Eduardo Militão
O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou irregulares 31 contratos de repasse, que somam R$ 11 milhões, firmados entre o Ministério do Turismo e entidades sem fins lucrativos em 2005 e 2006, durante a gestão de Walfrido dos Mares Guia. A corte determinou que R$ 1,3 milhão sejam devolvidos pelas entidades e que o restante dos contratos seja cancelado pelo ministério. O TCU ainda quer explicações de Walfrido, o que tem potencial para lhe render uma multa de até R$ 32 mil.
O processo foi aberto a partir de uma reportagem exclusiva do Congresso em Foco, em 10 de maio do ano passado. Em sessão plenária na quarta-feira passada (25), os ministros decidiram encaminhar o acórdão ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, que havia pedido informações sobre o caso em julho de 2007. Assessoria do Ministério Público disse que ele não comentaria o motivo de seu interesse sobre o tema. Souza denunciou Walfrido no final do ano passado por envolvimento no chamado “mensalão mineiro”.
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OS CONTRATOS IRREGULARES COM ONGs
Fonte: Acórdão 1232/2008 do TCU
Entre 2003 e 2006, o Ministério do Turismo firmou 52 contratos de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos – denominação genérica para instituições como ONGs, sindicatos, igrejas, associações e fundações. Segundo a 5ª Secretaria de Controle Externo (Secex) do TCU, a maioria das liberações de dinheiro analisadas era irregular. Os 31 contratos considerados irregulares somam R$ 11,06 milhões ou, pelo menos, R$ 12,1 milhões em valores atualizados pelo IPCA.
Boa parte dos recursos foi usada para se construir obras dentro das sedes das entidades, o que é vedado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) desde 2005. Além disso, algumas ONGs receberam o dinheiro mesmo sem ter três anos de existência pelo menos.
Algumas entidades sequer tinham entre seus objetivos cuidar de temas afeitos ao Turismo, razão pela qual os recursos eram entregues pelo governo. A Fundação de Desenvolvimento Regional tinha um contrato de R$ 1 milhão para fazer saneamento básico na região do Parque de Ibitipoca,
Concentração mineira
Além das considerações dos técnicos, o ministro-relator do caso, Ubiratan Aguiar, identificou “outras irregularidades graves” no processo. O ministro destacou uma concentração de transferências de dinheiro para instituições localizadas
“Quase 30% dos repasses eram de interesse preponderantemente privado e seus objetos não tinham relação direta com o turismo”, diz o ministro. Desses contratos, 81% foram firmados com instituições de Minas.
Aguiar cita que 50% dos contratos foram fechados com entidades em municípios fora do Programa de Regionalização do Turismo. Trata-se de cidades que não são consideradas como de interesse turístico. Também nesses lugares, 75% concentram-se
Outra irregularidade grave relatada pelo ministro é que, no processo de celebração dos contratos, o Ministério do Turismo ignorou um parecer técnico conforme determinam as normas do órgão. Esse documento poderia evitar, por exemplo, o repasse de dinheiro fora dos objetos do Programa Nacional de Turismo.
Aguiar destaca que os sindicatos rurais e seus filiados foram beneficiados com obras de reforma e ampliação de suas sedes, mas o dinheiro deveria servir ao interesse da coletividade. “Verifica-se que o interesse primário atendido é o privado, do sindicato, e, conseqüentemente, dos seus sindicalizados”, observou o ministro.
Ao final da sessão do tribunal, Aguiar evitou comentar se a concentração de obras irregulares em Minas significava o uso eleitoral do dinheiro público em favor de Walfrido. “Agora vai se abrir o momento do contraditório. Ele vai ter que a oportunidade de trazer novos elementos, que não estão no processo”, disse o ministro ao Congresso em Foco.
O autor da representação, o subprocurador-geral do Ministério Público, Paulo Soares Bugarin, afirmou que não é possível fazer esse relacionamento por falta de provas. Ele afirmou que, como o processo será enviado ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, essa possibilidade poderá ser apurada.
Recuperação de valores
Por unanimidade, os ministros do TCU acompanharam o voto de Aguiar e determinaram que o Ministério do Turismo busque, em quatro meses, recuperar os R$ 1,37 milhão – R$ 1,52 milhão atualizados – gastos na execução de 11 contratos.
No caso das obras que não começaram, o tribunal mandou o ministério cancelar 20 acordos que somam R$ 9,68 milhões (R$ 10,63 milhões atualizados). O objetivo é evitar que as benfeitorias sejam feitas e o dinheiro, repassado.
A assessoria do Ministério do Turismo informou que o órgão vai esperar ser notificado pelo TCU para tomar “todas as providências para cumprir as determinações e orientações” dos ministros.
Explicações
O tribunal também determinou a realização de audiência com Walfrido, o ex-ministro do Turismo, “pela ocorrência, de forma generalizada, […] caracterizando ausência de supervisão hierárquica”. A 5ª Secex deverá ouvi-lo e tomar novos esclarecimentos de Maria Luísa Leal, ex-secretária de Programas de Desenvolvimento do Turismo do ministério, para que eles expliquem a concentração de repasses
A 5ª Secex recomendou que Maria Luísa e seu substituto no ministério, Frederico Silva da Costa, fossem multados, conforme a lei orgânica do TCU, que prevê punição de até R$ 32 mil para quem cometa atos “grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial”.
Mas o ministro Ubiratan Aguiar achou melhor ouvir Walfrido primeiro e Maria Luísa novamente antes de o TCU deliberar sobre a penalidade. O Congresso em Foco apurou que, caso as explicações do ex-ministro do Turismo e das Relações Institucionais não sejam satisfatórias, ele pode ser multado também. “Ele está sujeito a multa porque está sendo ouvido”, explicou uma fonte do tribunal.
Culpa da Caixa
Na sessão do TCU de quarta-feira (25), Maria Luísa disse à reportagem que não tinha compreendido o acórdão. Em uma sustentação oral, ela disse aos ministros do tribunal que não houve superfaturamento das obras.
“Todos os atos foram feitos conforme o interesse público”, afirmou Maria Luísa, que descartou responsabilidades em eventuais irregularidades. “As responsabilidades imputadas à minha pessoa eram da Caixa Econômica [agente do governo na celebração de contratos de repasse]”, justificou ela, antes da decisão do plenário.
Frederico Costa foi procurado por correio eletrônico, por telefone e pela assessoria de imprensa do Ministério do Turismo. Não houve resposta aos contatos e às perguntas da reportagem. Walfrido não deu retorno a nenhum dos recados deixados em sua empresa,
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