Acusado de comandar um esquema de corrupção nos Correios, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) intimidou os membros da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga as denúncias de irregularidades na estatal ao ameaçar contar o que sabe sobre o financiamento de campanha eleitoral de todos os integrantes da CPI. Em seu primeiro depoimento à CPI dos Correios, Jefferson transitou da condição de acusado à de denunciante das mazelas da política nacional.
“Ninguém aqui é melhor que eu. Vou questionar um por um e vamos ver se as práticas daqueles que querem levantar a voz contra mim são diferentes”, ameaçou. Munido de uma mala, na qual, segundo ele, estariam as declarações de gastos apresentadas por deputados e senadores à Justiça Eleitoral nas últimas eleições, Jefferson classificou as prestações de contas de campanha, inclusive as dele, como mentirosas. “As declarações da Justiça Eleitoral não traduzem a realidade. Nem a minha, porque é igual a dos senhores", afirmou.
Segundo ele, não há campanha de deputado que custe menos de R$ 1 milhão, mas que a média das prestações apresentadas aos tribunais eleitorais é de R$ 100 mil. Nenhuma candidatura ao Senado custa menos de R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões, mas a média das prestações é de R$ 250 mil, completou.
Durante cerca de nove horas de depoimento, Jefferson pouco foi confrontado. Aos ataques de parlamentares do PT, reagiu ora com fúria, ora com silêncio. O deputado se recusou, mais uma vez, a dizer o que fez com os R$ 4 milhões que alega ter recebido irregularmente do PT para o financiamento de campanhas do PTB.
O deputado comparou o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o publicitário Marcos Valério Fernandes ao empresário Paulo César Farias, tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello. “Se PC Farias, e fez, hoje Delúbio e Marcos Valério fazem e outros virão e farão também”, disse em referência ao suposto esquema de corrupção nas estatais.
Jefferson reafirmou que todas as irregularidades supostamente cometidas pela dupla eram de conhecimento do ex-ministro da Casa Civil, deputado José Dirceu (PT-SP). A pedido do senador Jefferson Peres (PDT-AM), ele se dispôs a participar de uma acareação com Dirceu, Delúbio e o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira.
O deputado afirmou que a suposta mesada paga a parlamentares da base aliada em troca de apoio ao governo nas votações, o mensalão, continuou mesmo após o aparecimento das primeiras denúncias. Jefferson deu, inclusive, o endereço de onde os saques estariam sendo feitos: uma agência do Banco Rural num shopping de Brasília. "Desde a denúncia, quando as malas de dinheiro não puderam mais entrar no Congresso, o dinheiro passou a ser pago nessa agência", afirmou.
Leia os principais trechos do depoimento de Roberto Jefferson à CPI dos Correios:
O princípio da mentira
"Eu trouxe aqui, que peguei na Justiça Eleitoral, todas as prestações de contas, minha e dos senhores. É aí o princípio da mentira que a gente vive aqui. Não há, povo do Brasil, cidadãos do Brasil, eleição de deputado federal que custe menos de R$ 1 milhão ou de R$ 1,5 milhão. Mas a média, aqui na CPI e na Câmara, na prestação de contas é de R$ 100 mil. Não há eleição de senador que custe menos que R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões, mas a prestação de contas, na média, é R$ 250 mil. Esse processo começa na mentira e deságua no PC Farias, nos outros tesoureiros, e agora no senhor Delúbio e no senhor Valério. (…) As declarações da Justiça Eleitoral não traduzem a realidade. Nem a minha, porque é igual a dos senhores."
Todos iguais
“Ninguém aqui é melhor que eu. Vou questionar um por um e vamos ver se as práticas daqueles que querem levantar a voz contra mim são diferentes.”
Inversão de fantasmas
"Nessa inversão de papel que vivo hoje, vejo que muitos dos que ontem exorcizavam os fantasmas, agora se abraçam com eles. Só que agora não são mais os fantasmas do PC, são os fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério."
PC Farias – Delúbio e Valério fazem
"Se PC Farias, e fez, hoje Delúbio e Marcos Valério fazem e outros virão e farão também. (…) A Abin foi incapaz de dizer (…) que o senhor Marcos Valério, versão moderna e macaqueada do senhor PC Farias, sacava R$ 1 milhão por dia nas contas do Banco Rural. Ou sacava em Minas Gerais ou no prédio do banco no Brasília Shopping, no 9º andar, onde muitos assessores dos que recebem mensalão, que estão registrados na portaria, subiam até o escritório do banco para receber R$ 30 mil, 40 mil, às vezes 20 mil ou até R$ 60 mil.(…) Estive com o Marcos Valério duas vezes. Uma delas no PTB. Ele queria que transferisse depósitos no valor de R$ 600 milhões do IRB, que ficam num banco na Suíça, para o Banco Espírito Santo. Procurei o Genoino e disse: ‘Zé, esse cara é doido!’. E me disseram que podia confiar. Ele era o PC Farias.”
Mensalão em novo endereço
"É só ir lá no nono andar do Brasília Shopping, verificar os nomes dos assessores que foram receber o dinheiro, ou verificar o recibo que o Banco Rural manda assinar. (…) Desde que as malas de dinheiro pararam de circular, as pessoas começaram a fazer os saques no Banco Rural, na agência do nono andar do Brasília Shopping. (…) Eu recebi a informação que, depois da denúncia do mensalão, assessores de parlamentares têm ido lá pegar R$ 30 mil, R$ 40 mil, desde que as malas pararam de chegar. Não sei se no presente, mas até bem pouco tempo sim. Desconfie de quem diz nunca ter ouvido falar em mensalão. Ou se omite por medo ou recebe.”
Onde está o dinheiro?
"Não admito que o partido pegou, morre comigo a informação. Não vou prejudicar inocentes, recebo na pessoa física, por omissão do presidente do PT e por erro meu", disse ele. (Sobre os R$ 4 milhões que declarou ao Conselho de Ética da Câmara ter recebido do PT para o financiamento de campanha eleitoral em 2004)
E o rabo aparece
“No início me cobraram provas. A realidade está vestindo minhas palavras. O carequinha deixou de fora o que PC Farias deixou, o rabo. Mas agora têm que procurar o Banco do Brasil, porque dos R$ 4 milhões que recebi, 60% tinham a etiqueta do BB.”
Ataque ao PT
“PC Farias é pinto perto do que se vê de corrupção no PT (…) Assisti ontem (anteontem) a uma queda-de-braço de quase nove horas nesta CPI para quebrar ou não as contas do senhor Marcos Valério, aquele moço carequinha. Um partido tentou de toda maneira impedir que isso acontecesse, um partido que até ontem fazia da acusação a sua afirmação de luta. Do libelo pessoal contra pessoas a escada para subir, do cadáver de homens, troféus a ostentar para a opinião pública. Duro é quando esses cadáveres começam a repousar no nosso colo e os fantasmas que eles representam a assombrar nossas bandeiras, nossas lutas. (…) O PT chafurdou no mesmo esquema de financiamento. Se sujou.”
O PT e o bicho
“Não tente empurrar nada para o PTB. No Rio Grande do Sul, o governo do PT viveu escândalo do apoio dos bicheiros e tentou jogar tudo para debaixo do tapete. Bicheiros e Waldomiro Diniz são coisas do PT. (…) Nunca recebi colaboração de bicheiros. No meu partido não tem Cachoeirinha, não! Essa fidelidade zoológica do seu partido é estranha. Não venha me dar lição de ética e moralidade! Pelos fantasmas do PC passaram R$ 64 milhões e só nas contas de Marcos Valério já passaram R$ 40 milhões.” (Ao responder ao deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho, que o acusou de mentiroso e de ter servido ao governo mais corrupto da história do país)
Ataque à Abin
“A Abin é a agência política que age a favor do governo e não da sociedade. Há seis meses infiltraram agentes nos Correios para investigar irregularidades licitatórias. A incompetência é tamanha que descobriram um petequeiro embolsando R$ 3 mil e não descobriram que seu Marcos Valério, versão macaqueada do PC, sacava R$ 1 milhão por dia no Banco Rural ou no Edifício Varig.”
Ataque a Dirceu
“Todo o esquema de indicações era comandado pelo Zé Dirceu e o Silvio Pereira. O Silvio negociava e o Zé Dirceu batia o martelo. Tudo que eu negociei com o José Genoino foi homologado por ele. Não só dinheiro para a campanha, nomeação para Furnas, tudo. Eu tive com ele conversas republicanas e não republicanas.”
Jefferson, o fracassado
“Eu não brilhei como político. Fui um fracasso porque trilhei um caminho contra a opinião pública. Eu rutilei como advogado, que serei até Deus me chamar ao seu convívio, se achar que mereço.”
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