O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, disse em em entrevista ao blog do jornalista Josias de Souza do jornal Folha de S.Paulo que o PT não tem como fugir de um debate interno sobre os desvirtuamentos que produziram crises como a do mensalão. “A base do partido quer saber quem tem responsabilidades políticas”, acredita.
"Genro é autor da matriz do texto que deu origem a uma proposta de novos rumos para o PT. O documento, segundo Genro, incorpora contribuições de cerca de 30 petistas. Embora o texto critique métodos do chamado “Campo Majoritário”, integrado por José Dirceu, Genro refuta a tese de que se trate de um embate pessoal," explica a matéria.
Leia a íntegra da entrevista:
"Qual é a origem do documento intitulado ‘Mensagem ao Partido’?
O texto inicial foi feito por mim. Mas vários outros companheiros estão interagindo com o documento. Estão dando sugestões, agregando parágrafos. Hoje, temos 12 páginas. É uma produção coletiva.
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Quem são os co-autores?
São mais ou menos 30 pessoas do partido, do país inteiro.
Qual é o objetivo do documento?
Nossa idéia é criar um novo espaço de diálogo no PT, que supere a dicotomia que preside as relações internas. Hoje, ou você é considerado uma pessoa da direita ou é da chamada esquerda do partido. Essa visão é equivocada. Não resolve as grandes questões partidárias e políticas que temos que enfrentar.
Enfrentar os fantasmas da crise ética iniciada em 2005?
Não chamaria de fantasmas. Mas não há dúvida de que temos de enfrentar os problemas políticos que ocorreram. É algo que deve ser tratado como fato histórico. A grande maioria de nossa base ainda não tem um juízo sobre o que aconteceu.
Refere-se ao caso do mensalão?
Refiro-me aos problemas todos, não só esse. A base não está informada sobre o que aconteceu. Não sabe que responsabilidades as pessoas tiveram, não conhece nem as suas justificativas. Os debates que passam pela imprensa são feitos no calor da hora. É necessário recuperar o que aconteceu. A base do PT quer saber quem tem responsabilidades políticas. Não estamos falando de responsabilidades penais.
Mas responsabilidades penais também devem ser vistas, não?
Essas são tratadas em outras instâncias. Mas as questões políticas nós vamos ter que analisar, sem fazer pré-julgamentos, mas com profundidade. Ganhamos um voto de confiança quando, no calor da crise, nossa base foi em massa à votação que renovou a direção partidária. Ganhamos outro voto de confiança na reeleição do presidente Lula. Não podemos simplesmente apagar a nossa memória. Temos que estudar profundamente tudo o que ocorreu, para sairmos mais fortes desse processo.
Revolver o passado reaviva feridas, não?
Não se trata, para nós que estamos numa fase de preparação para o congresso partidário [agendado para julho], de avaliar processos criminais. Trata-se de verificar métodos políticos, métodos de direção, relações partido-Estado. Não podemos deixar de fazer o debate sob a alegação de que isso está prejudicando o partido. Prejudica o partido é não debater, é obscurecer, é obstruir.
Parte do PT vê na “Mensagem ao Partido” um embate Tarso X José Dirceu. É isso?
Essa é uma caricatura, que se origina de um núcleo que receia o debate. É um reducionismo que prepara o discurso da vitimização, quem sabe para contornar o debate programático, ético e político que o documento propõe.
Quem quer fugir ao debate?
O documento não foi vazado por essas pessoas que o estão em elaborando. Tenta-se estabelecer um reducionismo, para, mais uma vez, obstruir o debate.
A tensão causada pelo texto não o preocupa?
Não nos impressiona. O debate vai ser importante para o PT. Em alguns momentos vai ser tenso. Mas é necessário, para que o partido saia, ao final, fortalecido.
O documento é contra o Campo Majoritário?
O texto vai ser assinado por pessoas que têm origem ou ainda são do Campo Majoritário. Será assinado também por intelectuais que estavam afastados da atividade partidária.
Marilena Chauí?
A Marilena, a Maria Vitória Benevides… O Paul Singer deu uma contribuição substancial na parte do texto que trata de política econômica. O documento não é do Tarso. Devo ter redigido 20% dele. É uma iniciativa coletiva.
Por que acha que se tenta reviver a disputa Tarso/Dirceu?
Quem está fazendo isso certamente tem vocação autoritária. Não é por meio de contenciosos pessoais que se resolvem os contenciosos políticos.
Ao anotar que há obstrução do debate no PT, o documento critica o Campo Majoritário, não?
É evidente que há uma obstrução. E há uma critica, sim, ao Campo Majoritário. Mas é uma crítica que se baseia em fundamentos teóricos. Um dos fundamentos é o fechamento permanente que o Campo Majoritário fazia, realizando reuniões anteriores ao diretório nacional e impondo decisões por simples maioria, esgotando os assuntos sem um debate profundo.
Essa obstrução continua sendo feita hoje?
Não creio que haja mais condições para que se reproduza esse comportamento, esse autoritarismo, essa tentativa de reduzir o debate a algumas pessoas ou a tática de simplesmente proceder vitimizações. Isso não vai mais obstruir o debate.
Não será necessário fulanizar a discussão, para retirar do armário questões como o mensalão e o caso do dossiê?
Esses problemas não devem ser abordados no campo das grandes questões teóricas e dos princípios. Questões que envolvam pessoas têm que ser tratadas pelas comissões de ética do partido. Se elas não funcionam, é algo que o congresso partidário pode tratar, como princípio. Mas não fazer o julgamento de pessoas, incriminando-as. E também não cabe fazer o endeusamento de determinadas pessoas.
Acha que estão tentando eudeusar o José Dirceu?
Não se trata de uma só pessoa. Trata-se de um método de fazer política. Personalizar o debate e não debater idéias é uma forma de endeusamento, que pode ser realizado a favor ou contra, certamente para obstruir os temas relevantes que temos que tratar.
O 3º Congresso de julho vai tratar da renovação da direção do PT?
É um tema do congresso. Essa renovação deve ser uma decorrência das posições teóricas e políticas vencedoras do encontro. Defendo que nós tenhamos um novo grupo dirigente, resultante de um acordo político de alto nível. Isso supõe uma direção mais plural, em que nenhuma corrente tenha hegemonia absoluta e que as posições centrais que o partido precisa recuperar sejam negociadas.
Quando começa o processo de escolha dos nomes?
Isso vai ter que ser determinado pelo congresso, que irá decidir se o partido vai antecipar em um ano o seu processo eleitoral interno. Creio que o congresso vai recomendar isso. Os problemas que passamos nesse período não tiram a legitimidade da direção eleita [presidida por Ricardo Berzoini]. Mas seguramente recomendam que passemos a um novo patamar, para superar hábitos que se entranharam na nossa vida partidária de maneira equivocada.
Seria um processo de oxigenação?
É um bom termo.
Passa pela incorporar dos vitoriosos de 2006 [o PT elegeu três governadores no Nordeste e dois no Norte]?
Seguramente a direção do PT tem que ser mais federalizada do que é hoje. Não é adequado que a vida política do PT fique cingida aos grandes debates que se travam em São Paulo. Creio que esse eixo que faz o partido selecionar os elementos mais fortes da direção a partir de lideranças de São Paulo deve ser superado.
O próximo presidente pode sair de fora de São Paulo?
Não seria nenhum espanto e, dependendo do nome, poderia até ser bom para o partido. Obviamente, não se deve cotejar o Estado de origem da pessoa, mas a sua qualidade política. E São Paulo também tem excelentes quadros.
O Campo Majoritário prepara um documento para se contrapor ao texto que o sr. ajudou a elaborar. O que acha?
Acho natural. Assim como estamos fazendo essa mensagem, que eventualmente pode evoluir para uma tese, as outras posições serão refletidas em documentos, que também serão debatidos. Isso é bom. Partidos se constroem dessa maneira.
Há no documento dos srs. a defesa do controle de capitais. Não é a antítese da linha adotada pelo governo Lula?
O documento fala de um certo controle do capital especulativo de curto prazo, uma medida pequena e muito restrita, ponderada. O que se tem que compreender é que as posições do PT não são obrigatórias para o presidente da República. São posições que o partido expõe nas suas relações políticas. E não há nenhum problema nisso. O partido não é uma extensão do governo e nem o governo está subordinado ao partido. As posições do PT podem ou não ser adotadas pelo governo e pelos demais partidos da coalizão. O PT precisa ter as suas posições sobre grandes questões.
O documento será divulgado?
Sim.
Quando?
Na próxima semana, provavelmente na quarta-feira."
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