Rodrigo Marques de Abreu Júdice *
A modificação nos critérios de distribuição dos royalties de petróleo aprovada pelo Congresso Nacional causará mais problemas do que soluções. Principalmente se o veto parcial aposto à matéria pela Presidência da República vier a ser derrubado pela maioria que se formou no Parlamento.
Ao contrário do que comumente se afirma no meio político, a nova sistemática de distribuição desses recursos, tal como projetada pelo Poder Legislativo, não é igualitária, ou isonômica. E isso porque, às claras, os estados e municípios impactados pela exploração petrolífera (comumente designados como estados e municípios produtores) não se encontram na mesma situação, frente à exploração do petróleo e do gás, que os estados e municípios não impactados (comumente designados como estados e municípios não produtores). Somente os primeiros sofrem reflexos dessa atividade econômica, inclusive das extrações realizadas em áreas de produção marítima, porque podem encontrar óleo em suas praias, com sérios prejuízos ao turismo, e porque esse óleo também pode causar danos à fauna marinha, com reflexos evidentes sobre a atividade pesqueira.
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Além disso, os estados e municípios impactados suportam, sem qualquer auxílio financeiro dos estados e municípios não impactados, os naturais reflexos dessa atividade produtiva de grande porte sobre o ambiente local. Em especial, porque precisam realizar os investimentos em infraestrutura que permitirão atender à indústria petrolífera e porque necessitam realizar gastos imprescindíveis à preservação do modo de vida das suas respectivas populações – por exemplo, a reestruturação do ambiente urbano, o treinamento da mão de obra local para integrá-la à indústria petrolífera etc.
Essas são, por óbvio, espécies de despesas extraordinárias, que por isso devem ser suportadas com receitas decorrentes da arrecadação de royalties. Afinal, como é de conhecimento geral, a Constituição veda aos estados chamados produtores a tributação pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das operações de saída de petróleo e derivados. Na prática, essas unidades federadas apenas tributam operações com petróleo relativas ao seu consumo interno, não auferindo assim nenhum diferencial de arrecadação tributária pelo fato de a indústria petrolífera ter plantas instaladas em seus respectivos territórios.
“Não é preciso ser especialista para perceber que as perdas levarão ao colapso as contas dos estados e municípios impactados pela indústria petrolífera”
A despeito disso, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei que impõe aos estados e municípios impactados, até o ano de 2020, perda de receita correspondente a 60% dos royalties recebidos atualmente. Com efeito, pela regra aprovada no Parlamento, os “fundos especiais” constituídos para a distribuição de royalties aos estados e municípios não impactados receberão maior proporção de recursos do que os estados e municípios impactados. Para se ter uma idéia da dimensão dos critérios de distribuição concebidos pelo Poder Legislativo, neste ano de 2013, os “fundos especiais” receberão 42% do total dos royalties arrecadados, enquanto que aos estados e municípios impactados serão destinados apenas 38%. Essa diferença se amplia consideravelmente até 2020, quando os “fundos especiais” ficarão com 54% dos royalties arrecadados, ao passo que aos estados e municípios impactados serão destinados apenas 26%. Ou seja: em 2020, os estados e municípios não impactados receberão mais do que o dobro dos royalties destinados aos estados e municípios impactados.
Não é preciso ser nenhum especialista para perceber que essas perdas financeiras levarão as contas públicas dos estados e municípios impactados ao colapso, o que por si só já é um problema sério. Todavia, seus reflexos não serão sentidos tão somente na atividade administrativa desenvolvida pelas unidades federadas prejudicadas. É que, na prática, a supressão de parte considerável dos royalties destinados à cobertura das receitas extraordinárias decorrentes da exploração petrolífera coloca os estados e municípios impactados diante da necessidade de escolher uma entre duas alternativas possíveis para a sua atuação frente ao problema.
Por um lado, essas unidades federadas podem deliberar pela utilização de suas receitas ordinárias, provenientes da arrecadação dos tributos atribuídos pela Constituição a todos os estados e municípios, para a cobertura das despesas extraordinárias decorrentes da exploração petrolífera. Mas, nessa hipótese, ter-se-á, em concreto, prejuízos ao atendimento das prestações básicas das suas respectivas populações (como educação, saúde, saneamento, segurança etc.), que são custeadas por essas receitas tributárias. Na melhor das hipóteses, os estados e municípios impactados terão menos recursos para empregar no atendimento dessas necessidades básicas do que os estados e municípios impactados (que auferem as mesmas receitas tributárias, mas não são obrigados a empregá-las no custeio de despesas extraordinárias provocadas pela exploração do petróleo).
Isso afeta a competitividade das unidades federadas impactadas – por exemplo, a supressão de investimentos em educação pode comprometer a qualidade da mão de obra local, inibindo a realização de investimentos econômicos capazes de induzir a arrecadação de novas receitas tributárias – e a qualidade de vida de seus cidadãos, que terão menos investimentos em saúde, saneamento, segurança, entre outras inversões capazes de melhorar as suas condições sociais.
“Vivemos episódio muito delicado para a federação. Neste exato momento, os atores políticos têm em suas mãos uma bomba prestes a explodir”
Assim, na face oposta, os governos desses estados e municípios impactados podem vir a se recusar a impor semelhante gravame às suas populações. Nesse caso, não seriam realizadas as obras de infraestrutura necessárias à operação da indústria (como, para exemplificar, a construção e manutenção de estradas). Essas unidades federadas também poderiam procurar utilizar-se de mecanismos administrativos para mitigar os reflexos da exploração petrolífera em seus respectivos territórios, por exemplo, negando pedidos de licenciamento ambiental para obras de apoio à exploração petrolífera, como a instalação de gasodutos.
Ademais, na medida em que perceberem que a supressão de recursos para investimentos em infraestrutura tornou-se prejudicial ao ambiente local (o que se ilustra, ainda exemplificativamente, pela circunstância de o cidadão comum ser obrigado a transitar nas estradas e ruas prejudicadas pelo tráfego intenso dos caminhões que transportam petróleo), esses estados e municípios podem vir a ingressar com ações judiciais com a finalidade de impedir a licitação de novas áreas para exploração de petróleo no país, invocando, quanto ao pormenor, os dispositivos constitucionais e legais que impõem ao poder público a promoção do desenvolvimento sustentável, que pressupõe a consideração não apenas dos resultados financeiros da exploração de recursos naturais, mas também dos custos ambientais e sociais do exercício dessa atividade econômica.
Muito embora tenha sido mantida a distribuição dos royalties em maior proporção a unidades federadas não impactadas pela exploração de petróleo, o que atende às aspirações da maioria parlamentar que se formou no Congresso Nacional, a oportuna intervenção da Presidência da República na questão, quando da aposição de veto parcial ao projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo, fez com que, na prática, os estados e municípios impactados tivessem perdas menores e não imediatas. Sob certa ótica, o veto presidencial à matéria representa um esforço político do governo federal para minimizar os prejuízos dos estados e municípios impactados, de modo que possa continuar contando com o seu apoio para a manutenção e, sobretudo, para o crescimento da atividade de exploração de petróleo no país.
Dessa forma, se o veto for mantido, a tendência é que os estados e municípios impactados se conduzam segundo a primeira das alternativas anteriormente expostas, vez que os seus prejuízos não são tão graves e, principalmente, não serão percebidos imediatamente. Entretanto, se o Congresso Nacional deliberar, nos próximos dias, pela derrubada do veto presidencial é previsível e perfeitamente sustentável sob a ótica interna dessas unidades federadas (que não podem se furtar à proteção dos interesses de suas respectivas populações) a adoção de uma série de medidas que, no limite, criarão embaraços à exploração petrolífera.
Além disso, não se pode desconsiderar que, com essa instabilidade jurídica e política, seguir-se-á inevitável apreensão aos investidores nacionais e internacionais em empregar os recursos necessários à viabilização do pré-sal.
Vivemos, assim, episódio muito delicado para a federação brasileira. Neste exato momento, os atores políticos têm em suas mãos uma bomba prestes a explodir. Cumpre-lhes, então, com humildade e sabedoria, decidir entre detonar essa bomba ou aderir aos esforços da Presidência da República para desarmá-la, mas sempre sem perder de vista que a explosão desse perigoso artefato bélico pode inviabilizar o sonho da nossa autossuficiência na produção de petróleo e gás.
* Rodrigo Marques de Abreu Júdice é o procurador-geral do Estado do Espírito Santo.
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