Eduardo Sciarra*
Em raro lampejo de bom senso e espírito público, uma parcela da bancada governista na Câmara dos Deputados resolveu apoiar requerimento da oposição para a retirada da “urgência constitucional” da tramitação do projeto de lei do chamado fundo soberano, de autoria do Poder Executivo, sob inspiração do Ministério da Fazenda. Espero que, com este importante apoio, a retirada de urgência venha a se concretizar.
Na verdade, o projeto do governo tem duas faces: de um lado, o Fundo Soberano Brasil (FSB) destina-se a emitir títulos para a compra da ‘sobra’ de dólares no mercado, integrando a dívida líquida do setor público e subordinando-se ao Tesouro Nacional, em vez do Banco Central; de outro, o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE) visa a reter o excesso de arrecadação tributária, reduzindo o superávit primário do governo federal e destinando esses recursos à aplicação em títulos e ações de empresas brasileiras que atuam no exterior, via operações offshore do BNDES.
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O governo alega que o FSB e o FFIE melhorarão a rentabilidade dos ativos públicos em moeda estrangeira no Brasil, financiarão projetos de expansão de empresas brasileiras no mercado internacional e sustentarão o dólar, evitando a excessiva valorização cambial e o seu impacto no agravamento do déficit em conta corrente do país.
Ora, se o Banco Central tem-se mostrado tão competente no desempenho de sua missão de guardião da moeda, esforçando-se até os limites da sua capacidade para amortecer a atual aceleração inflacionária, alimentada, em grande medida, pelo descontrole da gastança em todas as áreas do governo, por que então não deixar o BC cuidar também da acumulação de dólares mediante a emissão de títulos e assim melhorar a rentabilidade das reservas internacionais? Por que criar uma nova estrutura burocrática para o FSB?
Quanto ao FFIE, será que as (poucas) grandes multinacionais brasileiras precisam do apoio do governo, com subsídios oriundos do dinheiro do contribuinte, para se financiarem? De outra parte, se esse apoio estiver voltado prioritariamente a facilitar a vida de empresas brasileiras ora com dificuldades para emitir seus papéis lá fora, será justo jogar nossos impostos nessas empreitadas de alto risco?
Enfim, no lugar de um fundo soberano para comprar ativos pelo mundo afora, não será mais prudente aplicar essa montanha de dinheiro no abatimento da nossa gigantesca dívida pública?
Ademais, cumpre lembrar que, entre os 13 países administradores dos maiores fundos soberanos, seis exibem consistentes e duradouros superávits nominais e nas suas contas correntes, por serem grandes exportadores de petróleo, a exemplo de países árabes e da Noruega. (Aqui, até mesmo a propalada auto-suficiência petrolífera não resiste a um exame crítico mais acurado: a despeito da fanfarra publicitária do governo Lula, o país ainda arca com uma pesada conta superior a 4 bilhões de dólares anuais na importação de combustíveis: exportamos gasolina barata, mas importamos óleo diesel caro…)
Em face da retração que ora se verifica na atividade econômica mundial, da atual redução do superávit da balança comercial brasileira e da iminente ameaça de este se transformar em déficit, nós, Democratas, consideramos uma irresponsabilidade acelerar a apreciação do FSB/FFIE no Congresso. Por isso, é importante que se concretize a retirada de urgência da tramitação do projeto, para que o assunto seja avaliado com bom senso e seriedade.
Afinal, com dinheiro público não se brinca, embora o governo Lula adore fazê-lo.
* Eduardo Sciarra, engenheiro civil e empresário, é deputado federal (DEM-PR) e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infra-Estrutura Nacional.
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