Julio Cruz Neto
A Câmara dos Deputados programou show, sessão solene, eventos e outros festejos para este Dia Internacional da Mulher (leia mais). Mas o que há para comemorar num dos parlamentos com menor representação feminina do mundo? Melhor seria se as deputadas entrassem todas no espelho d’água e queimassem os sutiãs, por mais que o protesto que simbolizou o movimento libertário dos anos 1960 possa parecer hoje coisa do passado.
As mulheres, que são 50,7% da população brasileira (Censo de 2000 do IBGE) e 41,1% da população economicamente ativa, ocupam apenas 9,2% das cadeiras no Congresso: 55. Dos 513 integrantes da Câmara, apenas 45 são mulheres (8,7%) e nenhuma está na Mesa Diretora: uma se candidatou a suplente de uma das secretarias este ano, mas Maria do Carmo Lara (PT-MG) não teve votos suficientes para se eleger. No Senado, onde há 81 parlamentares, são apenas dez senadoras.
Em termos de participação política das mulheres, o Brasil ocupa o 107º lugar num ranking de 187 países, bem abaixo da média mundial: 16,6%. É o “lanterninha” entre os sul-americanos e está só um pouco melhor do que as nações árabes pesquisadas, com toda a sua tradição machista (6,8%).
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O estudo foi elaborado pela União Interparlamentar (UIP), que, no caso brasileiro, usou dados de 2005. Mas eles não estão nada defasados. Na época, o país tinha praticamente o mesmo número de mulheres no Parlamento federal.
O exemplo argentino
Existe há 11 anos uma lei que obriga os partidos a reservarem 30% de suas vagas para candidatas mulheres nas eleições legislativas. Mas nem sempre esse reparte é preenchido. Muitas vezes, por falta de candidatas mesmo. Além disso, nem sempre as que são chamadas a participar da disputa têm apoio financeiro ou dentro dos próprios partidos, com suporte como material de propaganda e televisão, para vencer.
Na Argentina, há uma regra semelhante que obriga as legendas a reservarem espaço para a participação feminina. Só que lá o sistema de votação nas eleições proporcionais é de lista fechada e pré-ordenada. Diferentemente do Brasil, onde o eleitor vota no candidato, os argentinos votam no partido. E a distribuição das vagas para os cargos proporcionais no país é feita da seguinte forma: dois homens, uma mulher, dois homens, uma mulher…
Assim, a cada três votos recebidos pelo partido, um é destinado automaticamente à bancada feminina. Não por acaso, a Argentina é hoje a nona colocada no ranking que afere a participação das mulheres no Legislativo: 35% de suas cadeiras são ocupadas por elas. A lista é encabeçada por Ruanda, com 48,8%, Suécia, com 45,3%, e Noruega, com 37,9%.
No fim da lista
Quem explica o sistema de nossos vizinhos é a socióloga Almira Rodrigues, pesquisadora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). Ela conta que a adoção de lista fechada, um dos mais polêmicos itens da reforma política, está sendo debatida no Congresso sem que a discussão recaia sobre uma forma de garantir a presença das mulheres na relação das candidatas. “Elas podem vir no final (da lista), e aí não se elegem nunca”, adverte.
Se o número de eleitas no Brasil foi praticamente o mesmo em 2002 e 2006, é porque o desempenho nas urnas piorou, já que a quantidade de candidatas à Câmara cresceu de 509 para 652 nesse mesmo período. Entre as principais razões para isso, Almira destaca que as mulheres têm menos dinheiro para fazer campanha, já que “os homens estão na política há mais tempo e têm mais articulações”.
Ela defende o financiamento público de campanha, outro item da reforma política, “para arejar a representatividade”. Levantamento divulgado no último fim de semana pelo jornal Correio Braziliense mostra que as campanhas femininas gastaram 27% menos que as masculinas na última eleição.
Equilíbrio, só no Amapá
Mesmo assim, a deputada Janete Capiberibe conseguiu se eleger para o segundo mandato pelo PSB do Amapá, estado que tem a única bancada equilibrada, com quatro homens e quatro mulheres. E onde a candidata ao Senado Cristina Almeida (PSB), com 43,6% de votos, por pouco não impediu a, até então dada como certa, reeleição do senador José Sarney (PMDB-AP).
Janete atribui o bom desempenho eleitoral das amapaenses ao esforço dela e das colegas em favor da inclusão social e da redução das desigualdades de maneira geral. “A população da Amazônia, assim como a do Nordeste, confia na grande mãe, na matriarca”, acredita.
A deputada apóia a proposta de emenda constitucional (PEC 590/06), apresentada no final do ano passado por Luiza Erundina (PSB-SP), que garante ao menos uma cadeira para as mulheres na Mesa Diretora da Câmara. “Vamos lutar por isso”, promete Janete.
Segundo ela, a dificuldade para as mulheres começa nos próprios partidos, que dificultam a participação feminina nos postos de comando das legendas. “A resistência é muito grande”, avalia. Resistência que, aparentemente, vai sendo quebrada no partido de Janete, que triplicou o número de deputadas e quase empatou com o PT, que, por outro lado, viu sua bancada feminina cair pela metade este ano em comparação com 2005 (veja a distribuição das mulheres, por partido).
A distorção de gênero se reflete também na ausência feminina dos cargos de liderança no Congresso. Dos 20 partidos com assento na Câmara, nenhum deles é liderado hoje por alguma deputada. No Senado, há duas líderes: Ideli Salvatti (SC), que responde pela bancada do PT, e Lúcia Vânia (PSDB-GO), recém-conduzida à liderança da oposição na Casa.
Discriminação no DAS
Mas a discrepância se espalha pela Esplanada dos Ministérios e a administração federal como um todo. Elas ocupam menos de 20% dos cargos principais, como revela estudo da economista Tânia Fontenele publicado no livro Mulheres no topo da carreira, texto de sua dissertação de mestrado em psicologia social e do trabalho.
Dos cargos de confiança, mais conhecidos em Brasília como DAS, que vem de “cargo de direção e assessoramento superior”, elas em geral só têm direito aos menos importantes. Na lista de DAS 1, por exemplo, 49% dos contratados são mulheres, enquanto a relação de DAS 6 (reservado a funções de caráter predominantemente político, como secretários de Estado) tem apenas 19% de mulheres. O DAS 7 é para ministros.
O ministério de Lula tem quatro representantes do sexo feminino num total de 34, menos de 10%. Apesar do índice tímido, nunca as mulheres tiveram tanto espaço no primeiro escalão do governo federal como agora.
A única mulher que ocupa uma pasta estratégica é Dilma Rousseff, da Casa Civil. As outras ministras são Marina Silva (Meio Ambiente), Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial) e Nilcéia Freire (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres).
“Como as mulheres são sub-representadas na política, isso impacta nos cargos estratégicos da administração pública. Os homens acabam escolhendo homens”, explica Tânia, que lança hoje outra obra: Trabalho de mulher – riscos, mitos e transformações, organizada por ela e Adriana Reis de Araujo. O lançamento será às 19h30, na Escola Superior do Ministério Público (ESMP), em Brasília.
A economista acredita que há um preconceito velado, quer dizer, os homens dizem que acham legal ver mulheres em cargos importantes, mas na prática não abrem espaço.
Aprendizado nas diferenças
Segundo ela, estudos na área de neurociências já comprovaram que equipes mistas têm melhor desempenho que aquelas formadas só por homens ou só por mulheres. Isso porque em ambientes híbridos, as pessoas aprendem a ser flexíveis, somando características típicas do comportamento masculino e feminino. A bancada do Amapá está no caminho, resta saber qual será o seu desempenho nos próximos quatro anos.
A queima de lingerie, símbolo de uma época em que falar em eqüidade de gênero ainda era uma ousadia, virou coisa do passado. A expressão “mulher honesta” já foi excluída do Código Penal e tantas outras conquistas foram obtidas dentro e fora da política, como a Lei dos 30%, que obriga os partidos a reservarem pelo menos 30% das vagas a cargos eletivos para as mulheres.
Além disso, há uma maior presença feminina em cargos de comando, como mostram as já eleitas Michelle Bachelet (presidente do Chile), Angela Merkel (premiê da Alemanha) e as fortes candidatas Segolene Royal (França), Hillary Clinton (EUA), Rigoberta Menchú (Guatemala) e Cristina Kirchner (Argentina). O Brasil também pode ter a sua.
Mas talvez a principal razão para se apoiar as mulheres, independentemente da simpatia pela igualdade de gênero ou qualquer outra bandeira que se empunhe, e especialmente em se tratando de Brasil, esteja traduzida nesta frase da ex-deputada e candidata derrotada ao governo do Rio Denise Frossard (PPS-RJ), em entrevista ao Congresso em Foco: “O Banco Mundial atestou que o aumento da influência da mulher na vida pública se traduz em mais transparência e menos corrupção” (leia). Daí a inevitável conclusão: só o machismo, o burro machismo, explica por que insistimos no Brasil em manter a política como um território amplamente dominado pelos homens.
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