Marcelo Nantes
Apenas 32 dos 5.659 candidatos que concorreram a uma vaga na Câmara conseguiram o número de votos necessário para a eleição de um deputado, o chamado quociente eleitoral. Ou seja, praticamente 94% dos 513 deputados eleitos em outubro assumirão o cargo graças ao desempenho dos próprios partidos ou das coligações.
Em somente três casos, os recém-eleitos obtiveram mais que o dobro do quociente eleitoral anunciado pelos respectivos tribunais regionais eleitorais (TREs). Além de assegurarem suas próprias cadeiras, os campeões de votos garantiram a eleição de colegas menos votados.
Dono do melhor resultado proporcional do Brasil nas últimas eleições, com 667.830 votos (16,19%), Ciro Gomes (PSB-CE) acabou elegendo 3,56 parlamentares. Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), com 436.966 votos (6,65%), elegeu 2,59 deputados. E Paulo Maluf (PP-SP), com 739.827 (3,56%), a maior votação absoluta dentre todos os concorrentes, conquistou votos suficientes para eleger outros 2,49 colegas.
Isso porque o quociente eleitoral é definido a partir da divisão do número de votos válidos pelo número de vagas a que tem direito cada bancada estadual. Como poucos conseguem alcançar essa marca, a distribuição das cadeiras para os partidos e coligações é feita a partir da divisão entre o total de votos obtidos – pela legenda ou pela chapa – e o quociente eleitoral. Nessa matemática, porém, nem sempre os mais votados são eleitos.
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Em apenas 11 estados, candidatos eleitos ou reeleitos alcançaram o quociente eleitoral: seis na Bahia; cinco no Rio de Janeiro e em São Paulo; três em Pernambuco e no Rio Grande do Sul; dois no Ceará, no Pará, na Paraíba e no Paraná; e um em Goiás e em Minas Gerais (veja quem são eles).
Eleitos, todos são iguais
Advogados especialistas em Direito Eleitoral e cientistas políticos não se surpreendem com o baixo percentual de parlamentares que se elegeram apenas com os próprios votos. Alegam que o sistema de lista aberta, adotado no país, não vincula a escolha do eleitor a nomes, mas, sim, ao desempenho das coligações partidárias.
“Resultados como esses não afetam em nada o instituto da representação. O voto do eleitor tem dois significados. Ele pode optar por um partido ou coligação, ou ele pode preferir um nome de sua confiança. Isso é permitido e se chama voto em lista aberta. O mais votado não chega ao Congresso em posição de vantagem e nem o menos votado em situação de desvantagem”, esclarece o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade), Torquato Jardim, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mesma opinião tem o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas. “Há um equívoco de conceito. Quem tem que conseguir votos é a coligação, não o candidato”. Equívocos à parte, em toda eleição proporcional verificam-se desequilíbrios ao se comparar as listas dos candidatos eleitos com a dos não-eleitos, divulgadas pelos TREs.
Distorções do voto proporcional
O cientista político Octaciano Nogueira lembra que em 1998 apenas 13 congressistas alcançaram o quociente eleitoral e que apenas seis países já adotaram eleições majoritárias para o parlamento. “Todos falam na injustiça do voto proporcional. Mas se a escolha fosse majoritária, os candidatos que chegassem na frente representariam uma minoria”.
Em 2002, 33 deputados conseguiram votos suficientes para se elegerem, independentemente de partido ou coligação. Naquele ano, Enéas Carneiro (Prona-SP), o deputado mais votado do país com 1.573.642 (8,02%), ajudou a eleger outros colegas de partido com votação inexpressiva, como Irapuã Teixeira (673 votos), Elimar Damasceno (484) e Ildeu Araújo (382). Todos com entre 0,003% e 002%% dos votos válidos para deputado federal em São Paulo naquele ano.
Na mesma eleição, o ex-prefeito paulistano Celso Pitta (PSL-SP), por exemplo, alcançou 84.119 votos (0,42%), mas ficou de fora da lista dos eleitos. Ou seja, quando se disputa uma cadeira nas câmaras municipais, nas assembléias legislativas ou mesmo na Câmara dos Deputados, ser bem votado pode não significar nada. Assim como a má votação não determina a derrota.
Deputados-locomotivas
“Em cada eleição é mais ou menos assim. Os deputados-locomotivas puxam as bancadas. Isso mostra que mais de 90% são eleitos pela legenda, com votos dados a muitos candidatos. Veja que poucas vezes o PCdoB conseguiu eleger integrantes do Congresso sem as sobras do PT. Acredito que essa tendência facilite a aprovação do voto em lista fechada”, avalia o cientista político David Fleischer.
Uma dos itens mais polêmicos da proposta da reforma política em discussão no Congresso, o voto em lista fechada prevê que o eleitor votará no partido, que organizará, previamente, uma ordem dos candidatos. Por esse sistema, são eleitos apenas os primeiros nomes da lista, até se atingir o número de cadeiras conquistadas pela legenda.
O ministro do TSE José Gerardo Grossi acredita que a lista fechada poderia entrar em vigor juntamente com o voto distrital ou distrital misto: “Não creio que haverá resistências. A concepção do voto distrital ou do voto distrital misto é palatável no Congresso Nacional. A eleição passaria a ser majoritária e em regiões, na maioria das vezes, diminutas. O candidato teria menos concorrência e faria uma campanha mais econômica, visto que percorreria uma distância menor e disputaria com um ou dois adversários, no máximo. Poderia se eleger, inclusive, com menos votos do que no sistema proporcional”.
Com o voto distrital, os estados seriam divididos em distritos, cada um com seus próprios candidatos fixos. A eleição seria realizada de forma majoritária, ou seja, seria eleito o candidato que tivesse mais votos, independentemente da soma dos votos do seu partido. Nesse caso, discute-se até mesmo a possibilidade de haver segundo turno, como já ocorre para cargos do Executivo (prefeito, governador e presidente).
Meio-termo
Para evitar que os legisladores eleitos por esse sistema restrinjam sua atuação aos interesses locais, uma alternativa discutida é a do voto distrital misto. Nessa hipótese, por exemplo, 50% dos legisladores poderiam ser eleitos por voto distrital e a outra metade pelo sistema proporcional, usado atualmente.
Mas o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), que acaba de se reeleger para o quinto mandato sem atingir o quociente eleitoral, não vê clima para uma mudança desse tipo no Congresso.
“Acho difícil a aprovação do voto distrital misto. Mais fácil seria aprovar a lista fechada parcial. Para mim, em primeiro lugar, deveríamos acabar com as coligações. No meu estado, elegemos em nossa coligação 19 parlamentares, mas apenas 13 do PFL. Os demais venceram com nossa ajuda e ainda teve quem apoiasse Lula no segundo turno. A troca do voto em legenda pelo distrital misto modificaria muito a atual composição da Câmara. Outra alteração prioritária seria a adoção da fidelidade partidária. Não diria proibir a mudança de sigla, mas desestimulá-la”.
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