Crédito: Fábio Nunes
Maria Elena Azevedo
No último dia 24, completaram-se quatro anos da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho (foto), 32 anos, assassinado com três tiros quando entrava em uma academia de ginástica em Itapoã, bairro de classe média alta da cidade de Vila Velha (ES). Alexandre integrava a missão especial federal que, desde julho de 2002, investigava as ações do crime organizado no estado. O fato chocou o país, e foi tema de várias reportagens em jornais de circulação nacional e nas grandes redes de TV.
Aquele barulho de então transformou-se hoje num grande silêncio. Para o governo do Espírito Santo, o assunto está resolvido, com a identificação dos pistoleiros e dos mandantes do crime: o juiz Antonio Leopoldo, o coronel da Polícia Militar (PM) Walter Gomes Ferreira e o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu. Na Polícia, na Justiça e no Ministério Público capixabas, não se ouvem vozes que questionem o relacionamento dos acusados com a morte de Alexandre.
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Mas, nessas três instituições, várias fontes apontam pontas desamarradas nessa história, seja em aspectos laterais à morte do juiz, seja em aspectos diretamente relacionados com ela. Em ambos os casos, o tema em questão é a força do crime organizado no Espírito Santo. No curso das investigações do assassinato, aparecem como alvos diretos de acusações, entre outras autoridades, o próprio governador do estado, Paulo Hartung (PMDB), e seu ex-vice, o atual deputado federal Lelo Coimbra (PMDB-ES). Por meio da sua assessoria, Hartung disse que “não há qualquer dúvida em relação a esse homicídio”. Lelo atribuiu o envolvimento do seu nome a armadilhas de adversários políticos.
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Sem endossar as acusações contra Hartung e Lelo, a organização não-governamental Justiça Global, especializada em direitos humanos e que já levou o tema da morte do juiz Alexandre à Organização das Nações Unidas (ONU), denunciando-o como atentado aos direitos humanos no Brasil, não está satisfeita com as investigações. Por isso, decidiu recorrer ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) para “cobrar o aprofundamento do caso”.
Por envolver muitos fatos e personagens, entender o “caso” em tela requer algum esforço. Mas vale a pena. Aí vai a história, capítulo por capítulo.
Capítulo primeiro: “Você vai morrer”
O juiz Alexandre foi morto exatamente 13 dias depois de ouvir um presidiário que denunciou o relacionamento entre altas autoridades do Espírito Santo e criminosos comuns, em ações ilícitas que envolviam o desvio de recursos públicos e a contratação de crimes de mando.
O preso, Wanderley da Silva Ferreira, o Thor do Império, ouvido no dia 11 de março de 2003 por Alexandre e mais dois integrantes da missão especial, citou o governador Paulo Hartung e seu vice, Lelo Coimbra, entre tais autoridades. Deu indicações de que desfrutava de relações próximas com Lelo e, sobretudo, seu irmão – José Coimbra, ex-vereador em Vitória. Chegou a citar os telefones que usava para se comunicar com Lelo, inclusive o celular do então vice-governador.
E chegou a associar a ação da quadrilha (que ele admitiu integrar) a irregularidades em contratos firmados na década de 1990, nas áreas de limpeza urbana e manutenção de galerias pluviais, pela Prefeitura de Vitória, no período em que Paulo Hartung administrou a cidade (1993 a 1996).
A empresa prestadora dos serviços era a Hidrobrasil, pertencente ao ex-PM Sebastião Pagotto, acusado pelo Ministério Público de mandar matar, em abril de 2002, o advogado Joaquim Marcelo Denadai, que denunciou fraudes em licitações da prefeitura em um contrato, no valor de R$ 4,9 milhões, para a limpeza de fossas e galerias. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, outra empresa de Pagotto, a Desentupidora Líder, recebeu R$ 3 milhões da prefeitura de outro município, Cariacica, para pagamento de serviços inexistentes ou sem a devida emissão de notas fiscais. No depoimento, Thor afirma que “Marcelo Denadai foi morto por estar descobrindo o envolvimento do Coimbra no sentido de acobertar o prefeito”.
A morte de Denadai deflagrou o pedido de intervenção federal no estado, aceito pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Junior, e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Pressionado por políticos capixabas, FHC voltou atrás. Reale Junior, que já havia sido autorizado a anunciar a intervenção, e o fez, sentiu-se desconsiderado e se demitiu, como fartamente noticiado à época. O governo federal substituiu a intervenção pela missão especial, que reuniria procuradores da República, policiais federais, juízes e promotores de alta qualificação técnica com o objetivo de investigar e reprimir o crime organizado no Espírito Santo.
O depoimento de Thor do Império vazou, aumentando o número de interessados diretos e indiretos na morte do magistrado.
Após ter conhecimento das denúncias de Thor, o subprocurador da República e então chefe da missão especial no Espírito Santo, José Roberto Santoro, fez uma advertência dramática aos dois juízes da Vara de Execuções Penais, Alexandre Martins Filho e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos (ambos integrantes da força-tarefa). Na frente de pelo menos três testemunhas ouvidas para esta reportagem, disse à dupla: “Reforcem a segurança. Um de vocês vai morrer”.
Capítulo segundo: o assassinato
Alexandre e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos já tinham denunciado, em 2001, o então titular da 5ª Vara de Execuções Penais, o juiz Antonio Leopoldo, por diversas irregularidades. Entre elas, a progressão de regime (de fechado para o semi-aberto) e a concessão de liberdade condicional a condenados por tráfico de drogas e pistoleiros sem que eles tivessem direito a tal; e decisões que contribuíram para facilitar fugas e saídas irregulares de detentos. As denúncias de Alexandre e Carlos Eduardo foram apresentadas ao Tribunal de Justiça nos dias 16 de outubro e 19 de novembro de 2001, e geraram a abertura de processo administrativo contra Antonio Leopoldo.
Alexandre, que no final de 2001 passou a responder, junto com Carlos Eduardo, pela 5ª Vara de Execuções Penais, passou a angariar antipatias no Judiciário estadual. Por duas razões: por dificultar o esquema articulado por Leopoldo na venda de sentenças nas varas criminais e cíveis de Vitória; e por acumular muitas informações a respeito da influência do crime organizado no Espíri
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