Por nove votos a dois, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiram há pouco a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 144) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra os chamados candidatos “ficha suja”. Na ação, a AMB solicitava que o Supremo concedesse aos juízes eleitorais poderes para impedir que candidatos com condenação judicial, mesmo que apenas em primeira instância, concorressem a cargos eletivos.
Ou seja: todo e qualquer candidato com alguma pendência judicial, desde que não tenham recebido sentença definitiva (em última instância, sem possibilidade de recurso), podem se candidatar a mandatos eletivos não só nas eleições municipais de outubro, mas em qualquer pleito eleitoral do país daqui em diante. Mesmo que tivessem acatado a ação da AMB, as alterações na chamada Lei de Inegibilidades (Lei Complementar nº 64/90) não teriam validade para as próximas eleições.
O relator da ADPF, ministro Celso de Mello, votou contra o pleito da AMB e ressaltou em diversos pontos de seu parecer o “valor” do preceito constitucional da presunção de inocência. Na essência, a ADPF da AMB foi um recurso contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em reposta a ação da mesma entidade, manteve a condição de elegibilidade para candidatos que não tenham condenações definitivas.
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“É um valor constitucional tão importante que não vai se esvaziando no transcorrer das diversas fases processuais. O valor da presunção de inocência prevalece íntegro até o momento final do trânsito em julgado”, justificou Mello, ressaltando, no entanto, a iniciativa da AMB, “não obstante justa e válida”, e defendendo o direito do eleitor às informações sobre a “vida pregressa” dos candidatos.
“Não basta que haja contra alguém uma sentença condenatória”, acrescentou o relator, sublinhando os casos em que uma decisão judicial é tomada “abusivamente pela instância inferior”. “O valor da coisa julgada representa o reconhecimento de que o pronunciamento definitivo do Judiciário é um valor que não pode deixar de ser reconhecido.”
O julgamento durou quase oito horas (só a leitura do parecer de Celso de Mello durou mais de duas). Acompanharam o voto do relator (ou seja, votaram contra a ação da AMB) os ministros Gilmar Mendes (último a votar), Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio de Mello, Cármen Lúcia e Eros Grau. Votaram a favor da ação da AMB Carlos Ayres Britto, presidente do TSE, e Joaquim Barbosa.
Debate
A ministra Ellen Gracie destacou a importância do debate em torno da Lei de Inegibilidades. Para a ex-presidenta do Supremo, o tema propiciará aos eleitores a “natural depuração dos quadros políticos” para as eleições de outubro, mesmo que a decisão de hoje não tenha influência no pleito. Para justificar seu voto, Ellen disse que a Constituição "exige lei para criar novas hipóteses de inelegibilidade".
Presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes disse ter votado contra a ADPF para evitar "injustiças em série". “Esta fórmula mágica produziria uma hecatombe”, argumentou Mendes, para quem a Constituição, que garante a presunção de inocência, deve ser aplicada nesse caso. Em seu voto, ele chegou a comparar a prévia condenação popular com base na "lista negra" da AMB à Paixão de Cristo, na qual a democracia da época, "totalitária e instável, portanto extremista e manipulável", levou Jesus Cristo à crucificação sem que ele tivesse cometido crime.
Já o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, considera que o postulante a cargo eletivo deve ter vida ilibada, sem máculas éticas que o desqualifiquem perante o povo. “Quem pretende ingressar nos quadros estatais (…) há de corresponder a um mínimo ético”, declarou Ayres Britto, para quem o representante do povo deve ser “cândido [como diz a etimologia do termo ‘candidato’], puro e depurado eticamente”.
Joaquim Barbosa concorda. Para o ministro, a condenação em segunda instância já seria suficiente para declarar a inidoneidade do candidato e torná-lo inelegível. Ele justificou seu voto sob o argumento de que, em um eventual conflito jurídico entre a presunção de inocência e a exigência de vida ilibada para exercício de mandato eletivo (artigo 14, parágrafo 9º da Constituição Federal), esta deve se sobrepor àquela.
“O poder judiciário não pode dar de ombros e jogar a culpa no legislador”, argumentou Barbosa.
Com a decisão do STF, uma súmula vinculante (padrão judicial a ser seguido em julgamentos semelhantes) determina aos órgãos eleitorais Brasil afora a extinção de ações de impugnação de candidatura dos postulantes que ainda não foram condenados em última instância. Isso quer dizer que os canditados que ainda não receberam sentenças irrecorríveis podem ser candidatos a cargos eletivos, como garante a Lei de Inegibilidades em vigor desde 1990. (Fábio Góis)
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Matéria atualizada às 23:44.
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