Único senador do PT a assinar o requerimento que deu origem à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, Eduardo Suplicy (SP) está convencido de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não disse tudo o que sabe sobre os fatos que resultaram na maior crise política de seu governo. Dono de uma das biografias mais respeitadas de um Congresso cada vez mais enlameado, Suplicy sugere a Lula que conte toda a verdade para reverter o atual cenário político. “Buscar a verdade e ajudar a desvendá-la é sempre a melhor atitude.”
Depois de contrariar em maio uma decisão da bancada – ao se posicionar a favor da instalação da CPI – Suplicy voltou a surpreender o Planalto esta semana, ao propor aquilo que nem mesmo a oposição havia ousado: que Lula compareça espontaneamente ao Congresso para dar explicações aos parlamentares. “Isso contribuiria muito para desanuviar o ambiente e as tensões que estão ocorrendo. O presidente seria muito respeitado por esse procedimento”, afirmou.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco , Suplicy evita críticas diretas a Lula, mas diz que o presidente ainda precisa esclarecer em que momento soube das irregularidades cometidas por membros do PT, além de informar que providência tomou na ocasião e o nome dos companheiros que o teriam traído.
“Desde que se iniciaram as apurações desses episódios, o presidente já teve a oportunidade de dialogar com muitas pessoas do partido, inclusive ministros e ex-ministros, e certamente tem um conhecimento muito elevado dos fatos”, diz. Depende essencialmente de Lula, segundo ele, o futuro do partido que há 25 anos ajudou a fundar: “Não existe o PT sem o presidente Lula e vice-versa”.
Em seu segundo mandato consecutivo no Senado, Suplicy identifica na relação “pouco saudável” entre o governo Lula e o Congresso – baseada, segundo ele, na troca de cargos e na liberação de verbas por apoio – o fio da meada da atual crise política. Ele cobra do presidente um novo tipo de relacionamento com os parlamentares. “Que (Lula) possa transmitir aos deputados federais e senadores que cada um deve votar de acordo com a sua consciência e a defesa do interesse público.”
O desafeto de Jefferson
Com o tradicional estilo sereno com que pontua cada frase, Suplicy conseguiu a proeza de tirar do sério o sempre seguro deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), durante depoimento do presidente licenciado do PTB na CPI do Mensalão. Depois de encaminhar à mesa da comissão cópia de uma reportagem que cita um suposto encontro entre o petebista e Maurício Marinho, funcionário dos Correios acusado de corrupção, o petista foi surpreendido com o gesto do depoente, que rasgou o papel e arremessou os pedaços na cesta de lixo.
Repreendido pelo presidente da CPI e visivelmente irritado, o deputado se dirigiu ao senador: “À Vossa Excelência tudo se perdoa”. “A marca mais dura que tenho no meu coração, Vossa Excelência fez”, disse, lembrando que Suplicy o acusou de “corrupto” por defender o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Jefferson, pelo menos, não o perdoou.
“Há uma vontade muito grande da parte da população e do Congresso Nacional de que ele (Lula) possa dizer mais”
Congresso em Foco – Que medida fundamental o presidente Lula deixou de tomar, até agora, para conter a crise?
Eduardo Suplicy – Tem sido muito importante a disposição dele de incentivar a apuração mais completa dos fatos, inclusive pelos órgãos do próprio Executivo, como a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e a Controladoria-Geral da União, apoiando os trabalhos do Ministério Público e das comissões parlamentares de inquérito que estão se desenvolvendo no Congresso Nacional. Na sexta-feira passada, Lula pediu desculpas à nação, mostrou-se indignado com os episódios, disse que se sentia traído e manifestou apoio à apuração completa dos fatos. Mas o que notei é que há uma vontade muito grande da parte da população e do Congresso Nacional de que ele possa dizer mais. É por essa razão que eu escrevi uma carta ao presidente (enviada por e-mail na sexta-feira 11), sugerindo que ele tome a iniciativa inédita de comparecer ao Congresso espontaneamente.
Como seria essa conversa? Ele poderia conversar previamente com Renan Calheiros, presidente do Senado, e com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para propor como o andamento desse diálogo. Como seria impossível dar a palavra a todos, poderiam combinar de reunir os líderes para que cada um pudesse expressar os seus sentimentos e fazer alguma indagação a Lula. Isso contribuiria muito para desanuviar o ambiente e as tensões que estão ocorrendo. O presidente seria muito respeitado por esse procedimento. No regime presidencialista isso não é comum, mas nada impede que ele tome a iniciativa de fazer uma visita ao Congresso e tenha esse diálogo, que, na minha avaliação, seria muito construtivo.
“O presidente já teve a oportunidade de dialogar com muitas pessoas do partido, inclusive ministros e ex-ministros, e certamente tem um conhecimento muito elevado dos fatos”
O que falta ao presidente, na sua opinião, esclarecer? Desde que se iniciaram as apurações desses episódios, o presidente já teve a oportunidade de dialogar com muitas pessoas do partido, inclusive ministros e ex-ministros, e certamente tem um conhecimento muito elevado dos fatos. Acho que seria muito positivo que ele pudesse tomar essa iniciativa.
Que perguntas o senhor tem a fazer a Lula, por exemplo? Quando, por exemplo, ele veio saber dos procedimentos de pagamentos indevidos aos parlamentares. São tantas as questões sobre cada um dos episódios…
Como amigo, que conselho o senhor tem a dar ao presidente? Que buscar a verdade e ajudar a desvendá-la é sempre a melhor atitude. Foi buscando incansavelmente a verdade que os grandes cientistas da humanidade conseguiram progressos notáveis, a exemplo de Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Charles Darwin, Albert Einstein e tantos outros.
“É uma pergunta a se fazer: quem é que teria agido de maneira a quebrar a relação de confiança com o presidente?”
Há uma semana o presidente falou em traição, mas não deu nomes dos traidores. É natural que a população brasileira queira saber por que o presidente assim se expressou. É uma pergunta a se fazer: quem é que teria agido de maneira a quebrar a relação de confiança com o presidente?
Ao dizer isso, o presidente não se eximiu e jogou toda a responsabilidade pela crise para o PT? Pela proximidade dele com a cúpula do partido e o ex-ministro José Dirceu, não é pouco provável que ele não tivesse informações do que se passava? Nós temos hoje a convicção de que o presidente presentemente já conhece muito mais o que aconteceu. É responsabilidade de sua assessoria dizer ao presidente. Não há dúvida de que ele terá meio de colaborar com o Congresso e a nação brasileira para desvendar a verdade.
O governador de Goiás, Marconi Perillo, e o deputado Roberto Jefferson sustentam que alertaram o presidente da prática de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada. O presidente Lula foi ingênuo ou omisso diante dessa denúncia? Segundo o deputado Roberto Jefferson, o presidente ficou altamente preocupado e indignado e tomou providência para que os fatos não se repetissem. Mas é o presidente quem poderá contar melhor o que aconteceu.
Na avaliação do senhor, qual foi o pecado original que detonou toda essa crise política? Foi na costura da aliança da campanha eleitoral, na composição da base ou no próprio centralismo do PT? Houve, da parte de algumas pessoas responsáveis pela coordenação da relação do Executivo com o Congresso, uma forma de proceder que não foi a mais saudável. Minha sugestão ao presidente é que ele venha estabelecer uma nova relação com o Congresso, que possa transmitir aos deputados federais e senadores que cada um deve votar de acordo com a sua consciência e a defesa do interesse público. Não pode ocorrer de um parlamentar dizer que só vota nas proposições de interesse do governo desde que sejam atendidas tais reivindicações ou que determinadas pessoas sejam designadas para a administração do governo ou, ainda, em função da liberação de verbas para as suas respectivas emendas.
A falta de experiência administrativa do presidente Lula prejudicou o governo, inclusive no que diz respeito ao relacionamento com o Congresso? Em todas as atividades, nós aprendemos. O presidente é uma pessoa que tem uma capacidade excepcional de aprender muito rapidamente. Demonstrou isso ao longo de sua vida. Espero colaborar para que ele possa superar esses obstáculos e consiga se fortalecer mesmo frente a essa crise.
O presidente Lula repetiu os mesmos erros de seus antecessores na relação com o Congresso, ou seja, com a prática do fisiologismo e de cooptação de parlamentares para a sua base? Como ele poderia ter estabelecido outra relação com o parlamento? Na CPI da Compra de Votos também vamos averiguar em que medida ocorreram problemas na relação do Executivo com o Congresso no governo Fernando Henrique Cardoso. Há indícios de que, em 1997, para persuadir três quintos do Congresso a votarem pelo direito à reeleição houve pressão enorme e eventuais benesses a parlamentares de maneira indevida.
Mas o centralismo que caracteriza a gestão do PT não tem responsabilidade nessa crise? Não está havendo, por exemplo, condescendência com os petistas envolvidos nas denúncias agora? Os procedimentos de julgamento e punição das pessoas do PT eventualmente envolvidas nas denúncias requerem que haja a devida oitiva no Conselho de Ética e o direito de defesa delas. Comprovando-se que elas cometeram falhas graves, a responsabilização será imediatamente efetivada.
O senador Aloizio Mercadante tem dito que não reconhece mais o PT. O senhor ainda identifica no atual PT o partido que ajudou a fundar? Quando formamos uma organização constituída de seres humanos, sabemos que eles podem cometer erros, alguns mais leves, outros graves. Precisamos ter a responsabilidade de procurar corrigir esses erros. Claro que eles foram muito graves e atingiram, sobremodo, o nosso partido, que tinha na defesa da democracia, da ética e da realização da justiça os três principais pilares. Quando um deles, a questão ética, é tão atingido, isso nos machuca muito. Mas me sinto na responsabilidade, diante do PT, de colaborar ao máximo para a correção desses erros. Por isso, não considero sair do partido.
Que caminho o PT vai ter que trilhar agora? Vai depender muito de como nós vamos corrigir os erros e enfrentá-los. A minha sugestão ao presidente para que ele venha aqui e colabore para desvendar a verdade tem muito a ver com a preocupação de transmitir a Lula que depende muito da atitude dele – de colaborar para que a verdade venha a tona para – que o PT possa dar a volta por cima. É muito importante o que ele vai fazer.
Para o senhor, o presidente Lula deveria desistir da reeleição? Isso vai depender muito da apuração completa dos fatos. Teremos um quadro melhor para avaliar isso só um pouco mais adiante.
“Não existe o PT sem o presidente Lula e vice-versa”
O PT sobrevive sem Lula? Lula sobrevive sem o PT? O presidente Lula é a liderança mais importante da história do partido desde sua fundação. Tudo o que ocorrer com ele estará relacionado ao Partido dos Trabalhadores. É um fato da história. Não existe o PT sem o presidente Lula e vice-versa.
O governo Lula fracassou no social? O presidente Lula vem desenvolvendo o programa Fome Zero, cujo principal instrumento é o Bolsa-Família. Segundo a lei que institui a bolsa, toda família com renda per capita até R$ 100 por mês tem direito ao benefício. Em outubro de 2003, havia 2,3 milhões de famílias inscritas. Hoje são 7,5 milhões de famílias beneficiadas. Até meados de 2006 serão 11,2 milhões de famílias cadastradas no Bolsa-Família. O programa é visto pelo governo como um passo na direção da renda básica de cidadania, que será o direito de toda e qualquer pessoa de receber uma renda, na medida do possível, para cobrir suas necessidades vitais. Esse será um instrumento consistente com maior competitividade da economia. Poderá ser instituído até 2010. Qual é a racionalidade da renda básica da cidadania? Pagar até pra quem não precisa? Sim, mas obviamente essas pessoas irão contribuir para que elas próprias e os demais brasileiros venham a receber. Quais as vantagens? Eliminarmos a burocracia envolvida. Para isso, temos de saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal e eliminar o sentimento de vergonha de ter de dizer que só recebe tanto por mês. Isso vai aumentar sobremodo o grau de liberdade de cada um, inclusive aqueles que se vêem sujeitos a iniciarem uma atividade que possa ser prejudicial à pessoa, ou em condições de semi-escravidão. Uma pessoa com renda básica poderá dizer que prefere outra atividade a uma que não seja propícia ao desenvolvimento dela.
Mas a política econômica do atual governo, baseada em alta carga tributária e juros elevados, não prejudicou a área social, da qual tanto se esperava do PT? Tenho a convicção de que o governo pode – já que os fundamentos da economia são muito positivos – caminhar no sentido de diminuir a taxa de juros, aumentar os investimentos e a capacidade produtiva, de forma compatível com maior oferta de empregos e distribuição de renda.
|
Deixe um comentário