Erich Decat
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vota hoje (27) polêmica proposta de emenda à Constituição (
PEC 47/05), de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que acaba com o sigilo bancário e fiscal de todos agentes políticos, do presidente da República ao vereador, e dos funcionários públicos.
A matéria une parlamentares da base do governo e da oposição que se dizem contrários à mudança na Constituição. Representantes dos servidores criticam a iniciativa, que, segundo eles, pode servir como instrumento político e de perseguição. Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Rodolfo Teixeira, a proposta é de cunho eleitoral.
Em contrapartida, o relator do projeto na CCJ, senador Pedro Simon (PMDB-RS), que irá apresentar o parecer na sessão de hoje, se diz favorável à proposta do colega.
A princípio, a proposta de Buarque trata apenas da quebra de sigilo bancário e financeiro dos agentes políticos e ocupantes das funções de confiança e dos cargos em comissão das administrações direta e indireta de qualquer dos poderes da União. No parecer de Simon, essa regra foi estendida a todos os funcionários públicos.
“É de nosso entendimento, e por isso sugerimos um substitutivo à PEC, que não apenas os que exercem cargos comissionados ou funções de confiança devem ser excluídos da manutenção dos sigilos bancário e fiscal, mas que esta exclusão tenha sua aplicação ampliada para todos os servidores e agentes públicos, assim como nas transações financeiras efetuadas por obrigação de contratos feitos com a administração pública”, ressalta o senador em trechos do parecer.
O peemedebista é autor de proposta similar, o
PLS 194/05. O projeto acaba com o sigilo bancário de deputados, senadores, ministros, do presidente e seu vice, dos diretores partidários e dos presidentes e diretores da administração direta e indireta. A proposta de Simon se encontra engavetada junto com outras 2 mil na CCJ, aguardando entrar na pauta da comissão.
Regras
Segundo a Lei Complementar 105/2001, a quebra de sigilo bancário poderá ser decretada quando for necessária para apurar qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial. Essa quebra deve ser feita principalmente na investigação de atos de terrorismo, tráfico de drogas, tráfico de armas, seqüestro, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, além dos crimes contra o sistema financeiro, a administração pública, a ordem tributária e a previdência.
Fora dessas hipóteses, romper o segredo sobre as movimentações financeiras é considerado crime. Os responsáveis podem ser condenados de um a quatro anos de prisão e multa.
Remoção de entulhos
No texto da proposta de Cristovam Buarque, o senador defende a medida como um “choque” de moralidade na administração pública. “Propomo-nos, portanto, com a PEC que ora apresentamos, a colaborar com esforço nacional no sentido de remover os entulhos de quaisquer naturezas que emperram o nosso país e atrasam o encontro de nosso povo com o seu futuro’, ressalta o parlamentar em trecho do projeto.
Procurado pela reportagem, o senador explicou como seria feito o acesso aos dados bancários de quaisquer políticos e servidores. “Bastaria o interessado ir ao banco e pedir o extrato com a movimentação do funcionário ou do político”, afirmou.
Apesar de defender a divulgação dos dados bancários e fiscais, o senador disse que não tomaria essa iniciativa caso a proposta fosse rejeitada no Congresso. “Não faria isso porque não quero parecer melhor do que ninguém. Talvez se encontrasse um grupo disposto a isso, quem sabe”, ponderou.
Para o secretário-geral da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSP), Sebastião Soares, a medida fere o princípio da individualidade previsto na Constituição. “Não é um princípio republicano expor dessa forma a vida das pessoas. Essa transparência abre precedente perigoso para uso político das informações e também podem servir para perseguição”, afirmou Soares, que se diz favorável a quebra de sigilo mediante autorização judicial.
Para o senador Pedro Simon, o princípio evocado por Soares não deve se sobrepor ao da proteção do patrimônio público. “O direito ao sigilo bancário é uma das expressões do direito à privacidade, direito individual que se aplica, em princípio, a todos. Por outra parte, tem o Estado o direito de proteger o seu patrimônio, por exemplo, de toda sorte de corrupção, em benefício da sociedade”, afirma em trecho do relatório.
Simon diz que o sigilo fiscal pode ser quebrado sem violar a privacidade do cidadão. ”O sigilo fiscal refere-se à proteção dos dados econômico-fiscais dos contribuintes, o que não se confunde com as informações referentes à vida íntima, ou seja, dados sensíveis.”
Bagunça
Para o vice-líder do Bloco de Apoio ao Governo no Senado Renato Casagrande (PSB-ES), a liberação dos dados bancários e fiscais dos agentes políticos e de servidores deve se restringir às entidades competentes. “A principio não tenho nada contra a proposta, mas acho mais adequado que as instituições como o Ministério Público e a polícia tivessem esse tipo de informação. Essa questão também não pode virar uma bagunça”, afirmou à reportagem.
O líder do DEM na Casa, José Agripino (RN), considera um desrespeito a mudança das regras. “Não conhecia essa matéria. Acho um desrespeito. Os direitos dos cidadãos também devem se mantidos para os parlamentares”, ressaltou.
Proposta eleitoreira
Para o cientista político Rodolfo Teixeira, a proposta pega carona no período eleitoral para ganhar popularidade. “Nesse período, existe certo entusiasmo de alguns parlamentares para tentarem aprovar algumas leis. Imagina um professor de nível federal ter o sigilo quebrado? Isso é bastante complicado”, ressaltou.
Segundo ele, caso a proposta seja aprovada no Congresso, dificilmente ela “passaria” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Duvido que o Supremo aprove uma visão tão radical. Acredito que tem outros canais. Temos o sistema de poderes justamente para um poder fiscalizar o outro”, disse.
Apesar de contrário à proposta, Teixeira defende o aumento do poder de fiscalização da Receita Federal como forma de controle fiscal e bancário de possíveis ilegalidades.
Caso seja aprovada na CCJ, a proposta segue para o plenário do Senado, onde precisará ser aprovada por 49 votos, em dois turnos, para ser encaminhada para a Câmara.
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