Em um de seus estudos, Charles Henry Maye, químico inglês que viveu no século retrasado, viu-se às voltas com os mistérios e o valor químico do corpo humano. E resolveu ir fundo em possíveis descobertas. Tanto fez que conseguiu algumas. Por exemplo: um adulto normalmente constituído teria gordura suficiente no corpo para produzir sete sabonetes; açúcar bastante para adoçar uma xícara de café; magnésio para gerar uma fotografia; e quantidade de ferro para fabricar um prego médio.
Devia ter mesmo muito tempo disponível, o sir Maye, para descobrir tudo isso. Mas não paciência suficiente para medir, por exemplo, a fragilidade do corpo humano. Difícil mensurar o imensurável. Ora, se somos constituídos basicamente de água, ossos, músculos e, como diria um amigo, “sonhos” (piegas ou não, a assertiva é verdadeira), que nível de resistência teríamos diante, digamos, do chumbo? Aliás, o que o doutor Maye não precisaria descobrir – até porque isso é claro como a existência do nada –, é o inalcançável índice de tal fragilidade.
Frágil, mas intrépida essa nossa máquina orgânica… O leitor pode se dar ao exercício imaginativo e chegar à aproximada idéia do que o nosso corpo pode fazer em termos de movimento, ignorando o quão frágil é sua estrutura? Ou o que os inúmeros corpos que existem (e os que não mais) nesse planeta já foram capazes de fazer? À parte os movimentos elementares, como andar, pular ou levantar os braços, o corpo de alguns “mutantes” pode ir muito além disso.
Na esteira do espírito olímpico, o Congresso em Foco selecionou alguns vídeos que, além de uma irreverente e curiosa celebração do movimento, mostram que o corpo humano pode ter lá suas limitações (estrutura óssea, relativa fragilidade da pele, submissão às leis da física), mas as desafia o tempo todo. Com graça, leveza, desenvoltura, desengonço, desastrada ou proficientemente, não importa: movimento é tudo. E não só para os corpos.
Made in China
Não por coincidência, alguns vídeos a seguir são protagonizados por chineses. Façamos uma justa homenagem ao país-sede dos Jogos Olímpicos de Pequim (Beijing, para os íntimos). E convenhamos: em matéria de impressionar, eles “têm a manha”, para recorrer a uma expressão jovial. Ou alguém discorda de que a festa de abertura dos jogos, na última sexta-feira (8), foi a mais estupenda e apoteótica da história da competição?
Aliás, é de arrepiar uma das apresentações da cerimônia, a que reproduziu um cata (seqüência de movimentos) de arte marcial em que milhares de chineses elevam à enésima potência o significado das palavras precisão e sincronia. E bem que esse vídeo poderia estar disponível aqui – mas ainda não deu tempo de YouTube e congêneres o publicarem para os internautas…
Como estamos em plena Olimpíada de Pequim, comecemos com um vídeo de um esporte tipicamente chinês, o pingue-pongue, cujo nome vem da onomatopéia “ping-pang” – que seria, para os chineses, o barulho do vai-e-vem da bolinha na mesa. Qualquer semelhança com a tridimensionalidade do filme Matrix não é mera coincidência.
Tudo bem, o vídeo anterior está mais para apresentação de Globetrotters (aqueles show men do basquete, lembram?) do que para uma partida verdadeira de pingue-pongue. Então vejamos a coreografia que os mesatenistas chineses operam.
Ou esses jogadores são muito bons mesmo no que fazem ou… são de outro planeta. A pequena e branca bolinha parece de isopor – e, durante os movimentos, certamente fica mais leve que o ar.
A união faz a perfeição
Continuemos, agora contemplando o poder da coletividade, pelas sílfides chinesas de um espetáculo onírico, digno de nosso melhor sonho.
O balé que elas operam é tão hipnotizante quanto intrigante: como conseguem ser tão leves, delicadas e graciosas essas chinezinhas? E como pode um grupo de mulheres alcançar tamanha sincronia? Ilusão de ótica é pouco. (p.s.: se conseguirem, reparem na humilde e coadjuvante dança das cores)
Quem viu a epopéia chinesa na abertura olímpica de sexta-feira (8) certamente constatou que a perfeição, se nos é impossível alcançar, está logo ali ao lado. Ou melhor, no outro lado do mundo, lá mesmo, na China. Vejam estas duas inacreditáveis odes à sincronia e, se puderem, discordem.
E, já que estamos celebrando a sincronia e o movimento:
Se você achou que o vídeo das chinesas tem muita luz (o primeiro acima), dê uma olhada:
Aqui, as sombras parecem brilhar. Ou melhor, são brilho puro. E, novamente, a quase-perfeição é alcançada sob a regência da coletividade. Que aliás, manifesta-se de uma forma, digamos, cândida (reparem na parte em que duas crianças, de mãos dadas, mandam um tchau para os espectadores…).
Esporte propriamente dito
Depois do movimento do espetáculo, apreciemos o espetáculo do movimento. Para ser mais claro: o que seres humanos conseguem fazer, individualmente, com seus corpos na prática do esporte, o nível de excelência e total talento e amor que alguns atletas alcançaram nas respectivas modalidades.
Abaixo, no libelo ao lema “o importante é competir”, tão diminuído nesses tempos de vitória a qualquer preço, o espírito olímpico é reverenciado na medida certa. O valor das demais medalhas que não a de ouro, e mesmo o simples fato de ter chegado às olimpíadas ou ter comprido uma prova com nobreza e lealdade, aqui é retratado com boa dose poética.
O próximo, de pouco mais de oito minutos, uma bela homenagem aos jogos olímpicos. Numa paradoxal referência aos movimentos dos atletas – uma vez que estátuas, por óbvia definição, são estáticas –, registra-se aqui um passeio pelo tempo iniciado no templo-mor das olimpíadas, a Grécia. Com um adequado som de ópera.
Movimento-ícone
Alçado à condição de ícone, uma imagem narrada em mandarim (mais uma homenagem ao país-sede…) sintetiza todo o ideal olímpico de união entre as nações. Mostra a obstinação a romper as mesmas fronteiras que suscitam guerras, mas também a encontrar no ser humano a força-motriz de algo muito superior à compreensão.
A mesma energia que fez uma certa atleta suíça cruzar a linha de chegada, mesmo torta, ensopada de suor, à beira do desmaio – o que aconteceu depois de ela ter concluído a prova, talvez devido ao alívio nos braços dos paramédicos. Era a maratona, crudelíssimos 42 quilômetros e 195 metros de corrida a testar o corpo da menina-olímpica.
Naquela ocasião, nas Olimpíadas de Los Angeles 1984, Gabrielle Andersen-Scheiss fazia os últimos espasmos de coordenação motora mostrar ao mundo que, mais do que um corpo com movimentos, o atleta é, por vezes, um corpo movido pelo amor ao esporte. Bem como pela vontade de chegar a algum estágio que não o lugar-comum da desistência.
E para quem, por qualquer razão, não consegue se emocionar com a nobreza que há no desafio às (por vezes trágicas) limitações do corpo, aqui vai mais um vídeo. O responsável pela filmagem, feita de dentro do carro, conseguiu. Por isso seguiu pelo trânsito o ciclista de uma perna só.
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