Mário Coelho e Sylvio Costa
Não bastasse a interminável polêmica jurídica sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, a Justiça eleitoral está às voltas com um outro vespeiro nestas eleições. Quer obrigar todos os partidos, em todos os estados, a cumprirem a exigência feita pela legislação de destinar no mínimo 30% das vagas de candidatos às mulheres.
A determinação consta da Lei nº 9.504, em vigor desde 1997, mas nunca foi cumprida pelas agremiações partidárias, que sempre contaram com a tolerância do Poder Judiciário. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, foi o porta-voz da nova orientação, informando que os tribunais regionais eleitorais (TREs) devem intimar os partidos a corrigirem as distorções entre o número de candidaturas de cada gênero.
Lewandowski fez a afirmação, em entrevista dada ontem (sexta, 13) em Belo Horizonte, após o plenário do TSE ter determinado – na véspera – que o diretório regional do PDT no Pará terá que ajustar a quantidade de seus candidatos homens e mulheres ao cargo de deputado estadual aos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70%, respectivamente.
Ao decidir sobre o caso específico da chapa pedetista à Assembleia Legislativa do Pará, o TSE acabou ampliando a determinação para os demais partidos. “Quando essa proporção não for observada, os processos são devolvidos ao TREs, que intimam os partidos para corrigir a falha. Na impossibilidade absoluta, os partidos deverão justificar e os TREs examinarão essa justificativa”, disse Lewandowski, após visitar o TRE mineiro. Para atingir o percentual mínimo de 30% de candidatos do sexo feminino, o PDT precisa tirar dois candidatos do sexo masculino ou acrescentar outras duas mulheres à lista.
PMDB e DEM prometem se adequar
O julgamento de quinta-feira (12) não teve decisão unânime. A maioria dos ministros entendeu que o recorte de candidatos deve ser feito pelos partidos, e não pelo TSE. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou para que o recurso apresentado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) não fosse aceito. Para ele, como os registros de candidatura não sofreram impugnação no tempo correto, a chapa não poderia ser modificada. “A meu ver, essas situações não podem ser alcançadas. Teríamos que afastar candidatos já registrados para que houvesse a adequação aos percentuais de gênero”, disse o ministro.
Segundo o Correio Braziliense, nenhum partido ou coligação conseguiu atingir o percentual mínimo de candidatas em nove das 27 unidades da federação. Conforme as contas do jornal, o déficit de candidatas em todo o país é de 537.
O vice-presidente nacional do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), e o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), informaram ao jornal que irão cumprir a orientação do TSE, ainda que seja necessário eliminar candidatos. “Vamos cumprir a lei, mesmo que para isso os diretórios tenham de retirar candidaturas”, disse Rodrigo Maia.
Até ontem, chegaram ao TSE 19 recursos contra a reserva de vagas. São ações questionando decisões dadas nos TREs do Amapá, Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.
Os números da sub-representação feminina
Há bastante tempo entidades engajadas na defesa dos direitos das mulheres reclamam o cumprimento da cota. Embora formem a maioria do eleitorado, as mulheres ocupam menos de 10% das cadeiras do Congresso, percentual muito inferior ao registrado em países da Europa e da América do Norte ou mesmo em nações vizinhas, como Argentina, e africanas, como Moçambique.
A reserva de vagas para candidatas foi introduzida na legislação brasileira em 1995 pela Lei 9.100. Chamada de Lei de Cotas, ela foi proposta pela então deputada federal Marta Suplicy (PT-SP) e previa uma cota de 20% para mulheres. A Lei 9.504 elevou a cota para 25%, para as eleições de 1998, e 30%, a partir das eleições seguintes.
Segundo o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), nas eleições deste ano, somente o estado do Mato Grosso do Sul alcançou mais de 30% – precisamente, 30,55% – de candidaturas femininas para o cargo de deputado federal. Mesmo assim, para o cargo de deputado/a estadual, a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.
Conforme o estudo do Cfemea, Santa Catarina e Rio de Janeiro, com 28,9% e 28,53%, respectivamente, foram os outros dois estados com maiores percentuais de candidatas para a Câmara dos Deputados. Santa Catarina também obteve a melhor colocação nas candidaturas femininas para as assembléias legislativas, com 30,85%. O Rio de Janeiro ficou em segundo lugar, com 28,26%.
Pernambuco (7,25%) e Goiás (10,49%) têm os piores índices de candidatas para a Câmara dos Deputados. Na disputa por vagas pelas assembléias legislativas, os piores percentuais são do Espírito Santo, Maranhão e Tocantins, todos com índices abaixo de 15%.
A situação não é muito melhor nos maiores colégios eleitorais do país, de acordo com o Cfemea. No maior deles, o estado de São Paulo , as mulheres ocupam apenas 21,01% das vagas para a Câmara dos Deputados e 19% para a Assembleia Legislativa. Em Minas Gerais, o segundo maior, os percentuais são, respectivamente, 15,21% e 14,84%.
A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para a Câmara quanto para as assembléias estaduais, 26,15% e 27,68%. A região Norte, os piores também para ambos os cargos: 17, 56% e 19,81%.
Conforme o estudo, realizado pela cientista política Fernanda Feitosa e pelo professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, “onde os TREs atuaram de forma mais rígida em relação ao cumprimento da lei, os partidos tiveram uma preocupação maior em apresentar suas listas em conformidade com o texto legal”.
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