Fábio Góis
O ato que disciplina o uso da cota de passagens aéreas no Senado foi usado por senadores para protesto contra o que alguns deles consideram “exagero” da imprensa. Poucos apenas se limitaram a elogiar a iniciativa da Mesa Diretora, que restringe a viagens nacionais a utilização das cotas mensais (leia).
Depois de pronunciamentos acalorados em defesa da “instituição”, a resolução da Mesa foi aprovada em caráter simbólico pelo plenário. Líderes se revezaram na tribuna para, entre outras coisas, reclamar do fato de que a pauta negativa tem atrapalhado a produtividade do Senado.
Um dos mais exaltados foi o senador Almeida Lima (PMDB-SE). Com duras críticas ao que considera “blasfêmia” do jornal Correio Braziliense, que publicou nesta quinta-feira (22) matéria com foto do tucano intitulada “Farra das passagens chega ao Senado”, ele disse não ter obrigação de prestar contas sobre algo “legal”.
“Não tenho obrigação de prestar contas porque sigo as normas da Casa. Eu devolveria minha cota para o Senado ou para as agências de viagens?”, reclamou Almeida, para quem todos os senadores sempre usaram livremente, e segundo critérios próprios, as cotas a quem têm direito mensalmente.
Segundo a matéria do Correio, Almeida admitiu que utilizou a milhagem acumulada com viagens ao exterior com a esposa, em visitas não oficiais a países como França, Canadá e EUA. “Isto é uma ignomínia, uma blasfêmia, uma matéria menor”, vociferou o tucano, para quem as normas revistas hoje pela Mesa não eram “obscuras”, e que a resolução de hoje apenas “normatiza” o sistema.
“Esta é a circunstância pequena, miúda, anã em que esse jornal se encontra no dia de hoje, com uma história bonita que tem em defesa das liberdades democráticas”, bradou o senador, dizendo que seu desabafo não terminaria naquele pronunciamento. “Voltarei à tribuna porque preciso desse desagravo ao jornal Correio Braziliense, que não agiu com seriedade quando ele diz ‘Farra das passagens chega ao Senado’. Isso é uma irresponsabilidade, não só do jornal como do jornalista [que assina a matéria]. Isto é uma excrescência.”
Vale transporte
Já o senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) foi irônico em suas críticas à imprensa e ao “excessivo” destaque do assunto no noticiário. “Daqui a pouco vamos estar recebendo vale transporte…”, disse Cafeteira, dirigindo a Sarney (PMDB-AP), um dos mais antigos do Senado, e alegando que tratamentos de saúde o obrigam a viajar muito.
“Agora, pergunto a vossa excelência: não seria melhor que eu usasse minha cota para cuidar da minha saúde? Não se pode, no caso de necessidade, fretar um avião na sua cota para fazer uma viagem para cuidar da saúde ou coisa que o valha?”, disse o maranhense, usuário de cadeira de rodas em razão da idade avançada (84 anos). “Estou falando com a voz da experiência, por ser o senador menos jovem, ou mais antigo.”
Cafeteira chegou a atrelar a ação da imprensa à improvável hipótese de fechamento do Congresso. “Tenho de viajar sempre com uma pessoa do meu lado. A imprensa está – e eu disse isto em um pronunciamento – numa onda de denuncismo que pode levar a fechar esta Casa do Congresso.”
Por seu turno, o líder do DEM, José Agripino (RN), disse acreditar que o anúncio da resolução dá um fim à crise instalada há meses no Congresso, em razão dos sucessivos casos de abuso de dinheiro público tanto na Câmara quanto no Senado. Noticiário que, notadamente desde a semana passada, tem marcado o protagonismo inegável deste site (leia tudo aqui).
“Acho que esse ato, de uma vez por todas, encerra esse assunto”, declarou Agripino, dizendo sentir-se “livre de um peso”, uma vez que, com o ato, separa-se “o joio do trigo”. “Não há mais excesso, não há mais como cometer excessos, pois a verba de passagem é para ser usada a partir de agora.”
Vida difícil
O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), fez um testemunho sobre a imagem dos senadores diante da opinião pública. “Não está fácil ser senador e andar pelas ruas do Brasil. Somos perguntados todo dia sobre fatos que, do ponto de vista público, são estarrecedores”, reclamou o senador, de maneira a traduzir o que percebe junto ao cidadão comum.
“O Congresso não tem equipamento, vontade, energia, organização para acompanhar as contas públicas, para acompanhar as prestações de conta das estatais e do Governo Federal”, emendou o parlamentar pernambucano. “De outra maneira, a própria Comissão de Orçamento, que é o núcleo do principal programa que aprovamos a cada ano, não funciona, não funcionou e não funcionará no modelo atual.”
Já o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), também recorreu à figura do joio e do trigo para apontar os “excessos” da imprensa. “A meu ver, tem havido excesso também por parte da imprensa brasileira, quase como se houvesse uma tendência a se misturar o joio com o trigo”, disse Virgílio, sem apontar nomes – mas quase chegando a fazê-lo.
“Isso tenho visto de pessoas extremamente categorizadas, experientes, cultas, algumas delas tendo vivido – e muitas delas viveram bravamente – o período de enfrentamento ao regime militar”, acrescentou o tucano, dizendo que alguns jornalistas têm cedido “à tentação (…) como se, de repente, não houvesse sinal de vida honrada no Congresso Nacional”.
Em discurso surpreendentemente conciso, e sem entrar em detalhes, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) manifestou apoio ao ato formalizado pela Mesa. “O Senado Federal, que tem a responsabilidade, além de legislar, de fiscalizar os atos do poder Executivo, precisa dar o exemplo. É sempre importante darmos transparência aos nossos atos administrativos. A decisão da Mesa, tomada depois de diálogo com os líderes, parece-me adequada, e, por isso, eu a aprovo”, disse o petista.
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