Há cerca de dez anos emperrado no Senado, o pacto federativo está prestes a ser alcançado por meio de uma série de propostas que, dispostas em um cronograma pré-definido para a próxima semana, pretende colocar um ponto final na guerra fiscal entre estados e municípios. As providências legislativas, aliadas a iniciativas do Executivo, via medida provisória, foram acertadas ontem (quinta, 9), em café da manhã oferecido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a senadores envolvidos com o tema. No entanto, o governo não poderá contar com o apoio do Senado para aumentar impostos ou criar tributos, como defende Levy, que em tempos de ajuste fiscal e crise econômica, ajudariam a União a socorrer financeiramente os entes federados.
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Durante a reunião, segundo um interlocutor do Ministério da Fazenda, “foi descartada categoricamente a possibilidade de ir ao contribuinte para buscar recursos para tais fundos”. Ou seja, nada de aumento ou criação de impostos. A alternativa, de acordo a fonte, será a repatriação de recursos alocados no exterior de maneira lícita, mas não declarados à Receita Federal. Como prefere o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), trata-se de “regularização de recursos lícitos que estão fora do Brasil”. Em outras palavras, a origem do recurso terá de ser comprovadamente legal para que ele possa retornar ao Brasil, de forma a evitar que dinheiro do tráfico de drogas ou de lavagem de dinheiro seja legalizado com o retorno ao país.
“A definição é que criaremos dois fundos: um compensatório, para os possíveis estados perdedores [com perdas na exportação em decorrência da provável diminuição no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS]; e um fundo de investimento, que vai levar em conta a proporção dos IDHs [Índice de Desenvolvimento Humano] dos estados brasileiros, obviamente para que a gente possa trazer um pouco de alento ao Nordeste, do ponto de vista do desenvolvimento”, declarou o líder peemedebista, ao fim da reunião.
Há tempos considerada como alternativa, a repatriação do dinheiro no exterior será definida por meio de projeto já em tramitação no Congresso. Esses recursos custearão os fundos de compensação financeira, para cobrir eventuais perdas de arrecadação entre estados produtores, e de infraestrutura, que servirá de suporte para a elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). A estimativa é que apenas o fundo para compensar as perdas dos estados necessite de aportes entre R$ 600 milhões e R$ 1 bilhão.
Cronologia
A depender dos senadores envolvidos no esforço pelo pacto, o caminho legislativo obedecerá à seguinte cronologia, com destaque para as movimentações no Senado: na segunda-feira (13), o governo deve encaminhar ao Congresso uma ou duas medidas provisórias (MPs) justamente criando os fundos de custeio (compensatório e de infraestrutura). As MPs são essenciais para que seja viabilizada a aprovação do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 01/2013, cuja relatoria foi entregue ao senador Wellington Fagundes (PR-MT).
Em discussão na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, a matéria se presta a estabelecer alíquotas de ICMS nas operações e prestações interestaduais. O assunto sempre reacende a discussão sobre a competição entre estados e municípios – a já mencionada guerra fiscal – e a distribuição de nacos do bolo tributário concentrado nas mãos da União.
O segundo passo das providências legislativas é a votação, já na terça-feira (14), das proposições que dispõem sobre a repatriação de recursos. Para legalizar o dinheiro, seu dono pagaria 17,5% de imposto de renda e igual taxa de multa, resultando em uma retenção percentual de 35% do valor total pelo Fisco. Para evitar o risco de inconstitucionalidade, os senadores vão procurar órgãos e instituições do governo nos próximos dias, como o Ministério da Justiça.
Segundo o Projeto de Lei do Senado (PLS) 298/2015, de autoria de Randolfe Rodrigues (Psol-AP), o proprietário de determinado montante pode optar por mantê-lo no exterior, mas terá de comunicar seu registro à Receita Federal. Também seria votada a proposta de emenda à Constituição (PEC) desvinculando parte das receitas da repatriação dos cofres da União em favor do fundo de compensação. A Fazenda calcula que o total não declarado no exterior chegue a US$ 200 bilhões.
Arremate
Por fim, na quarta-feira (15), os senadores passariam à votação do PRS 01/2013, que reduz progressivamente as alíquotas do ICMS até unificá-las em 4% em alguns casos, com o objetivo de pôr fim à guerra fiscal. Em audiências públicas e reuniões sobre o projeto, o relator Wellington Fagundes tem dito ser impossível aprovar essa reforma do ICMS sem compensações para estados e sem a implementação de uma política de desenvolvimento regional que harmonize os interesses dos entes federados.
Além disso, considera o parlamentar, é inócuo criar fundos sem aporte de recursos, como seria o caso do Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações (FEX, antiga Lei Kandir), destinado a municípios desde 2004. Seja por entraves burocráticos, falta de vontade política ou mesmo restrições orçamentárias, a regularidade dos repasses tem sido comprometida nos últimos anos, prejudicando a saúde financeira dos entes – problema que está na mira de projetos como os PLS 136 e 137/2015, da senadora Lúcia Vânia (sem partido-GO), que justamente pretende pôr fim à casualidade dos repasses.
Segundo Wellington, seu relatório ao PRS 01/2013, uma vez aprovado, resolveria uma problemática há anos debatida no Congresso, sem avanços efetivos. Enquanto isso, avalia o senador, houve uma verdadeira “erosão da base tributária” dos estados, com desdobramentos graves para os municípios, como a queda acentuada nos níveis de investimento. Mas o congressista adverte: é necessário que haja uma “amarração constitucional” que garanta vinculação orçamentária para repor as perdas decorrentes dos novos parâmetros de cobrança do ICMS.
Novos rumos
Como disseram ao final do café da manhã com Levy, senadores acreditam ter, enfim, encontrado uma equação legislativa que possa levar ao fim da guerra fiscal. A fórmula asseguraria que estados e municípios estivessem finalmente resguardados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), com o Senado tentando harmonizar as unidades da Federação e a União como agente indutor do desenvolvimento, mesmo face à restrição arrecadatória imposta pelo Congresso. O próprio ministro disse ter considerado “bastante produtiva” a reunião com os parlamentares.
“A ideia é encontrar fontes para avançar na política de infraestutura – dentro da ideia de desenvolvimento regional – e no ICMS, que destrava investimentos”, observou o ministro.
Presidente da Comissão Especial para o Aprimoramento do Pacto Federativo, Walter Pinheiro (PT-BA) diz concordar com Wellington no que diz respeito às medidas para evitar uma “nova Lei Kandir”. Para o petista, garantias constitucionais devem ser promovidas para que repasses não sejam descumpridos. Paralelamente às proposições em discussão, Walter apresentou a PEC 41/2014, que também dispõe sobre os fundos e a unificação do ICMS.
“Só aprovaremos a resolução na Casa, com o envio pelo governo de uma proposta que crie os dois fundos. Nós temos a clara intenção de que só é possível ter a garantia dos fundos se forem constitucionalizados. Ou seja, não dá para repetir uma lei Kandir”, avisou o senador, na última quarta-feira (8), depois de reunião com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Como este site mostrou em 2012, proposições destinadas a alterar o sistema de arrecadação dos entes da Federação – como o projeto que mudou os critérios de distribuição dos royalties do petróleo e o que pretendia unificar em 4% a alíquota do ICMS sobre produtos importados – invariavelmente geram atrito no Congresso, e com o governo a acompanhá-los com lupa. A explicação é simples: estados que perdem recursos querem compensações, enquanto estados que lucrarão não querem ceder.