“O frevo, que é pernambucano, ui, ui, ui, ui / Sofreu ao chegar na Bahia, ai, ai, ai, ai”, canta o baiano Morais Moreira na música “Vassourinha elétrica”, composta em 1980 (leia a letra completa abaixo). A canção, nascida de um baiano em ritmo de frevo, transformou-se numa espécie de hino a traduzir dois dos carnavais mais concorridos do país. Mas, por que o frevo teria sofrido ao chegar na Bahia?
O trio de Armandinho, Dodô e Osmar, o precursor e mais célebre dos trios elétricos, era musical e essencialmente democrático. Afinal, atrás do trio elétrico, frevando ou suingando, quem não haveria de ir? Só quem já morreu. Essencialmente baiano, o trio original, sem querer, acabou por marcar o início de uma espécie de vendeta de família que, se serviu para apimentar uma rivalidade saudável, elegeu os dois maiores carnavais do país: Pernambuco versus Bahia.
Vale aprofundar a questão: quem mandou a Bahia fazer o frevo sofrer, como há 30 anos observou o cabeludo amalucado com seu “pau elétrico”, como eram chamadas as guitarras baianas?
O calor do verão nordestino, potencializado pelo fervor da cultura e pelo sangue folião brazuca, certamente não combina com terno e gravata. Mas quem disse que nossos excelentíssimos parlamentares não caem na folia? E, mais do que isso, quem disse que alguns “bairristas” deixam de defender suas pátrias carnavalescas? As preferências são explicitadas no mais fiel espírito de troça.
“O carnaval daqui tem mais autenticidade”, disse o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), ex-governador de Pernambuco apaixonado pelo frevo e pelas ladeiras íngremes de Olinda. “Na Bahia tem muito trio, e isso deformou muito o carnaval. Olinda é incomparável, porque não tem trio elétrico”, disse o peemedebista, fazendo questão de frisar que não é contra os trios elétricos.
Carnaval S.A.
Do outro lado, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) ressalta que a tradição e a força do carnaval na Bahia extrapolaram há muito as fronteiras do estado. Exportando sua maneira de fazer a folia, os baianos promovem carnavais fora de época o ano inteiro em dezenas de cidades do país e até do exterior.
“O jeito baiano de fazer carnaval é estudado no mundo inteiro. Se você chega a Nova York, tem carnaval inspirado no da Bahia. Se você vai à Alemanha, tem carnaval como na Bahia”, explica o deputado, para quem o carnaval de Salvador é o mais “aberto e democrático” do país. Afinal, quem não está pulando nos blocos, brinca na pipoca (como é chamado o espaço fora dos cordões de isolamento).
“A Bahia é um caso único. Formou um ambiente criativo e musical que tem no carnaval o seu apogeu de renovação. Não dá para ficar indiferente. Para ficar indiferente, você tem de sair de lá”, explica Aleluia.
A majestade do carnaval baiano é reverenciada até mesmo por quem não é da praia do axé music. “Eu sou forrozeiro, na realidade, e tenho pouca ligação com a música do axé. Mas não deixo de ser um admirador, contradizendo o que dizem alguns companheiros da música, como Lobão e outros. Não é bem por ali Lobão, acho que você radicalizou demais… Tudo existe exceção e temos boas exceções da Bahia”, afirma o deputado Edigar Mão Branca (PV-BA), em referência ao episódio recente em que o cantor Lobão criticou a cantora baiana Ivete Sangalo.
No entanto, a força da indústria do carnaval baiano é criticada por Jarbas Vasconcelos. “Mas parece uma coisa muito artificial, programada, com muita produção. O carnaval de Olinda é espontâneo, de blocos. A brincadeira na rua é irreverente”, defende o senador.
Jarbas classifica o bloco “Quanta Ladeira” como o mais bacana do carnaval de Pernambuco. Ele conta que, como político, já foi retratado em adereços do bloco. Mas de maneira positiva, lembra. “É um bloco que faz irreverência sobre personalidades, políticos. Eu não escapava, não. Eles botam pra quebrar.”
Presença certa nos principais bailes do estado, Jarbas é um dos mais entusiasmados políticos pernambucanos. “Vou às prévias, em Recife e Olinda, todos os anos”, destaca, lembrando que outro aspecto vantajoso do carnaval pernambucano é a democracia.
“Todos brincam do mesmo jeito, não tem limitação”, declara, explicando que o Galo da Madrugada, maior bloco carnavalesco do mundo (média de 2 milhões de foliões reunidos no centro de Recife), faz tanto sucesso porque não tem trio elétrico. “O trio elétrico é uma descaracterização do carnaval”, critica o pernambucano.
Vassourinha elétrica
Morais Moreira
Varre, varre, varre Vassourinhas
Varreu um dia as ruas da Bahia
Frevo, chuva de frevo e sombrinhas
Metais, em brasa, brasa, brasa que ardia
Varre, varre, varre Vassourinhas
Varreu um dia as ruas da Bahia
Abriu alas e caminhos pra depois passar
O trio de Armandinho, Dodô e Osmar…
E o frevo que é pernambucano, ui, ui, ui, ui
Sofreu ao chegar na Bahia, ai, ai, ai, ai
Um toque, um sotaque baiano, ui, ui, ui, ui
Pintou uma nova energia, ai, ai, ai, ai
Desde o tempo da velha fubica, ah, ah, ah, ah…
Parado é que ninguém mais fica
É o frevo, é o trio, é o povo
É o povo, é o frevo, é o trio
Sempre juntos fazendo o mais novo
Carnaval do Brasil
Deixe um comentário