Edson Sardinha e Tavares Dias
O pedido de impeachment apresentado pelos juristas Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Flávio Henrique Costa contra a presidente Dilma está fundamentado em quatro denúncias que implicam, segundo eles, crime de responsabilidade. São elas: a publicação de decretos sem número que aumentaram despesas sem autorização do Congresso Nacional, a prática das chamadas pedaladas fiscais, o não reconhecimento das dívidas do governo com os bancos oficiais e a possível omissão da petista no esquema de corrupção da Petrobras.
Leia a íntegra do pedido de impeachment
Na justificativa da decisão de dar andamento ao processo contra Dilma, Cunha se ateve aos fatos que, de acordo com os juristas, continuaram em 2015 – as pedaladas e o aumento de despesa sem aval do Congresso. Ele rejeitou as denúncias relativas ao mandato anterior da presidente, como as que embasaram a rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e à corrupção na Petrobras.
“Não se pode permitir a abertura de um processo tão grave, como é o processo de impeachment, com base em mera suposição de que a presidente da República tenha sido conivente com atos de corrupção”, escreveu Cunha (veja a íntegra da decisão).
O texto aceito pelo presidente da Câmara é a segunda versão do pedido encabeçado pelo ex-petista Hélio Bicudo e pelo tucano Miguel Reale Junior. A nova petição foi entregue a Cunha em outubro, para incluir na denúncia os dados relativos a 2015. Essa foi a forma encontrada pelos juristas para enfrentar a discussão jurídica sobre a validade de um pedido de impeachment com base em fatos atribuídos ao mandato anterior.
Veja os principais pontos do pedido de impeachment dos juristas:
– Pedaladas fiscais
Os autores do pedido de impeachment alegam que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade ao atrasar o repasse a bancos federais para pagar programas do governo em 2014 e 2015, as chamadas pedaladas fiscais. A manobra fiscal foi um dos motivos que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) a rejeitar as contas do governo relativas ao ano passado. Mas, segundo os ministros, o artifício continuou em 2015. Essa informação, incluída na nova petição entregue em outubro ao presidente da Câmara, foi utilizada como argumento por Eduardo Cunha para dar andamento ao processo de impeachment. “Apenas com o Banco do Brasil, graças a um único programa, as pedaladas fiscais no ano de 2015 foram de mais de R$ 3 bilhões”, assinalam. “Com efeito, constituem crime de responsabilidade a ação e a omissão da Presidente da República no tocante ao que se chama de ‘pedaladas fiscais’”, prosseguem. Eles fazem referência à interpretação dos ministros do TCU de que o Executivo fez manobra para driblar a lei que proíbe empréstimos de bancos oficiais ao governo.
– Decretos de aumento de despesa
Os juristas também mencionam os decretos que abriram crédito suplementar para despesas do governo sem autorização do Congresso Nacional, outro motivo da rejeição das contas de 2014 pelo TCU. O pedido de impeachment destaca que ao menos seis decretos semelhantes foram publicados este ano. Segundo a petição, os valores dos créditos suplementares liberados por decreto não numerados foram de R$ 18,44 bilhões. “Esses decretos foram publicados após a constatação, pelo Tesouro Nacional, de que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual não haviam sido cumpridas, como revelado pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º Bimestre de 2014 do Tesouro Nacional”, sustentam os advogados.
De acordo com eles:
“As condutas acima descritas constituem inegável crime de responsabilidade, nos termos do art. 10 da Lei 1.079/50, especificamente nos seguintes itens:
‘Art. 10. São crimes de Responsabilidade contra a lei orçamentária:
4) Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária;
6) Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal’.”
– Dívida sem registro
As dívidas do governo com os bancos, no caso das pedaladas, não foram registradas na Dívida Líquida do Setor Público. “Tal ato afronta a Lei Orçamentária Anual – LOA, na medida em que impede o efetivo acompanhamento das contas de Governo, pois parte expressiva do passivo deixa de ser registrada, com o que o acompanhamento das metas de superávit primário passa a ser uma ficção”, afirmam os juristas.
“Ao desrespeitar a lei orçamentária anual de forma deliberada, mascarando o orçamento para dele fazer constar informações incorretas, com apresentação de um resultado fiscal, ao final de cada mês, superior ao que efetivamente seria adequado, mais uma vez, a denunciada incorreu em crime de responsabilidade.”
– Omissão na Petrobras
No pedido de impeachment, os juristas argumentam que Dilma foi omissa diante dos casos de corrupção na Petrobras e que se beneficiou, por meio de seu partido, do esquema de desvio de recursos. Segundo eles, a presidente “brinca com a boa-fé do cidadão brasileiro” ao dizer que não sabia de nada.
“O volume e a sistemática da corrupção, como revelado por Alberto Yousseff e Paulo Roberto da Costa em suas delações premiadas, bem como Pedro Barusco e outros, deixa claro que o desconhecimento destes fatos por membros da diretoria da Petrobrás ou pela Presidente do Conselho de Administração só pode ser atribuído à cegueira deliberada, na melhor das hipóteses, está-se diante de omissão dolosa. A denunciada, se verdade fosse seu desconhecimento, omitiu-se em suas responsabilidades, e o fez de forma dolosa.”
Para os autores do pedido, a omissão de Dilma foi “dolosa”, ou seja, intencional.
“Vale lembrar que grande parte dos desvios foi direcionado a seu Partido Político, beneficiando-a diretamente, inclusive em suas eleições presidenciais. Ora, não saber, a Presidente da República, que vultosas quantias em dinheiro foram desviadas dos cofres públicos do Governo Federal e que parte significativa desses recursos fora diretamente para as contas de seu partido é decorrente de sua omissão em cumprir com seus deveres mínimos de gestora e de candidata responsável por sua arrecadação e despesa de campanha. E, ante os fatos que já se encontravam conhecidos no transcorrer dos últimos anos, sua omissão é, a toda evidência, dolosa.”
Os juristas lembram que a “grave omissão” já derrubou o ex-presidente Fernando Collor, afastado da Presidência em processo de impeachment em 1992. “Saliente-se que a omissão como hipótese caracterizadora de crime de responsabilidade e, portanto, fundamento para o impeachment não é nenhuma novidade, pois foi justamente a grave omissão do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello um dos fatos que ensejaram seu impedimento.”
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