Maria Fernanda Malozzi e Sávia Barreto
Especial para o SOS Concurseiro/Congresso em Foco
Jarbas Oliveira de Souza é um concurseiro de sucesso: já foi aprovado em seis dos mais de 20 concursos públicos de que participou. Hoje ele é auditor governamental da Controladoria Geral do Estado do Piauí (CGE-PI). A história dele é um exemplo para muitos candidatos que também querem trabalhar no setor público, e tem um tempero especial: Jarbas é deficiente auditivo.
Ele faz parte da fatia de 24% da população brasileira com algum tipo de deficiência. São 27 milhões de pessoas. Desse total, 17 milhões têm entre 17 e 59 anos e estão aptos ao mercado de trabalho, conforme o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar dos esforços e incentivos governamentais para aumentar a absorção dos profissionais com deficiência, a iniciativa privada não tem conseguido, sozinha, atender a todas as demandas. Mais bem qualificadas do que nunca, as pessoas com deficiência se aventuram no mundo dos concursos, aproveitando a cota entre 5% e 20% definidas por lei. A reserva de vagas, a estabilidade e os salários mais atraentes do que os oferecidos pela iniciativa privado têm levado mais pessoas com deficiência a optarem pelo setor público.
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Jarbas considera que a limitação auditiva não reduz sua capacidade produtiva. “Às vezes, preciso aumentar bastante o volume do aparelho e prestar muita atenção no locutor, fazendo um pouco de leitura labial no trabalho. Fora isso, não tenho nenhum problema”, admite.
Depois de mais de 20 tentativas de passar em concursos públicos, o servidor público continua dedicado aos estudos. “Eu estudo todo santo dia, seja domingo ou feriado, e acredito que temos que dedicar parte das 24 horas diárias ao estudo, seja para concursos, ou mesmo vestibular. Nunca deixo passar um dia sequer, mesmo que por uma hora, sem estudar”, argumenta o deficiente auditivo, que ingressou no universo dos concurseiros após trabalhar na iniciativa privada.
“Não recebia a contento e a rotina por vezes era estressante, então fiz um curso preparatório para auditor da Secretaria Estadual de Fazenda de Pernambuco (Sefaz-PE), em 1999, e conheci o mundo dos concursos. Essa seleção da Sefaz nunca aconteceu, mas continuei estudando para outros concursos e deu certo”, conclui.
Procura crescente
Entusiasmadas pela estabilidade e pela remuneração mais compatível com a formação, as pessoas com deficiência voltaram suas atenções para os concursos públicos. De acordo com a banca organizadora Consulplan, atualmente os cargos públicos são um grande atrativo para profissionais com ou sem deficiência porque valorizam o mérito da conquista de um emprego somente pela avaliação do conhecimento do candidato, o que não costuma acontecer no setor privado. O valor dos salários e a estabilidade profissional são outros atrativos dos empregos públicos para as pessoas com deficiência.
No concurso em andamento para a Receita Federal, organizado pela Escola de Administração Fazendária (Esaf), foram abertas 750 vagas para o cargo de analista-tributário, das quais 38 para pessoas com deficiência. Dos mais de 96 mil inscritos, 5.592 (5,8%) declararam alguma deficiência, o que indica uma concorrência acirrada: são 147,15 candidatos por vaga. Já para o cargo de auditor-fiscal, das 200 vagas, dez são reservadas para pessoas com deficiência. Das 26.313 inscrições feitas, 441 foram preenchidas por pessoas com deficiência, uma concorrência de 44,1 concurseiros por vaga. Os dois cargos existem graduação em qualquer área de formação e oferecem salários de R$ 7,9 mil e R$ 13 mil.
Em 2009, quando ocorreu o concurso anterior para analista-tributário e auditor-fiscal, também pela Esaf, os concursos receberam adesões de 81.367 e 77.894 interessados, respectivamente. Ao todo, 1.178 candidatos com deficiência se interessaram pelo cargo de analista-tributário e 1.256, pelo de auditor-fiscal.
Garantia
A auxiliar administrativa do Instituto Federal do Piauí (IFPI) Carla Cléia Silva tentou por quatro vezes ingressar no serviço público antes de ser aprovada em 2010. Carla, inclusive, participou de uma seleção que não estava conforme a legislação vigente, que prevê o mínimo de 5% e o máximo de 20% das vagas reservadas para pessoas com deficiência, exceto em áreas de segurança pública. “Entrei na Justiça e ganhei, porém, passei em outro concurso com salário melhor e optei por deixar para lá o que havia conseguido a vaga com a decisão judicial”, explica.Experiente na leitura de editais de concursos públicos em busca de oportunidades para pessoas com algum tipo de deficiência, Carla Cléia critica o fato de que, em muitos casos, o percentual de vagas só ser respeitado quando há provocação do Ministério Público. “Ainda existe muita resistência em respeitar esse direito que foi conquistado por nós”, reclama.
Assim como Carla Cléia, o auditor governamental Jarbas Oliveira conta que passou pela mesma experiência de encontrar editais em que não havia previsão de reserva de vagas, o que contraria a Constituição Federal e a Lei 8.112/1990. Pela legislação do país, os órgãos públicos devem reservar entre 5% a 20% das vagas em concursos para pessoas com deficiência. “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”, diz o texto o artigo 37, inciso VIII, da Constituição.
O artigo 7º, inciso XXXI, proíbe ainda qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. Os concurseiros devem observar também a lei em que o edital de cada concurso está se baseando para tratar das vagas destinadas aos deficientes, já que cada cidade ou estado pode possuir legislações específicas sobre o tema.
Sistema de avaliação
Motivada pela estabilidade do emprego público, a auxiliar administrativa Carla Célia destaca que passou por algumas dificuldades no período de preparação para as provas. “Para as pessoas com deficiência, tudo é muito complexo, mas posso ressaltar o transporte no dia da prova, tendo em vista que sou cadeirante e preciso de um veículo específico para me locomover”, disse. Ela conta que hoje o ambiente onde trabalha é acessível às suas necessidades e o uso de cadeira de rodas não interfere na execução de suas atividades.
Para garantir a isonomia da participação dos concurseiros com deficiência, as organizadoras oferecem diversos recursos que os auxiliam na realização das provas. O Cespe/UnB, por exemplo, oferece provas ampliadas e superampliadas, material em braile, software para leitura de textos, sala individual, mesa para cadeira de rodas, intérprete de Libras, ledor, leitura labial, além de adaptações para pessoas com necessidades especiais momentâneas.
Os candidatos podem solicitar um ou mais desses recursos desde que a necessidade seja comprovada por meio de laudo médico e solicitada no período definido em edital. Os pedidos são, então, analisados e podem ser atendidos ou não. Por isso, as organizadoras ressaltam que é importante o candidato indicar, no ato da inscrição, de quais recursos necessita para a realização da prova e enviar, dentro do prazo estabelecido, o laudo médico.
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