Uma das faces dramáticas da crise brasileira é a que veio à tona nas semanas iniciais de 2017, envolvendo a segurança pública e o sistema prisional.
De um lado, um verdadeiro filme de terror assistido por toda a população pela TV, em que facções criminosas organizadas nacionalmente demonstraram um nível surpreendente de atuação e apresentaram ao país um mundo paralelo, regido por regras próprias, à margem da ordem constitucional e das instituições republicanas.
O caldo de cultura que propiciou esta verdadeira tragédia foi alimentado por nossa obsoleta ordem penal, em que contraventores de baixa periculosidade se misturam com assassinos e grandes traficantes, criando uma verdadeira “universidade do crime”. Também os baixos níveis de investimento no sistema prisional levaram a uma situação insustentável. A população carcerária é hoje no Brasil de 622.202 detentos. Mas as vagas disponíveis são apenas 371.884. Resultado: a superpopulação carcerária transforma os presídios em verdadeiros paióis de pólvora, nas mãos das facções criminosas.
De outro lado, a crise da segurança pública no Espírito Santo revela a importância de rediscutirmos as políticas públicas setoriais e os direitos e deveres envolvidos na relação sociedade, Estado e corporações policiais. Não haverá vencedores no confronto entre governantes e servidores policiais militares e civis. Segurança é um direito universal, difuso e abstrato que a sociedade tem de se sentir protegida, garantido no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 e definido no artigo 144 como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública, com proteção às pessoas e ao patrimônio privado ou público.Leia também
Não me parece nada razoável que os policiais capixabas sequestrem esse direito da sociedade em busca de melhores salários. Serviços essenciais não devem ter direito à greve, porque na sua ausência impera o caos, refletido nas imagens terríveis que assistimos no Espírito Santo. Mas também não é nada razoável que morra um policial a cada dois dias no Rio de Janeiro, como se estivéssemos numa verdadeira guerra civil. O diálogo e o respeito mútuo têm que ser a premissa. Não é papel das Forças Armadas, como regra, suprir essas lacunas.
As raízes da crise são muitas. O estrangulamento orçamentário que limita os investimentos, a falência do modelo previdenciário com aposentadorias precoces e dificuldade de reposição dos efetivos, dado o sistema de repartição simples. As falhas na política de combate às drogas e ao crime organizado. A peneira em que se transformaram nossas fronteiras. O fracasso na prevenção que deveria vir do sistema educacional e das políticas voltadas para crianças e jovens em situação de risco social.
Mais do mesmo não nos levará ao sucesso. Só uma abordagem ousada, corajosa, integrada, criativa e eficaz pode jogar na “lata de lixo da história” as cenas lamentáveis a que assistimos neste início de ano.
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