Celso Lungaretti*
“O acaso faz com que essas duas
Que a sorte sempre separou
Se cruzem pela mesma rua
Olhando-se com a mesma dor”
(Chico Buarque, “Umas e Outras”)
Cristina dos Santos Cavalcante residia num bairro pobre da zona Leste paulistana, a uns 15 quilômetros do Centro. Tinha 29 anos e esperava sua segunda criança.
Fez o pré-natal na Unidade Básica de Saúde do Jardim Independência, da rede municipal.O nascimento do filho estava previsto para o dia 15 de junho.
A data chegou, passou… e nada. Então, recorreu ao Hospital Estadual de Vila Alpina. Mas, em cada consulta, diziam-lhe que estava tudo normal e deveria voltar dentro de dois dias.
Apesar de suas precárias condições financeiras, ela pagou por um ultra-som numa clínica particular. O exame revelou que o cordão umbilical tinha dado duas voltas no pescoço da criança.
Levou o laudo na consulta seguinte, às 9 horas do dia 27 de junho, sendo internada imediatamente.
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Em vez de efetuarem logo uma cesárea, deram-lhe medicamentos para induzir o parto normal, que acabou ocorrendo somente às 23h20.
Cristina teve então hemorragia e não havia médico capacitado para dar-lhe o atendimento correto. Os jovens residentes tiveram de chamar “um especialista”.
Quando este finalmente chegou, não havia vaga para Cristina na UTI.
Quarenta minutos depois (!), levaram-na a uma sala de observação (!!), na qual não havia equipamento nenhum. E foi lá que ela morreu, seis horas depois do parto.
Parte desse tempo foi desperdiçada com a repetição de exames de sangue que a paciente já fizera no mesmo hospital – como se, no momento da emergência, não houvesse a certeza de que o tipo sanguíneo dela fosse aquele que constava da sua ficha.
Segundo o viúvo Márcio Ferreira da Costa, a primogênita já nascera por meio de cesariana, “o que mostra que já não era muito aconselhável fazer o parto normal desta vez”. E acrescentou:
– Ela não tinha nada de dilatação. Minha mulher tinha a cintura muito fina e o neném nasceu com quase 4 quilos. Chegando na parte do ombro, o bebê travou e ficou cerca de 5 minutos sem respirar. Ao nascer, nem chorou, foi direto para os aparelhos.
O hospital registrou a morte como “natural” no 56° Distrito Policial – Vila Alpina.
O resgate (oportuno e justificado) de Ingrid Betancourt mobilizou três governos e foi assunto da semana na grande imprensa paulista.
A morte (desnecessária e inaceitável) de Cristina dos Santos Cavalcante não comoveu governo nenhum nem interessou à grande imprensa paulista.
Eu só soube dela graças a um valoroso jornal de bairro (a Folha de Vila Prudente) e a um repórter (Rafael Gonçalo) ainda dotado do senso de Justiça que deveria ser inerente à nossa profissão.
E só posso fazer o que estou fazendo: compartilhar minha indignação com os leitores, na esperança de que pelo menos alguns percam uns minutinhos enviando e-mails às autoridades, à imprensa e aos amigos.
Depende de nós fazermos com que Cristina dos Santos Cavalcante não tenha morrido em vão, como tantas outras Cristinas de nosso povo sofrido e injustiçado.
Artigo publicado em 11/07/2008. Última atualização em 12/08/2008.
* Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005). Mais dele em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.
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