Daniela Lima
O acompanhamento da conduta dos representantes do povo brasileiro no Congresso Nacional tem um limite no Judiciário. A consulta pública aos procedimentos a que respondem os parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF) esbarra em termos como “sigiloso” ou “segredo de Justiça”. Ações penais e inquéritos que recebem essa classificação podem esconder, na consulta dos processos, o nome de autoridades acusadas de terem cometido ilegalidades.
Muitos leitores alertaram o Congresso em Foco para a ausência dos nomes de alguns parlamentares da lista de 150 processados no STF publicada ontem (leia a reportagem). A prerrogativa dos ministros do STF explica a omissão.
O poder de decidir sobre o sigilo do processo e dos acusados vale para ministros e, também, para juizes de todas as instâncias. Isso significa que qualquer cidadão envolvido em processo pode requerer o mesmo benefício e cabe ao magistrado julgar o pedido.
O deputado José Otávio Germano (PP-RS) tem uma proposta para mudar essa situação. Germano apresentou um projeto de lei que proíbe o segredo de justiça em inquéritos ou ações judiciais que envolvem vereadores, deputados estaduais ou distritais, deputados federais e senadores.
A inspiração para a autoria do projeto surgiu da experiência. Envolvido em inquérito que corria em segredo de Justiça, o deputado diz que se viu impedido de dar explicações sobre o procedimento por conta do sigilo imposto pelo Judiciário.
Antes de apresentar o projeto na Câmara, o parlamentar gaúcho tomou atitude que causou estranheza no STF: fez uma petição abrindo mão do segredo de Justiça. “Eu queria dizer que não estava envolvido nas investigações que originaram o inquérito, mas não podia, porque as pessoas não podiam ter acesso por conta do segredo de Justiça”, conta Germano. “Eu me vi desprotegido pelo sigilo”, afirma o parlamentar.
Germano reconhece dificuldades para a aprovação da proposta no plenário. “Mas ela já foi aprovada pelo relator na Comissão de Constituição e Justiça e recebeu uma emenda do deputado Roberto Magalhães (DEM-PE) que amplia a proibição do uso do segredo de Justiça para o Executivo e o Judiciário”, ressalta.
Nomes excluídos da consulta
Cabe ao ministro relator acolher ou não os pedidos de sigilo ou segredo de Justiça. Eles podem ser feitos pelo Ministério Público Federal (MPF), autor da maioria dos procedimentos contra os congressistas, ou pelos próprios parlamentares.
O MPF usa o mecanismo legal para resguardar investigações ou proteger vítimas. Os congressistas pedem a ocultação dos nomes, por exemplo, com alegações de prejuízo à imagem.
O segredo de Justiça é geralmente solicitado quando há, nos autos do processo, informações fiscais, bancárias e telefônicas que precisam de resguardo. O sigilo, na teoria, é utilizado quando os termos do procedimento envolvem questões de segurança nacional ou de cunho funcional.
Existem vários níveis de sigilo: o relator do processo no STF pode manter apenas o nome dos autores, e omitir o dos acusados na consulta pública. Pode proibir que qualquer dado sobre o procedimento seja divulgado, ou permitir que haja acesso ao nome das partes, desde que o assunto não seja divulgado.
Os ministros do STF, que autorizam ou não o sigilo, não precisam dar qualquer justificativa para isso. No caso dos processos que envolvem parlamentares, a omissão das partes acaba “blindando” as autoridades.
Esconde-esconde
Um exemplo disso se deu na consulta processual do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS). Em levantamento exclusivo do Congresso em Foco o parlamentar apareceu, uma primeira vez, como investigado no Inquérito 2097, por crime contra a administração pública e corrupção passiva. Este procedimento corre em sigilo, e hoje, se for procurado pelo nome do parlamentar, não será encontrado.
Em compensação, outro inquérito, de número 2741, que apura supostas irregularidades na construção de pequenas hidrelétricas no Rio Grande do Sul, antes não disponível na busca processual, aparece na cota do parlamentar. Por causa disso, Padilha, que na realidade responde a dois inquéritos, acabou ficando com apenas um na lista publicada ontem pelo site. O Inquérito 2741 corre em segredo de Justiça.
A assessoria de imprensa do STF, questionada pelo site, disse que iria apurar o caso dos inquéritos que aparecem e desaparecem da consulta processual com a área de informática da corte.
Outro deputado que deixou de ter o nome fora de levantamentos de processos é Sandro Mabel (PR-GO). Em consulta no site do STF ontem, apenas uma petição era encontrada na busca pelo nome do parlamentar. Mabel responde à Ação Penal 352 (sigilosa), por crime contra a ordem tributária, e ao Inquérito 2291, pelo mesmo delito. Esse corre em segredo de Justiça.
Na semana que antecedeu a publicação do levantamento dos processos que correm contra os parlamentares no STF, Padilha e Mabel não enviaram comentários, retificações ou justificativas sobre os procedimentos listados pelo Congresso em Foco. Assim como os demais congressistas citados na reportagem, ambos foram procurados desde a quarta-feira da semana passada. Dos 318 procedimentos encontrados pelo site no Supremo contra parlamentares, 45 estão em segredo de Justiça e outros três correm em sigilo.
Exclusivo: 150 parlamentares têm processo no STF
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