Edson Sardinha |
Apesar de ter perdido a presidência da Câmara, o governo ainda controla a pauta da Casa. O volume de medidas provisórias empilhadas sobre a mesa do Plenário impede, até o momento, que os deputados analisem propostas de iniciativa do próprio Legislativo. Com isso, o tempo tem sido para o Planalto um aliado mais confiável do que muito parlamentar, na avaliação do analista político Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ao recorrer à obstrução, um expediente das oposições, os líderes governistas têm conseguido manter a pauta travada, ganhar prazo para negociar outros projetos que interessam ao governo e evitar derrotas anunciadas. Nesse cenário traçado por Queiroz, o presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE), tem sido um inusitado companheiro de última hora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Leia também “O Lula tem razão: o Severino é um aliado”, observa, ao ressaltar que os constrangimentos produzidos pelo atual presidente da Casa ao governo se restringem, até o momento, ao campo verbal. No mais acintoso deles, Lula desistiu de fazer a reforma ministerial, após ser pressionado publicamente por Severino a indicar o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) para o Ministério das Comunicações. O cientista político Octaciano Nogueira concorda em parte com o diagnóstico de Queiroz. No entendimento dele, Severino ainda não causou prejuízos ao governo, a paralisia no Congresso interessa ao Planalto, e o Executivo continua sendo o grande legislador do país. A divergência: para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), o governo Lula não tem, e nunca teve, uma agenda para o país. “As duas reformas feitas, a da Previdência e a do Judiciário, vieram ainda dos governos Itamar e FHC. Os únicos problemas trazidos por Severino são originados de destempero verbal. Não muda muita coisa. O que o governo aprovar ou deixar de aprovar no Congresso, na verdade, não vai fazer diferença para o país”, considera. Nas últimas semanas, ao imprimir um ritmo lento na votação das MPs, o governo ganhou tempo para negociar com a sua base os termos da parte da reforma tributária que trata da unificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A estratégia deve continuar, a julgar pelas palavras do ministro da Casa Civil, José Dirceu. “Parlamento é democracia; se não tem maioria, não vota. Mas daqui a pouquinho vai votar”, disse, na última sexta-feira, ao se referir à vitória de Severino como o principal erro do governo. Sem maioria nas duas Casas, o governo tem retardado, inclusive, o envio de projetos ao Congresso, como o que define o novo marco regulatório do setor de saneamento e o que reestabelece o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) dentro de um novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Enquanto isso, deixa em banho-maria proposições mais polêmicas, como a que redefine o papel das agências reguladoras, a PEC do Trabalho Escravo e as propostas de reforma política, sindical e universitária – essa, aliás, ainda nem chegou oficialmente à Câmara. No Senado, após um ano de intensas negociações com a oposição, o governo praticamente limpou a pauta em 2004. Lá, foi obrigado a ceder e a costurar acordos para a aprovação da nova Lei de Falências e dos projetos de Biossegurança e das Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Isso mostra que a oposição tem colaborado e não tem feito disputa em torno de política pública”, observa Antonio Augusto Queiroz. “A agenda do governo Lula é frívola e fútil. Ele está perdendo a grande chance de aprofundar as reformas estruturais no país. É muita incompetência”, critica o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). Aliada de Lula, a senadora Roseana Sarney (PFL-MA) é mais amena na observação: “Falta um pouco mais de entendimento entre os partidos e o governo para definirmos exatamente quais assuntos que devem ser votados”. O entendimento é compartilhado pelo deputado Nelson Pellegrino (BA), líder do PT na Câmara em 2003, e pelo ex-presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Maurício Rands (PT-PE). Na avaliação de ambos, o momento é de recomposição da base, mas isso não vai comprometer a agenda do governo. “O governo está fazendo a sua parte”, garante Pellegrino. Para Rands, as dificuldades enfrentadas pelo Executivo no Legislativo devem ser creditadas ao próprio sistema político do país. “O PT conquistou a presidência da República, mas fez apenas 90 deputados. Por isso, precisamos de uma reforma política que permita ao presidente eleito ter maioria e levar seu governo com coerência programática”, advoga o deputado, ao relacionar o financiamento público de campanha e o voto em lista partidária como fatores fundamentais para a mudança do quadro. Oposição faz mea-culpa Apesar dos desacertos do governo, a própria oposição entende que terá de trabalhar muito para evitar a reeleição do presidente Lula. “Ele ainda é favorito eleitoralmente. Ainda não temos uma força organizada”, reconhece o senador Arthur Virgílio. “A oposição tem sido muito incompetente. Não consegue adotar uma postura mais investigativa para mostrar os desmandos e as irregularidades cometidas pelo governo. Por isso, Lula ainda continua em alta”, admite o vice-líder do PFL na Câmara Pauderney Avelino (AM). “Mas o cenário vai ser contornado até 2006”, acredita o pefelista. (Colaborou Ricardo Ramos)
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