Quatro anos depois, a situação pode se repetir. Acionada pelo deputado Chico Alencar (Psol-RJ) em função de uma série de matérias produzidas por este site desde 11 de agosto sobre o uso no mínimo discutível da cota parlamentar, a Mesa Diretora da Câmara estuda restrições ao aluguel de veículos – fonte de pagamentos bastante curiosos feitos pela Casa a pedido dos deputados – e a adoção de mecanismos que permitam controlar com mais eficiência os gastos realizados através da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar, que atende oficialmente pela sigla Ceap, mas é mais conhecida pelo nome de cotão.
Paralelamente, o Tribunal de Contas da União (TCU) examina denúncia, por utilização irregular da cota, contra 20 parlamentares federais. Eles foram denunciados por um pequeno comerciante de Brasília, Lúcio Batista, um ativista de movimentos contra a corrupção que, numa bem-humorada referência aos seus 150 quilos de peso e 1,82 metro de altura, adotou o codinome de Lúcio Big no seu canal no YouTube.
Com a denúncia de Lúcio na mão, o Congresso em Foco foi a campo para aprofundar a investigação. Na maioria dos casos, confirmou e colheu novos elementos que demonstram que vários deputados federais e pelo menos um senador – Paulo Bauer (PSDB-SC) – vinham realizando despesas bastante esquisitas com o dinheiro dos contribuintes. Nem todas as acusações, porém, se confirmaram.
Lista completa dos parlamentares denunciados ao TCU
Vistos isoladamente, os gastos individuais feitos por cada parlamentar com o cotão podem parecer pequenos a alguns. Tomados em seu conjunto, representam muito dinheiro. Somente neste ano, a Câmara gastará mais de R$ 203,8 milhões com as despesas da cota parlamentar. Conforme o Ato da Mesa 43/2009, podem ser ressarcidos os gastos dos deputados com passagens aéreas, telefonia, serviços postais, manutenção de escritórios de apoio nos estados, assinatura de publicações, alimentação, hospedagem, locação de veículos automotores, combustíveis e lubrificantes, serviços de segurança, consultorias e trabalhos técnicos e divulgação da atividade parlamentar.
PublicidadeOs gastos do cotão, que foram reajustados no ultimo dia 27 de março, variam de estado para estado. Segundo a tabela fixada pelo Ato da Mesa nº 93/2013, os valores máximos mensais que cada deputado pode gastar ficam entre R$ 25.962,94 (para a bancada do Distrito Federal) e R$ 38.616,18 (Roraima), acrescidos de mais R$ 1.244,54 pagos a líderes e vice-líderes de partidos ou do governo e a presidentes e vice-presidentes de comissões permanentes. No Senado, os valores da cota são próximos, embora lá as as cotas permaneçam separadas em quatro grupos: transporte aéreo, verbas indenizatórias, gastos telefônicos e despesas postais.
Irregularidades
Na área de locação de veículos, à qual a Câmara dos Deputados destinou mais de R$ 31 milhões entre janeiro de 2012 e julho de 2013, como revelou o Congresso em Foco, os problemas incluem pagamentos vultosos (só o deputado Arnon Bezerra, do PTB cearense, gasta R$ 21,3 mil por mês com aluguel de veículos); a contratação de carros de luxo; a autorização de pagamentos sem nota fiscal; repasses em favor de firmas acusadas de serem fantasmas (deputado Zoinho, do PR-RJ); a contratação de empresas sem sede ou com sede fictícia, uma das quais se tornou uma das maiores fornecedoras da Câmara; ligações de família ou de vínculo empregatício entre as empresas contratadas e os parlamentares (caso do deputado Adrian Mussi, do PMDB do Rio); e uma impressionante preferência por firmas desconhecidas, cujos proprietários frequentemente se recusaram a prestar os esclarecimentos solicitados por nossa reportagem.
Há ainda gastos duvidosos com consultorias, sobretudo na área jurídica. Nesse caso, o exemplo mais eloquente vem do deputado Assis Carvalho (PT-PI). Ele e outros parlamentares a contratam sob o argumento de que são necessárias para auxiliá-los na preparação de projetos. É um argumento questionável por duas razões. A primeira é que tanto a Câmara quanto o Senado têm pessoal próprio concursado e altamente qualificado para auxiliar deputados e senadores nesse campo. A segunda é que os congressistas ainda têm direito a verba de gabinete para contratar, como secretários parlamentares, profissionais especializados e da sua confiança.
Por fim, há situações no estilo “batom na cueca”. Os deputados Manoel Salviano (PSD-CE) e Abelardo Camarinha (PSB-SP) destinaram recursos do cotão para empresas das quais são sócios. O parágrafo 13 do artigo 4º do Ato da Mesa 45/2009 estabelece expressamente: “Não se admitirá a utilização da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa ou entidade da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o deputado ou parente seu até o terceiro grau”.
Curiosamente, Salviano e Camarinha têm um gosto parecido em relação a automóveis. Ambos alugaram Mercedes com o dinheiro da Câmara dos Deputados.
Mudanças em estudo
Cabe ao próprio Parlamento e ao TCU verificar se, conforme prevê o artigo primeiro do Ato 43/2009 da Mesa da Câmara, os pagamentos feitos com o cotão têm se “destinado a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar”. Na prática, no entanto, esse controle jamais existiu.
Em ofício (veja aqui a íntegra) ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Chico Alencar propõe que: haja limite para o “valor a ser gasto com o aluguel de veículos, assim como foi estabelecido para o ressarcimento com despesas de combustíveis e lubrificantes”; seja criado um “cadastro de locadoras de veículos”, para reduzir custos e impedir abusos; se proíba o uso do cotão para alugar “veículos de luxo, o que contraria os princípios constitucionais da administração pública, entre eles o da moralidade e eficiência”; e sejam apurados os fatos relatados pelo Congresso em Foco.
Indagado sobre o assunto na semana passada pelos jornalistas, Henrique prometeu: “Vamos tornar mais rigorosa a fiscalização”. Não disse, contudo, como isso será feito. Segundo o jornal Correio Braziliense, a Mesa Diretora da Câmara vai tratar do assunto em reunião amanhã, com o objetivo de “definir mudanças moralizadoras”. O Congresso em Foco confirmou que a Casa está, de fato, discutindo mudanças, tendo como ponto de partida a proposta apresentada por Chico Alencar.
Já o TCU informa oficialmente que a denúncia protocolada por Lúcio Big “está em pré-análise” e que o tribunal ainda não abriu um processo de fiscalização para investigar o assunto.
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