Os tucanos não vão deixar barato os ataques do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, aos principais líderes do PSDB. Preparam-se para endurecer ainda mais o confronto com o governo no Congresso. O aviso é do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), conhecido defensor do diálogo e da “oposição responsável”.
Em entrevista ao Congresso em Foco, Azeredo deixou a mineirice de lado e partiu para o ataque. Acusou o governo de adotar práticas "neo-stalinistas", de ter cometido abuso do poder econômico e de ter se utilizado de partidos de aluguel nas eleições. Principalmente, condenou o PT de "partidarizar" a administração pública.
"Esse tipo de movimento de você instrumentalizar o governo, de você vir com instrumentos de controle de opinião, do partido se confundindo com o governo. Isso seria o neo-stalinismo"
O alvo principal de Azeredo é Dirceu, que no último fim de semana chamou o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de "ingênuo" e "coitadinho" por ter afirmado em entrevista ao jornal O Globo que nas eleições os interesses do PT se sobrepuseram aos do governo.
Há um mês, o ministro da Casa Civil bateu boca com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que insinuara a existência de corrupção no projeto de Parcerias Público-Privadas (PPP), em tramitação no Senado.
Bem-humorado após verificar dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que davam ao PSDB 150 prefeituras em Minas, o senador não hesitou em afirmar que o problema do presidente Lula é que ele tem “um Sérgio Motta” no Gabinete Civil, com muita concentração de poder.
Sérgio Motta, ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, morto em 1998, tinha funções semelhantes às de José Dirceu. Era um grande “operador” do PSDB, articulando dentro e fora do partido, e constantemente era chamado de trator. A exemplo do ministro petista, colecionava inimigos com facilidade.
Para o engenheiro de Belo Horizonte, ex-govenador de Minas, o resultado das urnas traz duas lições: a necessidade de uma reforma política no país e de uma desconcentração do poder político, atualmente centrado, sobretudo, em São Paulo.
“Nessa eleições, nós vimos um abuso do poder econômico da parte do PT. Nós vimos realmente que partidos foram usados como partidos de aluguel. Houve isso e não é bom para a democracia brasileira continuar com essa dispersão partidária que existe hoje”, afirmou o senador.
Ele considera que um dos maiores desafios do presidente Lula é cumprir o que prometeu no seu discurso de posse e realizar a reforma política. O problema, reconhece Eduardo Azeredo, é que os partidos da base governista têm interesse em conservar a estrutura atual, que incentiva o fisiologismo e o aluguel de legendas.
Congresso em Foco – Que avaliação o senhor faz do fato de o PSDB ser a maior força de oposição ao PT, que cresceu menos do que esperava? O que pode mudar com esse resultado das urnas?
Eduardo Azeredo – A história política brasileira mostra que as eleições municipais não costumam ter conseqüência maior nas eleições seguintes, nacionais e estaduais. Os exemplos são vários. Podemos dizer o próprio exemplo de São Paulo, onde a Marta Suplicy ganhou a prefeitura e o PSDB ganhou, dois anos depois, o governo com Geraldo Alckmin, que tinha sido derrotado por ela na prefeitura. Acho que o exemplo mais claro é esse. Então, eu não acredito que haja uma repercussão imediata nas eleições seguintes. Tem uma repercussão no quadro político, que mostra que o PT, não crescendo como imaginava, vai ter que se abrir mais ao diálogo e não pode mais ficar com a postura de governo partidário que mostrou nos últimos meses. Especialmente o ministro José Dirceu, que na segunda-feira, traz uma declaração de uma maneira muito deselegante com o governador Aécio Neves e já repetindo o que ele havia feito há pouco tempo com o senador Tasso Jereissati.
"O PT, não crescendo como imaginava, vai ter que se abrir mais ao diálogo e não pode mais ficar com a postura de governo partidário que mostrou nos últimos meses"
O PSDB acredita mesmo que o PT desejava implantar uma hegemonia partidária a partir das eleições municipais, como insinua o ex-presidente Fernando Henrique?
O aparelhamento do governo feito pelo PT deixa esta dúvida se o PT está ou estava pensando em ser um partido que se confunde com o governo. Eles costumavam dizer muito que o PSDB era um partido neoliberal, o que nunca foi, mas o governo do Lula parece caminhar para um neo-stalinismo. Essas últimas afirmações (do ministro José Dirceu) preocupam, mas eu espero que o resultado das eleições coloque o PT numa posição mais realista, que ele não consegue ser o partido único no Brasil.
Será que o PT aprendeu a lição dada pelas urnas de que terá mesmo que haver um governo de coalizão?
O fundamental é que o PT cumprisse o que prometeu e fizesse uma reforma política. Aí, nós poderíamos ter uma estrutura partidária mais madura no Brasil. O que nós estamos vendo hoje é lamentável. Em Belo Horizonte, há uma Câmara de Vereadores com 41 vereadores com 18 partidos. Então, você tem 18 líderes. A reforma política é fundamental. Nessas eleições, nós vimos um abuso do poder econômico da parte do PT. Nós vimos realmente que partidos foram usados como partidos de aluguel. Houve isso e não é bom para a democracia brasileira continuar com essa dispersão partidária que existe hoje.
"Nessas eleições, nós vimos um abuso do poder econômico da parte do PT. Nós vimos realmente que partidos foram usados como partidos de aluguel"
Não fica difícil para o PT fazer uma reforma política quando a base aliada do governo Lula não tem nenhum interesse nisso?
Está aí o desafio. Se o Lula estiver mesmo pensando em uma estrutura maior para o país, de futuro, estiver pensando grande, ele faz a reforma política enfrentando os desafios que existem. Agora, se ele estiver acomodado a um jogo de interesses, em que você coopta aliados para partidos satélites, eu acho que aí ele não fará nada. O desafio está colocado. Se ele estiver pensando como disse pensar, como disse no discurso de posse, ele fará a reforma política mesmo que isso custe a ele a perda de alguns aliados nanicos, mas ele pode ganhar numa reformulação maior. O PT, hoje, usa alguns aliados, mas não deixa esses aliados entrarem no partido em nível nacional, mas em nível municipal eles não fizeram nenhum filtro. No passado, eles fizeram alguns filtros. Hoje, temos todo tipo de prefeito pelo PT. Eles criticavam muito os capitalistas. Hoje, está cheio de capitalistas como prefeitos do PT. Eles criticavam as alianças feitas pelo PSDB, Hoje, fazem alianças muito mais heterodoxas do que nós fazíamos.
"Eles criticavam muito os capitalistas. Hoje, está cheio de capitalistas como prefeitos do PT. Eles criticavam as alianças feitas pelo PSDB, Hoje, fazem alianças muito mais heterodoxas do que nós fazíamos"
As eleições municipais não acabaram antecipando o debate em torno da reeleição de Lula? O PSDB vai mudar alguma coisa no Congresso? Vocês, tucanos, já se tornaram o inferno no PT, especialmente no Senado. Isso ainda pode mudar?
O PSDB também vive um desafio, que é fazer uma oposição de responsabilidade, uma oposição madura. Às vezes, existem grupos dentro do PSDB que defendem uma oposição mais agressiva. Aqueles que defendem uma oposição mais madura são, às vezes, acuados pela arrogância de alguns membros do governo. Esse é o jogo que tem acontecido. Eu não prevejo realmente mudanças muito significativas agora. Eu acho que o que vai acontecer é que o PT tem que reconhecer que o PSDB é um partido forte, que tem quadros e que tem que ser respeitado. Agora, se no dia-a-dia do Congresso, eles insistirem na questão da arrogância, isso vai cada vez mais afastar o PSDB de um entendimento em determinados assuntos.
Não fica mais difícil para vocês, tucanos, desenharem um projeto de oposição com a evolução do PT para um quase PSDB, sobretudo na área econômica?
Pior. É um PSDB piorado. Está mais próximo do PMDB.
Pode ser, mas que alternativa o PSDB pode oferecer ao eleitor em nível nacional, já que o PT usou boa parte do programa tucano? Como será na campanha presidencial?
A eleição presidencial se faz também em torno de nomes e o PSDB tem nomes até em excesso.
O senhor se refere ao Aécio Neves e ao Geraldo Alckmin, os dois grandes nomes do PSDB no momento?
Sim. E tem também o Tasso e o Fernando Henrique.
O ex-presidente Fernando Henrique seria o candidato do PSDB no caso de uma catástrofe do governo Lula?
É claro que, para quem já foi duas vezes presidente da República, voltar para um terceiro mandato seria um momento muito raro. É difícil acontecer. As eleições municipais mostraram os três – Aécio, Tasso e Alckmin – como nomes preservados para disputar a Presidência da República.
"Para quem já foi duas vezes presidente da República (FHC), voltar para um terceiro mandato seria um momento muito raro. É difícil acontecer"
O governador Aécio não conseguiu se impor em Belo Horizonte?
Acredito que, no caso de Belo Horizonte, houve um erro de preparação das eleições. O partido não se preparou para as eleições municipais em Belo Horizonte. O candidato João Leite cometeu um erro que foi lá trás, quando ele saiu do PSDB e se filiou ao PSB, apoiando o Garotinho. Isso teve conseqüências. Na hora que o PSDB o apoiou, ele já estava enfraquecido. Agora, o PSDB em si foi uma partido que não se preparou para a eleição em Belo Horizonte. Eu avisei com antecedência que o meu nome não seria um nome viável porque eu estava iniciando o mandato no Senado, mas houve uma certa insistência nisso. Não houve um preparo. O PSDB saiu-se bem pois elegeu 150 prefeituras em Minas. Foi o partido que obteve mais prefeituras.
O governador Aécio tem falado muito que já é hora de se acabar com a “paulistização” do partido. Essa também é uma reivindicação de outros partidos, que reclamam da excessiva concentração de poder nas mãos de paulistas.
Não é bom para o país que você tenha a força econômica somada à força política. Acho que é bom que você tenha uma distribuição melhor das duas coisas. A econômica, até tem acontecido devagar, mas tem. Existe uma descentralização econômica no país. Se formos olhar a indústria automobilística, por exemplo, ela só existia em São Paulo. Hoje ela está presente em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Bahia e Rio de Janeiro. São sete estados que produzem automóveis. Do ponto de vista político, tem havido o contrário, com uma concentração política em São Paulo, que acompanha um pouco essa questão econômica. Os políticos paulistas souberam, também, se modernizar e acompanhar a evolução econômica da sociedade. No caso de Minas Gerais, que sempre foi um berço político, ficou muito na política dos discursos. Não se adaptou à nova política, à política de resultados. Isso tirou um pouco o espaço de Minas Gerais. Existe uma nova geração em Minas que procura compatibilizar a tradição com a economia. O Aécio procura fazer isso. Modéstia à parte, o meu governo também teve isso. Eu acho até que tive um lado econômico mais forte. O Aécio procura fazer os dois. O governo Itamar, por exemplo, foi uma negação. Foi um governo só de palavras, um estilo que não traz conseqüências positivas. Ao contrário, somente trouxe conseqüências negativas. Essa descentralização política é muito importante sim.
O senhor acha que o seu partido, o PSDB, está deixando de ser paulista em excesso?
O líder da Câmara é mineiro e o líder do Senado é amazonense. A gente pode caminhar para uma descentralização. Agora, o que colabora para essa centralização é o fato de que as grandes redes de televisão estão localizadas mais no Rio e São Paulo, assim como a mídia em geral. Posso até fazer uma colocação mais ampla. Você tem concentração econômica. Tem concentração da mídia. Acaba tendo uma concentração da política. Até por uma questão de economia, as redes de televisão preferem ouvir quem está lá, em São Paulo, do que fazer algo mais moderno, que é fazer uma rede e ouvir cada um onde está. Os Estados Unidos também é um exemplo de descentralização. Se formos olhar, os últimos presidentes norte-americanos são de estados diferentes e até de estados pequenos, como o Jimmy Carter e o Bill Clinton.
"Até por uma questão de economia, as redes de televisão preferem ouvir quem está lá, em São Paulo, do que fazer algo mais moderno, que é fazer uma rede e ouvir cada um onde está"
Seriam todos caipiras aqui no Brasil.
(Risos) É, seria tudo caipira!
Como fica o FHC? Que papel cabe ao ex-presidente?
Ele é um estadista. É um homem respeitado. Fez um bom trabalho na Presidência da República. Conseguiu preparar o Brasil para esse crescimento que está acontecendo agora. É evidente que só uma pessoa mais ingênua poderia acreditar que esse crescimento do Brasil é fruto do governo do PT. Ele é fruto de uma preparação do país e do bom senso do PT, do ponto de vista econômico. O Fernando Henrique tem o seu papel.
"Só uma pessoa mais ingênua poderia acreditar que esse crescimento do Brasil é fruto do governo do PT. O Fernando Henrique tem o seu papel"
Voltando ao caso José Dirceu, dá para imaginar o que aconteceria se um ministro do governo Fernando Henrique ou do Collor tivesse o comportamento do chefe da Casa Civil do Lula?
Ele tem características mais ao estilo do Sérgio Motta (ministro das Comunicações de FHC já falecido). Só que o Sérgio Motta não era o chefe da Casa Civil. Essa é que é a diferença. O Sérgio Motta tinha esse estilo mais agressivo, mas ele não era o primeiro-ministro.
Como o senhor analisa essa constante troca de farpas entre tucanos e o ministro José Dirceu? Que papel o senhor avalia que o ministro tem no governo?
O presidente Lula não tem o gosto ou não tem o acompanhamento administrativo. Isso me parece uma questão clara. Ele tem as características de um líder, mas ele não tem as características de um gestor. Já o José Dirceu, pela sua própria experiência, acaba sendo o gestor. Nós vivemos uma situação no país em que existe realmente uma concentração de poder nas mãos do José Dirceu. Agora, para ele exercer essas funções, não poderia ser tão partidário como ele tem demonstrado, tão trator.
"(Lula) tem as características de um líder, mas ele não tem as características de um gestor. Já o José Dirceu, pela sua própria experiência, acaba sendo o gestor. Agora, para ele exercer essas funções, não poderia ser tão partidário, tão trator "
O que o senhor quer dizer com neo-stalinismo? Se refere ao projeto do Conselho Federal de Jornalismo e à tentativa de controlar a produção cultural através da criação da Agência de Cinema?
Do partido se confundir com o poder em vez de dar preferência ao diálogo partidário. A ocupação do governo por militantes. Esse tipo de movimento de você instrumentalizar o governo, de você vir com instrumentos de controle de opinião, do partido se confundindo com o governo. Isso seria o neo-stalinismo.
"Esse tipo de movimento de você instrumentalizar o governo, de você vir com instrumentos de controle de opinião, do partido se confundindo com o governo. Isso seria o neo-stalinismo"
Então, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se oporia ao ministro Dirceu por ter um perfil mais liberal?
A gente vê uma mudança no comportamento do José Dirceu. No ano passado, quando ele precisava da oposição para apoiar as reformas, ele teve o comportamento de diálogo e mais humilde. Neste ano, primeiro ele ficou mais reservado após o episódio Waldomiro Diniz, mas depois, quando o governo viu alguns resultados econômicos mais positivos, ele parece que resolveu vir à forra. Então, ele voltou à cena com o fígado. Eu estive com ele o ano passado. Estive com o presidente Lula no Alvorada. Naquela época, eles tinham outro comportamento. Agora, o comportamento (é) muito mais agressivo. Será que é por que não precisam mais de nós como precisavam? Será que já conseguiram o precisavam? Eles estão cada vez mais aumentando a distância.
|
Deixe um comentário