Raul Jungmann*
A sociedade brasileira tem sofrido na pele os efeitos de uma onda de violência decorrente de vários fatores. As pesquisas apontam que a segurança ocupa um lugar de relevância ao lado de questões igualmente graves como o desemprego, a falta de um sistema eficiente de saúde pública e a inexistência de uma escola capaz de cumprir o seu papel constitucional e garantir educação básica e capacitação técnica de qualidade.
Temos um conjunto de desafios historicamente agravados pela ineficácia das políticas públicas em cujo universo são necessárias algumas medidas prioritárias. Desarmar a população é uma decisão oportuna e, paralelamente a uma correção de rumos que os brasileiros vão certamente impor nas urnas de 2006, contribuirá a médios e longos prazos para a desejada paz almejada pela população. O ponto central da campanha pelo “sim” à proibição do mercado de armas e munições reside basicamente na convergência com as aspirações da sociedade brasileira em todos os seus níveis.
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As pesquisas preliminares à campanha do referendo mostram que mais de 70% dos brasileiros são contra a venda de armas. Temos discutido essa questão exaustivamente. Tanto o bloco parlamentar da Frente Brasil Sem Armas, presidido pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), quanto as instituições da sociedade civil associadas à campanha, estão construindo uma agenda de eventos simples, mas de grande simbolismo em favor do desarmamento, como tese central do nosso movimento. Temos recebido contribuições espontâneas e de larga repercussão. Os gestos contra as armas falam mais alto, e a receptividade popular é crescente e claramente simpática ao “sim”. Isso fica muito claro em todos os lugares aonde chegamos com a nossa mensagem contra o comércio de armas e munições.
É inegável que a campanha vem encontrando portas abertas em universidades, escolas, instituições de classe, entre intelectuais, artistas, desportistas, empresários, profissionais liberais, servidores públicos, homens e mulheres que lideram comunidades e que exercem papéis de destaque nos cenários onde atuam e trabalham. Não há como destacar parcerias. Todas são importantes. O que existe é uma adesão crescente e até surpreendente de todos os setores da comunidade brasileira. As ONGS, como Viva Rio, por exemplo, são uma referência do que vem acontecendo em favor do “sim”.
O referendo custará pouco mais de R$ 200 milhões e ainda servirá para atualizar a maior parte do cadastro do eleitorado brasileiro, constituído por 122 milhões de pessoas. Se considerarmos que anualmente o Sistema Único de Saúde (SUS) despende cerca de R$ 180 milhões apenas para socorrer as vítimas de armas de fogo, veremos que, em curto prazo, o “sim”, além de salvar vidas, vai proporcionar uma valiosa (em todos os sentidos, inclusive no plano do direito à vida) economia e ainda uma grande contribuição ao exercício da cidadania. Não há como refutar essa realidade.
Quanto ao argumento do comércio com vendas inexpressivas, ele reforça a tese do “sim”. São tão poucas as armas legalmente vendidas, mas incomensurável o mal que causam à sociedade. Trata-se de uma irrelevância comercial capaz, entretanto, de produzir danos irreparáveis a todos.
As expectativas são as mais otimistas. Acreditamos que o “sim” vai diminuir drasticamente os índices de mortes por armas de fogo no Brasil. Em menos de dois anos a campanha pelo desarmamento e a proibição do porte de armas no território brasileiro já salvou a vida de milhares de pessoas que teriam sido mortas por motivos banais, como discussões de trânsito, diferenças de vizinhos, brigas de casais, etc. De repente, os brasileiros irão perceber que o risco de morte por armas é algo presente no cotidiano e que, se a própria sociedade eliminar o comércio desse segmento, terão avançado ainda mais no rumo da segurança coletiva.
Os estudos realizados por instituições brasileiras e de larga representação como a Unesco, além de trabalhos sérios – caso do livro de Antonio Rangel Bandeira, da ONG Viva Rio, que responde as 100 mais freqüentes perguntas sobre a importância do desarmamento – mostram um dado irrefutável: as pessoas que portam armas correm 180 vezes mais risco de morte quando são assaltadas do que se não estivessem munidas de uma arma. Nos EUA o risco é maior. Passa para 187 vezes. Temos a convicção de que, ao referendar a tese da proibição do comércio de armas e munições, a sociedade civil brasileira terá conquistado um espaço importante rumo à preservação da vida e consolidado, seguramente, um passo histórico para o nosso desenvolvimento sócio-econômico.
Raul Jungmann, 53 anos, é deputado federal (PPS-PE), e secretário-geral da Frente Parlamentar por um Brasil Sem Armas. Foi ministro do Desenvolvimento Agrário e presidente do Ibama no governo FHC.
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