes de pressão. Por exemplo, anotando as seções em que os eleitores de determinada família ou localidade votam, para depois conferir se a votação do candidato correspondeu ao que se esperava dos eleitores. Embora não seja possível determinar quem votou em quem por esse método, ele é eficaz, junto à população mais pobre, como instrumento de pressão psicológica. Outras irregularidades são dar dinheiro e reter o título e documentos pessoais do eleitor, que não poderá comparecer pessoalmente à seção eleitoral para o exercício do voto. E há o poder aterrorizador do tráfico de drogas, que detém o controle comunitário, distribui dinheiro em espécie e usa de atrocidades contra aqueles que não seguem suas ‘orientações políticas’. Em contrapartida a esse estado de anarquia, as milícias, nas comunidades pobres, obrigam os moradores locais a votar em quem eles querem, e não permitem o voto em outros candidatos; se a população não cumpre o que deseja a milícia, esta pode abusar do poder, causar mortes ou parar de ‘ajudar’ os moradores.
Tem-se conhecimento de várias denúncias de que alguns candidatos estariam distribuindo telefone celular ou fazendo com que as pessoas, por meio do aparelho com internet, entrassem na cabine eleitoral, fotografassem o voto e enviassem por e-mail, já saindo da cabine eleitoral com o voto comprometido. A isso nós chamamos de pressão cibernética, conjugada à pressão psicológica e à monetária. Sabemos que é proibido o uso de aparelho celular no ato de votação. Mas, para os vivos demais, isso é lei morta!
O Estado brasileiro é laico. Não se misturam o poder secular com o poder transcendental. É necessária a igualdade de tratamento entre todas as religiões, e também em relação a quem não professa credo nenhum. A nossa realidade mostra uma política evangelizada.
Por muito tempo acreditou-se que religião e política fossem coisas opostas. E assim choveu de “irmãozinhos” votando nulo e em branco, abstendo de seu dever como cidadão. Porém, de um tempo para cá, uma gama de políticos percebeu o crescimento explosivo do povo evangélico, achando aí um meio de alavancar sua candidatura. Infelizmente, na época de eleições muitos púlpitos viram palanques e alguns cultos mais parecem comícios eleitorais. Remetendo ao antigo (?) voto de cabresto, muito presente na República Velha, em que coronéis “compravam” o voto das classes menos favorecidas, compra-se hoje o chamado ‘voto de cajado’: pastores e líderes espirituais e/ou religiosos “impõem” aos fiéis um certo candidato, ou como diriam os próprios, os ‘candidatos oficiais da igreja’.
Votar em um “irmão” da igreja só porque ele vai financiar ($) a marcha para Jesus, ou pior, porque o pastor o levou ao púlpito e até orou por ele e o ungiu, são motivos medíocres. Um candidato, ainda que cristão, não está lá apenas para beneficiar a religião A ou a igreja B, muitos menos para se beneficiar. Ele deve confrontar a realidade atual e lutar contra um dos maiores males da atualidade: a desigualdade social. E assim como Jesus Cristo ouviu o grito dos excluídos e voltou-se aos marginalizados, que sejam os políticos (cristãos ou não) a voz dos injustiçados e a vez dos indefesos.
A compra do voto ainda é muito praticada, e é eficaz. As pessoas se sentem obrigadas, compromissadas com um candidato depois de terem recebido algo como um simples favor, ou a inclusão de seu nome em alguns dos programas assistenciais sustentados pelo governo, e que distribuem poucas dezenas de reais a milhares e milhares de pessoas que seriam atendidas com melhor proveito caso dispusessem de maiores oportunidades de emprego, além de adequados serviços de formação profissional, saúde, segurança e principalmente educação, que não deve e nem pode ser avaliada pelo número de vagas disponibilizadas nas escolas iniciais e superiores, mas sim pela qualidade do ensino que por elas é ministrado. O que, infelizmente, não acontece.
O coronelismo foi uma das instituições mais anacrônicas da política brasileira, felizmente hoje em declínio. Apesar disso, dos 40 deputados federais mais jovens do Brasil, 32 são filhos ou parentes de políticos veteranos. Portanto, temos ainda a prevalência do voto de cabresto, que é o sistema de controle do poder político por meio do abuso da autoridade, da compra de votos ou da utilização da máquina pública, o chamado coronelismo moderno, nos mais pobres rincões do país.
Entretanto, o voto de cabresto no Brasil contemporâneo não se limita ao uso do programa Bolsa Família. Já em julho e agosto de 2008, apareciam denúncias da intimidação a eleitores nas favelas do Rio de Janeiro para votarem a favor de candidatos ligados ao narcotráfico e ao crime organizado.
No Brasil contemporâneo, um país majoritariamente industrial e urbano, a intimidação dos eleitores por meio da violência vem ocorrendo nas metrópoles: grupos paramilitares, formados por ex-policiais e traficantes que atuam nas favelas e outros bairros cariocas, obrigando a população, através de ameaças, a fotografar com celular o seu voto para garantir a eleição de candidatos ligados ao crime organizado.
As pilastras da democracia esperam o seu soerguimento! E isso acontecerá quando o povo acreditar que a coisa pública deve ser honestamente dirigida e honestamente fiscalizada, punindo-se o gestor ímprobo com o rigor da penalidade adequada a cada caso e de acordo com a gravidade do delito. A impunidade não merece nenhum louvor, venha de onde vier!
* Severino Coelho Viana é escritor e promotor de Justiça em João Pessoa.
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