Pedro Cardoso da Costa*
De novo, uma manobra do Senado Federal reitera a cultura nacional de aplicar a lei conforme o interesse do momento. Em função dessa maneira fugaz de fazer política, o julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff foi fragmentado, para lhe tirar o mandato, mas preservar seus direitos políticos.
Reserve-se a interpretação da Constituição ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete dar a última palavra sobre a validade da fragmentação do julgamento e punição.
No deferimento do pedido de separação do julgamento, o presidente Ricardo Lewandowski considerou o que determinava o Regimento Interno do Senado. Aliás, esses regimentos internos, meras normas instrutivas de procedimentos internos, tornaram-se verdadeiras normas legais e têm trazido enormes prejuízos e confusão nos julgamentos Brasil afora.
Leia também
Subentende-se o que a Constituição Federal ficou em segundo plano. Ora, as normas Constitucionais penetram em qualquer ambiente. Costuma-se levar essa posição ao extremo nas convenções gerais de condomínios, nas quais as decisões são consideradas absolutas, sem obediência a nenhuma regra extramuros.
Além disso, a referência jurisprudencial deste impeachment foi definida pelo STF como sendo o do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Caso o entendimento da fragmentação seja mantido, a posição do STF também teria sido obedecida de forma fracionada. Como ele mesmo disse, naquele julgamento nem o ato unilateral da renúncia salvou seus direitos políticos.
Direitos não são dados ou retirados ao bel-prazer de órgãos ou de pessoas. São definidos previamente em normas legais. Fosse o contrário, não haveria necessidade de “direito positivado”. No caso em questão, a Carta Magna define a perda de mandato e a inabilitação para funções públicas por oito anos. Não se lê nenhuma condicionante “e, se, caso” o Senado queira.
Se não pretendiam tornar a presidenta inabilitada, que não lhe tivessem retirado o mandato. Simples assim. Agora, parece que retornaram ao tempo do poder absoluto dos reinados quando, se quisessem, inabilitava-se; se não quisessem, permaneceria habilitada.
No campo político, a incoerência é que os senadores apregoaram tanto a necessidade de melhorar o “modus operandi” de fazer política, mas, em cinco minutos, 19 deles – guardem bem os nomes – votaram pela cassação do mandato e depois adocicaram seu gesto com a manutenção dos direitos políticos.
No julgamento dos embargos infringentes relativos a uma das decisões do “mensalão” o STF tomou uma decisão para lá de polêmica. Espera-se não se repetir o entendimento do presidente da sessão de julgamento de que a Constituição Federal não entra onde a porta estiver fechada.
As feridas desse coice na Carta Magna precisam ser curadas rapidamente, e com isso restabelecer a certeza de que as regras precisam ser respeitadas, mesmo queimando o açúcar que alguns senadores pretendem armazenar para combater a amargura que se avizinha sobre a própria pele.
*Pedro Cardoso da Costa é bacharel em Direito.
Deixe um comentário