Tarciso Nascimento
Nas últimas duas décadas e meia, o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, 65 anos, atuou em governos das mais diversas cores políticas. Convidado pelo ministro Hélio Beltrão, foi consultor jurídico (1979 a 1982) e coordenador (1983 a 1985) do Programa Nacional de Desburocratização. Nos governos Fernando Henrique e Lula, foi membro do Conselho de Reforma do Estado (1996-1998) e presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (1999-2004). Também integrou diversas comissões importantes, criadas para tratar de temas como reforma administrativa, reforma do Judiciário, desburocratização e regulação.
Essa vivência levou o advogado a consolidar uma visão bastante crítica sobre o Estado brasileiro. Usufruindo da liberdade proporcionada pelo cargo de presidente do Instituto Hélio Beltrão, organização não-governamental que promove estudos e apóia iniciativas que contribuam para a maior eficiência e agilidade da administração pública, ele fala que os prejuízos que o Brasil acumula nessa área ultrapassaram o campo econômico e hoje colocam em xeque a própria democracia. "As pessoas querem ser tratadas como cidadãs e não como súditas do governo. Em busca do superávit fiscal, nós estamos produzindo um enorme déficit democrático".
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Para Piquet Carneiro, a obsessão do Estado brasileiro com o equilíbrio fiscal transformou-se numa verdadeira paranóia. Ressaltando que o país deixa de ganhar muito dinheiro por causa da tributação excessiva, é cético quando o assunto é uma nova reforma tributária. "Já trabalhei em duas comissões de reforma. Todas elas resultaram em aumento de impostos", justifica.
Ele sustenta que o sistema tributário ideal deveria levar em conta as diferenças regionais e a extensão geográfica do país. "No Brasil, tentar fazer uma tributação totalmente federalizada, repassando renda para estados e municípios é um desafio à inteligência humana, à tecnologia tributária", afirma. Ele responsabiliza tanto o Executivo quanto o Congresso por essa situação.
Inimigo da burocracia, acredita que ela é "um atentado ao direito do cidadão de ter um bom serviço e de ser tratado com dignidade". Piquet Carneiro defende com vigor a retomada do programa de desburocratização. Mas, desgostoso, vê o governo caminhar na direção contrária: "Lamentavelmente, o país está se tornando o paraíso da burocracia. Perde para quatro ou cinco países africanos, bem mais atrasados do que nós".
Ouvir (ou ler) o presidente do Instituto Hélio Beltrão, que também tem pós-graduação em Direito Comparado pela New York University e já foi professor da PUC-RJ e da Fundação Getúlio Vargas, é como assistir a uma aula de administração pública e de Brasil. Veja o que ele disse ao Congresso em Foco.
Quais foram os avanços conquistados no campo da desburocratização desde que o senhor esteve à frente do programa nacional para essa área?
As coisas mais visíveis que ficaram foram os juizados de pequenas causas, uma proposta nossa de 1984 e que depois foram transformados em juizados especiais, e o Estatuto da Microempresa, que é hoje objeto de mais uma renovação legislativa para a pequena e média empresa. Esses são os mais visíveis. Aqueles que viveram naquela época lembrarão de umas centenas de iniciativas que tomamos em três áreas distintas: do interesse do cidadão, das empresas e na área administrativa. Na área da empresa, naquela época, todos os atos de criação ou alteração de uma empresa, por menores que fossem, tinham que ser atos cartoriais, aprovados por colegiado. Transformamos isso numa decisão individual e conseguimos que o tempo de registro de uma empresa caísse para 72 horas no máximo. Havia lugares, como Brasília, em que o registro na Junta entrava de manhã cedo e saia à tarde. Também fizemos a junção do registro do comércio com a Receita Federal para tirar o CNPJ, que então era o CGC, e mais a inscrição na Previdência de uma vez só. A empresa requeria e no dia seguinte saia já com três registros. Foi um progresso extraordinário. Na administração interna, fez-se muita coisa. A eliminação de um novo documento da Previdência, que era uma declaração semestral, suprimiu naquela época, 1983, uma circulação de 40 milhões de papéis. Houve substancial redução de documentos nessa época. E eles foram substituídos por declarações que as pessoas davam por escrito sob as penas da lei. Isso perdeu muita energia ao longo desses anos. Na verdade, desde 1986, quando foi extinto o Ministério da Desburocratização e fundido com o Ministério da Administração. Era o segundo ano do governo Sarney. Hoje desapareceu qualquer iniciativa nova de desburocratização. Não tem um programa específico voltado para isso.
Houve retrocesso?
Regrediu muito, porque nós desenvolvemos ao longo dos últimos 15 anos, principalmente, uma verdadeira paranóia fiscal. A obsessão com o equilíbrio fiscal colidiu com a decadência dos meios de fiscalização. Os meios de fiscalização ficaram muito precários por falta de recursos de fiscalização externa. Tudo virou fiscalização indireta, com os chamados controles cruzados. Isso é o seguinte: você quer comprar uma casa, vai ter que produzir "n" certidões, senão você não é liberado. Tem que tirar certidão na Justiça, regularizar o seu CPF e assim por diante. O que muitas vezes não corresponde à realidade. Muitas vezes a pessoa está em débito. O pequeno empresário em débito fica praticamente excluído da atividade econômica. Ele nunca mais vai conseguir se recuperar. O CNPJ dele vai ser congelado. Ele não pode usar uma nova sede, não pode ter novos sócios, não pode aumentar o capital, porque ele deve imposto. Na área empresarial, para mim, foi o pior dos problemas.
Essa obsessão em arrecadar tem prejudicado a vida das empresas e dos cidadãos?
A obsessão com os aspectos fiscais leva, por exemplo, que para exportar ou importar uma empresa tenha que se inscrever no Siscomex. Nesse Siscomex, é feito um novo controle cruzado, inclusive de tributos municipais, como por exemplo o IPTU. O exportador tem que abrir um escritório em tal porto e se o imóvel do porto estiver com o IPTU atrasado, ele não pode exportar. O exportador não tem nada com isso. Ele alugou o imóvel de uma outra pessoa. Se a outra pessoa está em débito, o problema é dela, não seu. Foram distorções que se acumularam ao longo do tempo e que resultaram nessa coisa constrangedora que é o Brasil estar em 119º lugar, em um ranking de 150, como um dos países mais difíceis de instalar um negócio. O que não impede muita gente de investir no Brasil. Somos tão atraentes que, apesar disso, ainda muita gente investe no Brasil. O Barão de Mauá, que foi um grande empresário, banqueiro e industrial brasileiro, foi duas vezes à falência. Só ficou rico na terceira. No Brasil, não cabe mais um Barão de Mauá. Se por um azar, um mau negócio, uma empresa falir, ela está excluída da atividade empresarial. Nunca mais vai ter crédito, nunca mais vai poder registrar uma empresa. É um marginal do sistema. É o que explica 70% da atividade informal econômica.
O tema desburocratização foi retomado no governo Fernando Henrique?
No governo Fernando Henrique, tivemos uma breve retomada quando o Pedro Parente era o ministro do Planejamento. Ele recriou o programa nacional de desburocratização, mas logo depois foi para a Casa Civil e o programa não prosperou.
O que o governo poderia fazer para que de fato se diminua a burocracia no país?
Em primeiro lugar, é preciso que se recrie dentro do governo um programa efetivo para desburocratizar.
Algum departamento junto ao Ministério do Planejamento poderia fazer isso?
Poderia, mas não faz nada. Não tem força política para fazer. Até gostaria de fazer. É uma coisa que tem que ser cobrada diariamente de todos os ministérios e de todos os órgãos públicos, sem exceção. Não se pode permitir mais que determinados órgãos, como a Receita Federal, sejam ditadores das normas de controle da vida dos cidadãos e das empresas. Sempre em nome, claro, do interesse superior da arrecadação. Agora que já se chegou a essa cifra extraordinária de 40% do PIB de arrecadação, há espaço, perfeitamente, para diminuir esses excessos de exigências, para não continuar dando voltas em um círculo fechado. Em 1980, 1982, teve muita resistência também à desburocratização, mas o Hélio Beltrão, que era ministro da Desburocratização, teve uma discussão muito forte com o presidente da República (general João Figueiredo) para que ele cobrasse de seus ministérios uma adesão incondicional ao sistema de desburocratização. O que foi feito e permitiu avanços muito grandes.
Hoje, o senhor vislumbra uma resistência do governo?
Do governo, acredito que não. Em todas as conversas, há muito entusiasmo, instantâneo e espontâneo. Eu próprio tive oportunidade de conversar várias vezes. Mas imediatamente não dá para mexer nos controles fiscais, porque nós dependemos da arrecadação. Aí começa assim: não dá para mexer na Previdência porque é de interesse do próprio empregado. Você sempre tem duas ou três desculpas para não fazer. O que me preocupa é que agora está se criando um super cadastro, que será um sistema de registro de empresas, que é simplificador e vai abranger todas as inscrições estaduais, federais e municipais.
Pode acabar sendo um tiro pela culatra?
Bom, se esse cadastro não for usado com muita continência, nós vamos ter o cruzamento cruzado de nível nacional. A empresa que não pagar um imposto qualquer em um município remoto da Amazônia não poderá obter registro nenhum, porque está em débito. Vamos chegar rumo a uma paralisia gigantesca. Para mudar essa mentalidade, não se pode esperar que os órgãos de arrecadação mudem. Um órgão de arrecadação é treinado para arrecadar, não para simplificar. Alguém tem que ter força moral para chegar e dizer assim: "Agora nós vamos acabar com tais e tais tributos".
Quem teria força moral para fazer isso?
O presidente da República. Ele tem que transformar isso em um programa de governo.
O senhor acha que isso não está no programa do governo?
Não está acontecendo nada muito grande. Está havendo uma proposta ainda embrionária na Casa Civil de simplificação dos registros comerciais. É um progresso, mas, mesmo assim, é um progresso diminuto. Estima-se que vá encurtar para 15 dias o registro de legalização de uma empresa. É muito tempo para cuidar de burocracia. Isso tudo fica vinculado ao seguinte: o governo, a burocracia da administração pública, trata o cidadão, contribuinte ou usuário como se fosse empregado dele. Somos nós que temos que levar o papel, que eles podem obter. Você leva o papel, mas ele não serve para participar de uma outra licitação. Por que razão o governo não pergunta diretamente à Receita Federal? Por que nós que temos de tirar a certidão negativa pela internet? E milhões não têm acesso nenhum a internet, o país ainda é pobre.
A tecnologia da informação também pode emperrar o processo?
O aparato tecnológico é neutro do ponto de vista dos objetivos políticos e morais da sociedade. Você pode usá-lo para o bem ou para o mal. Para o mal, quando você transforma tudo isso em espionagem da vida particular do cidadão. E para o bem, quando você usa tudo isso para tornar a vida do cidadão mais fácil. Provavelmente, o governo vai dizer que existe o governo eletrônico. O governo eletrônico lhe diz com facilidade quais são as obrigações que você tem que cumprir, mas não diz e nem se propõe a ser o facilitador do cumprimento dessas exigências. O equipamento tecnológico também não diz se aquela exigência é ou não necessária. E o que a gente precisa é desse tipo de julgamento. Só uma decisão de natureza política vai conseguir alterar o panorama. Isso é um acumulo de muitos anos. Hoje em dia, se alguém quiser vender um imóvel, vai ter problema de ter todas as certidões ao mesmo tempo em vigência, porque isso é fixado em 30 dias. Alguns órgãos, se você tiver em mora com um, vão levar mais do que isso para você legalizar. Aí já venceram as outras, tem que tirar mais. É um negócio diabólico. A gente não pode só colocar a culpa no governo federal. Temos que nos dar conta do nosso tamanho. O Brasil é maior que a Europa, e nós temos a pretensão de padronizar registros de empresas e sistemas tributários no Brasil inteiro sem levar em conta as diferenças regionais. Nós ainda pensamos que somos um Portugal. Só que Portugal já pensa grande. Acabou de fazer uma grande reforma para simplificar registros. O Instituto Hélio Beltrão tem a pretensão de retomar esse tema. Não mais de dentro do governo, mas sim de fora para dentro. Com uma pressão da sociedade. Esse é um pleito democrático, as pessoas querem ser tratadas como cidadãs e não como súditas do governo. Se quiserem sugestões objetivas, práticas, o Instituto Hélio Beltrão terá de pronto pelo menos dez sugestões de coisas que poderiam ser mudadas sem grandes dores.
Quais seriam?
Em área documental, simplificação documental. Para não ficar falando só de imposto, vamos dar o seguinte exemplo: hoje para se renovar um passaporte ou uma carteira de identidade tem que se apresentar todos os documentos de novo, até certidão de casamento, título de eleitor, certificado de alistamento militar. Qual é a importância que tem para tirar um passaporte, ou uma carteira de identidade, o fato de eu votar ou não? Se eu não votei, me cobre a multa. Tem que se acabar com isso. A identidade e o passaporte são instrumentos de direito do cidadão. Ele tem o direito de exigir do Estado que lhe dê a identidade e que lhe dê o direito de viajar para o exterior, independentemente de estar devendo imposto, de estar casado ou solteiro. Por que razão você apresenta os mesmos documentos para renovar a sua carteira de identidade? Porque não custa nada fazer essas exigências. Não custa para quem propõe. Para quem tem que cumpri-las, é difícil. Também acho ridículo exigir da sociedade que todo mundo que vai dirigir carro tenha que fazer cursos de direção defensiva e de primeiros socorros. Não é qualquer um que pode, num acidente, ter frieza de conduta para ir lá e salvar alguém. Isso vai dar a maior confusão. Na verdade, por trás disso, se esconde sempre o interesse econômico. É o grupo de professores que quer dar aula de direção defensiva. Na Inglaterra, que também tem acidente de carro e terrorismo, você tira a carteira de motorista pelo correio. Você diz que está sendo treinado, avisa. No primeiro acidente em que você se meter, eles vão fazer uma prova para ver se você pode dirigir. Aqui, não. É tudo preventivo. Na minha época, a primeira carteira valia até os 40 anos, depois tinha que fazer um novo exame, valia até os 50, mais 10 anos. Hoje voltamos de novo para os cinco anos. Por quê? Ninguém sabe.
Qual papel o Congresso deve desempenhar para que se diminua a burocracia no país?
Ele tem um papel fundamental, porque o Executivo fica excessivamente preocupado com o dia-a-dia da arrecadação. O Congresso é que foi eleito pelo povo e quem pode realmente dizer onde o sapato aperta. Tenho certeza que, do ponto de vista eleitoral, essa é uma mensagem de grande valor para a sociedade. A burocracia tem que virar também pauta do Congresso. O Congresso, lamentavelmente, colaborou muito para a criação disso, porque aprovou as medidas provisórias restritivas do Executivo, aceitou emendas feitas a projetos por grupos interessados em criar dificuldades, nas corporações profissionais. Um bom começo seria estabelecer o seguinte: não se exigirá documento que já foi apresentado anteriormente. A apresentação de um documento a um órgão do governo dispensa o cidadão de apresentá-lo novamente a outro órgão do governo. E a tributação não pode ser usada para fazer controles cruzados. São princípios gerais que definem, pelo menos, um norte a seguir.
A reforma tributária seria uma boa medida para facilitar a vida dos cidadãos e das empresas?
Sou descrente em relação à reforma tributária. Já trabalhei em duas comissões de reforma tributária. Todas elas resultaram em aumento de impostos. Somente em 1966, houve uma reforma simplificadora. Você pode precisar de uma reforma tributária para diminuir a carga. Para acabar com as obrigações acessórias, é preciso decisão política maior, que se sobrepõe ao conceito tributário. Hoje, o Congresso está mais forte para acabar com essa parede que se criou entre o cidadão e a administração pública, mais do que o Executivo. O Executivo enfrenta crise gerenciais e está muito grande. Quando nós fizemos a desburocratização nos anos 80, havia 15 ou 18 ministérios. Recentemente, chegaram a 36. É difícil coordenar uma coisa dessas. Acho que um chefe da Casa Civil com sensibilidade política poderia assumir o papel de coordenador da desburocratização.
É melhor criar um grupo para fazer mudanças pontuais nas questões burocráticas ou para propor uma reforma tributária?
Deixa a reforma tributária prosseguir e vamos tratar de incorporar nela as propostas de simplificação que são essenciais.
A sociedade é afetada com a mesma intensidade pelo sistema tributário ou um setor é mais afetado que os outros?
A intensidade varia quanto mais insignificante é o cidadão. Quando se exige da pequena empresa o cumprimento de obrigações burocráticas e fiscais idênticas a que você exige de um Carrefour ou uma General Motors, evidente que para o Carrefour e a General Motors é muito menos oneroso satisfazer essas exigências. Eles têm lá cento e tantas pessoas só para fazer isso. Agora, quando se trata de uma pequena empresa, que no geral tem que terceirizar esse serviço, contratar despachante, contador, isso corresponde a 5% do que ela fatura.
Algum país serve de parâmetro ou modelo de sistema tributário para o Brasil?
Mundialmente, os sistemas tributários estão vivendo suas crises. O livre fluxo de capital de um país para outro é um negócio que complica os sistemas tributários. Ainda recentemente, houve muitas críticas ao sistema norte-americano de controle fiscal. Agora, qualquer tentativa de ter um país do tamanho do Brasil com sistema tributário muito centralizado será difícil. O sistema americano você não pode nem comparar, porque lá o imposto de renda é estadual, não é federal. Você paga o imposto de renda ao município. São sistemas totalmente autônomos de tributação. Quando houve uma crise fiscal em Nova York, há 20 anos, o governo federal disse que não tinha como colocar dinheiro. É vedado pela Constituição. No Brasil, tentar fazer uma tributação totalmente federalizada, repassando renda para estados e municípios é um desafio à inteligência humana, à tecnologia tributária. Eu sou mais favorável a pegar exemplos pontuais. Vamos ver onde deu e por que deu certo e ver se é possível reproduzir a experiência de um país como a Alemanha, que é um país composto por vários estados fortemente autônomos. Como eles fizeram? Vamos aprender com quem já fez para não tentar inventar a roda.
De acordo com recente pesquisa, o brasileiro paga três vezes mais impostos hoje do que em 1988.
É verdade.
Por que acontece isso?
Os impostos vêm sempre aumentando e os sistemas de arrecadação ficam cada vez mais rígidos. Criaram-se novas áreas de tributação. Nós temos hoje um sistema de serviço público de energia elétrica altamente onerado pela tributação. Imagine o quanto se arrecada de dinheiro cobrando tributos de energia elétrica, cobrando PIS, Cofins e o diabo a quatro. Tudo isso tem aumentado anualmente ao apagar das luzes por uma medida provisória qualquer. Então é perfeitamente explicável porque cresceu tanto. O que é constrangedor é quando se compara essa carga tributária, que hoje ultrapassou a carga tributária norte-americana e de vários países europeus também, com a má qualidade de serviço que é devolvida à sociedade. Você paga 40% para financiar o Estado e tem o tratamento de um súdito de quinta categoria. O que o governo deve explicar à sociedade é para onde vão esses 40% do PIB, e por que se gasta tanto, tão mais que em outros países.
A burocracia é uma porta aberta para a corrupção?
Sim. Começa com você tendo que contratar despachante para tirar passaporte, carteira de identidade, essas coisas. Já é uma forma de criar o interesse econômico. Segundo, quanto mais exigência houver, maior será a quantidade de falsificações, de artifícios que as pessoas criarão para não pagar. Depois, é o seguinte: quando você exige muito documento, cada documento pode ser obtido de uma maneira legal ou de uma maneira ilegal. Pode ser verdadeiro ou falsificado. É como aquela firma reconhecida. O Beltrão costumava dizer que essas normas que se impõem aos cidadãos comuns no fundo são facilitadas por falsários. O falsário lida bem com isso. Ele produz carimbos, faz coisas bonitas. Sem dúvida, a má prática começa aí. Primeiro, para as coisas pequenas. Depois, para as maiores. Excesso de exigência relacionado com a abertura de empresas leva à corrupção, porque precisa de autorização do bombeiro, precisa fazer uma inspeção assim, assado. O controle excessivo sobre as contas públicas induz à corrupção. Muito papel, muita medição de obra, aquilo tudo tem o seu valor.
Em comparação com outras nações, a máquina administrativa brasileira é excessivamente burocrática?
Lamentavelmente, o país está se tornando o paraíso da burocracia. Perde para quatro ou cinco países africanos, bem mais atrasados do que nós. Burocracia é um atentado ao direito básico do cidadão de ter um bom serviço e ser tratado com dignidade pela administração. Sem exagero, isso faz parte do elenco de direitos essenciais que o país não está praticando. Nós temos um déficit democrático gigantesco na questão burocrática. Em busca do superávit fiscal, nós estamos produzindo um enorme déficit democrático.
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