“RECOMENDAÇÃO N. 28, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2015.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM JOAÇABA, pelo Procurador da República signatário, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 127, caput, e artigo 129, incisos II, VI e IX da Constituição Federal; artigo 5º, incisos I e III, alínea “e”; artigo 6º, incisos VII, alínea “b”, e inciso XX, todos da Lei Complementar n. 75/93; artigo 4º, inciso IV e artigo 23, ambos da Resolução 87/2006, do CSMPF, e artigo 15, caput da Resolução n. 23 do CNMP e demais dispositivos pertinentes à espécie; o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo Promotor de Justiça subscritor; e o MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DE SANTA CATARINA, pelo procurador abaixo-assinado;
CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;
CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público Federal promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, nos termos do artigo 6º, inciso VII, alínea “b”, da Lei Complementar n. 75/93;
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CONSIDERANDO que o artigo 215 da Constituição Federal impõe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, bem como apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais;
CONSIDERANDO que esta Procuradoria da República foi noticiada acerca de representação formulada na 27ª Promotoria de Justiça da Capital, que relata suposto ato de improbidade administrativa ocorrido na Secretaria de Desenvolvimento Regional de Joaçaba, referente à eventual malversação na aplicação de recursos públicos oriundos de subvenção estadual (Fundo Estadual de Incentivo à Cultura), através da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL), de Santa Catarina, e destinados à Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale, da Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste – LIESJHO, que decidiu homenagear o deputado federal Jorginho Melo no seu samba enredo no Carnaval de 2016, tendo aquela Secretaria Estadual como atual Secretário o filho do deputado homenageado, Felipe Melo;
CONSIDERANDO que dentre os documentos consta Ofício nº 048/2013 expedido pela LIESJHO no âmbito de procedimento instaurado na Promotoria de Justiça de Joaçaba, do qual se extrai eventual recebimento, por aquela Liga das Escolas de Samba, além de recursos públicos das esferas municipal e estadual, verbas federais, captadas por meio da Lei Rouanet (Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura – Governo Federal), para aplicação no evento cultural, denominado Carnaval, manifestado com o desfile das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste, sendo os respectivos projetos elaborados em nome da LIESJHO;
CONSIDERANDO a representação acima mencionada, esta Procuradoria da República no Município de Joaçaba instaurou Procedimento Preparatório vinculado à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, com a finalidade de apurar eventual aplicação irregular de verbas públicas federais em projetos de incentivo à cultura, pela Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste – LIESJHO, para homenagear deputado federal, em desrespeito aos princípios constitucionais que regem a administração pública, especialmente os princípios da impessoalidade e da finalidade;
CONSIDERANDO que o Ministério da Cultura – MINC incentiva a elaboração de propostas/projetos culturais, por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, instituído pela Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91), a qual prevê em seu art. 18 que a UNIÃO faculta às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação das parcelas do Imposto sobre a Renda (renúncia fiscal, com 100% de abatimento no IR), a título de doações ou patrocínios, no apoio direto da iniciativa privada a projetos culturais;
CONSIDERANDO que a LIESJHO dispõe de apoio financeiro proporcionado pelo mecanismo de incentivo fiscal da Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91), dispondo a entidade de projeto cultural (nº 14 12556) aprovado pelo Ministério da Cultura – MINC, por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, denominado “Festival Cultural do Meio Oeste Catarinense 2015”;
CONSIDERANDO que a Instrução Normativa MINC nº 1, de 24 de junho de 2013, estabelece que “as doações e os patrocínios captados pelos proponentes em razão do mecanismo de incentivo, decorrentes de renúncia fiscal, são recursos públicos, e os projetos culturais estão sujeitos a acompanhamento, avaliação técnica e prestação de contas” (art. 74, caput);
CONSIDERANDO que a IN nº 1/2013/MINC orienta que a não aplicação sem justa causa ou aplicação incorreta dos recursos públicos descritos no art. 74 daquela norma poderá ensejar a instauração de Tomada de Contas Especial (art. 74, § 1º);
CONSIDERANDO que a IN nº 1/2013/MINC também determina que “a instauração do processo de Tomada de Contas Especial se fará conforme as normas específicas em vigor, visando à apuração dos fatos, identificação dos responsáveis, quantificação do dano e obtenção do ressarcimento, sendo levada a efeito pelo órgão competente do Ministério da Cultura ou, na sua omissão, por determinação da Controladoria-Geral da União ou do Tribunal de Contas da União” (art. 103);
CONSIDERANDO ainda o que prescreve o art. 105 da IN nº 1/2013/MINC, de que “a instauração do processo de Tomada de Contas Especial interromperá o prazo prescricional previsto no art. 95, permitindo a aplicação da sanção de que trata o art. 97 desta Instrução Normativa pelos cinco anos seguintes à instauração” (“art. 97. A sanção de inabilitação terá duração de três anos e será aplicada nas hipóteses de projetos reprovados em prestação de contas”);
CONSIDERANDO que a Lei n. 13.336/2005 instituiu o Fundo Estadual deIncentivo à Cultura;
CONSIDERANDO que as entidades privadas sem fins lucrativos que gerirem recursos decorrentes de repasses pelas esferas públicas estão sujeitas as normas semelhantes às da Administração Pública, a exemplo da observância dos princípios administrativos constantes no rol do art. 37 da Constituição Federal (impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade, eficiência) e outros implicitamente inseridos no texto constitucional;
CONSIDERANDO que pelo princípio da impessoalidade os atos praticados pelo administrador da verba pública deverão obrigatoriamente ter como finalidade o interesse público, e não próprio ou de um conjunto de pessoas determinadas, ou seja, deve ser impessoal, e qualquer ato que não tem como objetivo a satisfação do interesse público estará sujeito a invalidação por desvio de finalidade (Alexandrino, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado, 17ª Ed., 2009, pg.200; Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35ª Ed., 2009, pg.93);
CONSIDERANDO que o princípio da impessoalidade “está entrelaçado como princípio da igualdade (arts. 5º, I e 19, III, da CF/88), o qual impõe à Administração tratar igualmente a todos os que estejam na mesma situação fática e jurídica. Isso significa que os desiguais em termos genéricos e impessoais devem ser tratados desigualmente em relação àqueles que não se enquadram nessa distinção” (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35ª Ed., 2009, pg.94);
CONSIDERANDO que as normas administrativas que norteiam os atos que visam o fim público vedam qualquer tipo de promoção pessoal de agentes ou autoridades, a exemplo do consagrado no § 1º do art. 37 da Constituição Federal: “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”;
E, por fim, CONSIDERANDO a prerrogativa conferida ao Ministério Público para expedir RECOMENDAÇÕES, no exercício da defesa dos valores, interesses e direitos da coletividade, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito e aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (art. 6º, inc. XX da LC nº 75/93);
RESOLVE:
RECOMENDAR:
1. À Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste – LIESJHO, na pessoa do seu Presidente, para que todas as Escolas de Samba beneficiárias de recursos públicos federais, especialmente a Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale, se abstenham de empregar tais verbas em qualquer finalidade estranha à manifestação cultural, notadamente na promoção pessoal de qualquer autoridade pública;
- À Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL), de Santa Catarina, na pessoa do seu Secretário, para que adote as medidas necessárias para que os recursos públicos federais repassados à Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste – LIESJHO não sejam aplicados em qualquer finalidade estranha à manifestação cultural, notadamente na promoção pessoal de qualquer autoridade pública, bem como para que adote as medidas administrativas para obter a restituição de valores eventualmente aplicados na Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale, caso não seja alterado o enredo daquela Escola de Samba, sob pena de caracterizar ato de improbidade administrativa.
- À Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL), de Santa Catarina, na pessoa de seu Secretário, para que adote as medidas necessárias para que os recursos públicos estaduais repassados à Liga Independente das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d’Oeste – LIESJHO não sejam aplicados em qualquer finalidade estranha à manifestação cultural, notadamente na promoção pessoal de qualquer autoridade pública, inclusive detentor de mandato eletivo, bem como para que adote as medidas administrativas para obter a restituição de valores eventualmente aplicados na Escola de Samba Acadêmicos do Grande Vale, caso não seja alterado o enredo daquela Escola de Samba, sob pena da prática de ato de improbidade administrativa.
Fica assinalado o prazo de 10 dias, a contar do recebimento, para que o destinatário informe se acatou a presente Recomendação e relacione as medidas adotadas para seu fiel cumprimento. O prazo se justifica em razão da iminência do recesso forense e da proximidade do carnaval. A ausência de resposta nesse prazo será interpretada como negativa do acatamento da recomendação.
Esta Recomendação constitui o destinatário em mora e, se não acatada, implicará na adoção das medidas administrativas e judiciais inseridas nas atribuições do Ministério Público Federal.
Encaminhe-se, por meio eletrônico, cópia da presente recomendação à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
Joaçaba/SC, 16 de dezembro de 2015.
MÁRIO ROBERTO DOS SANTOS JORGE EDUARDO HOFFMAN
Procurador da República Promotor de Justiça
DIOGO ROBERTO RIGENBERG
Procurador do MP de Contas/SC”
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