Esposa de Agaciel é sua subordinada na Secretaria de Estágios (Roosevelt Pinheiro/ABr)
Lúcio Lambranho e Eduardo Militão
Desde que começou a coordenar o recrutamento de estágios no Senado, nomeada em setembro de 1999 pelo próprio marido na Secretaria de Estágios, a servidora Sânzia Maia passou a cometer, juntamente com o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, um ato ilegal, segundo juristas ouvidos pelo Congresso em Foco.
É que a Lei 8.112/90, que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, proíbe que se mantenha sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil. A proibição está definida no artigo 117, inciso VIII.
De acordo com a assessoria de imprensa do Senado, há 252 estagiários na Casa, mas um projeto de resolução (PRS 17/2004) pretende ampliar as contratações para os gabinetes dos senadores, tanto em Brasília como nos estados. A estimativa é de que o custo dos convênios com as universidades poderia até dobrar, passando de R$ 2,5 milhões para R$ 5 milhões por ano.
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Na prática, a aprovação do projeto de resolução aumentaria o poder do casal Maia na indicação de um número maior de estagiários. Nos bastidores, o centro da questão é uma briga política pelo poder na administração do Senado. Os senadores querem também ter o direito de contar com estagiários em seus gabinetes, o que não é possível hoje. O ato, atualmente, está concentrado nas mãos do diretor-geral e de sua mulher no comando do recrutamento de universitários em nove universidades em Brasília.
Fura fila
Funcionários com cargos de coordenação no Senado disseram ao site, sob a condição de se manterem no anonimato, que a Secretaria de Estágios, apesar da pouca visibilidade, é uma das meninas dos olhos de senadores e diretores da Casa. Daí o olhar atento para o gabinete ocupado por Sânzia.
Não por acaso. Segundo essas mesmas fontes, pedidos para que apadrinhados políticos avancem na fila formada por estudantes universitários que brigam por uma vaga de dois salários mínimos (R$ 830 mensais) são mais que rotineiros. Cerca de cinco mil pedidos de estágio, segundo o Senado, são feitos por semestre.
O Congresso em Foco também obteve depoimentos de dois estagiários – que só foram selecionados quase dois anos após a entrega de seus currículos – de que a ordem de chegada, única regra seletiva do processo, não foi respeitada no caso deles. Isso, segundo eles, teria ocorrido em outras situações.
Secretários de comissões permanentes também relatam que até dois anos atrás tinham autonomia na seleção final, feita após entrevistarem de três a quatro candidatos.
De lá pra cá, porém, a Secretaria de Estágio, comandada por Sânzia Maia, passou a entregar a folha de ponto com o nome do escolhido sem que os responsáveis pelas comissões pudessem opinar ou ter um estagiário com o perfil por eles exigido.
Público em privado
Mantida com naturalidade no Senado, a relação trabalhista do casal estampou as páginas dos principais jornais do país ainda em março de 1999. Na época, denunciou-se a prática do nepotismo cruzado entre Agaciel Maia e o então secretário-geral da Mesa Diretora, Raimundo Carreiro, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
O então presidente da Casa, senador Antonio Carlos Magalhães, insistia na instalação de uma CPI contra o nepotismo no Judiciário, quando foi surpreendido com a divulgação da contratação da aposentada do TCU Maria José, mulher de Carreiro, por Agaciel, e da mulher dele, a então analista legislativa Sânzia Maia, nomeada em junho de 1997 pelo próprio ACM, como chefe de gabinete de Carreiro.
“Eles estão transformando o que é público em privado. Eu não tenho dúvidas de que essa nomeação pode ser questionada”, avalia o advogado e mestre em Direito Constitucional, Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira.
O advogado também acredita que a nomeação é uma “afronta evidente à legislação” e passa a sensação de que o diretor-geral do Senado está imune ao que prevê a Lei 8112/90. “É um poder monumental que esses servidores vão adquirindo dentro da burocracia com a permanência deles e as passagens dos senadores”, diz.
Ferindo a Constituição
Sobre a necessidade de uma legislação específica para combater casos de nepotismo, o advogado é categórico na sua posição. Segundo ele, a Constituição e a legislação que regula os atos do funcionalismo público já são mais do que suficientes para anular atos que incluam a contratação de parentes de servidores efetivos.
“As pessoas que se beneficiam desses atos alegam que é necessário algo específico para anular seus interesses, mas esquecem que os princípios de impessoalidade e da moralidade da Constituição já foram feridos”, diz Luiz Tarcísio.
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano também acredita que a nomeação fere os princípios da impessoalidade e da moralidade da Constituição Federal. “Essa lei do servidor que regula o princípio da impessoalidade foi criada para evitar o tratamento pessoal no serviço público. Em tese, não tenho dúvidas de que uma ação popular ou uma ação do Ministério Público pode anular essa nomeação”, afirma o constitucionalista.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Senado nega as acusações de que haja apadrinhamento político na fila de estágios. O Senado diz que recebe um “número muito superior à capacidade de absorção do órgão”.
“É natural, portanto, que exista um cadastro de espera separado por curso superior. Surgindo a vaga, o candidato é contatado”, diz o comunicado enviado ao site (leia a integra). “Não há interferência de senadores e de outros políticos na seleção de estagiários no Senado”, completa a nota.
“Grande faculdade”
O projeto de autoria do senador Valdir Raupp (PMDB-RO) que pode ampliar as vagas de estágios no Senado não estabelece o número de vagas a que cada senador teria direito. Também não prevê regras para a seleção nem define como a Casa deverá ajustar seu orçamento para cumprir a resolução.
O texto já foi aprovado pelas comissões de Educação e Constituição e Justiça do Senado e aguarda um relator na Secretaria-Geral da Mesa desde o dia 2 de janeiro de 2007. O projeto também não é claro em outro ponto: não determina se as vagas serão criadas ou se haverá um remanejamento de estagiários de outros departamentos e comissões para atender aos senadores nos seus gabinetes.
“Todo mundo fala que o Congresso é uma grande faculdade. Você aqui aprende tudo na área jurídica e econômica. Até agora, a aceitação foi boa ao projeto”, justifica Raupp.
Um assessor que acompanha a tramitação do projeto de resolução desde seu início explica que a iniciativa surgiu quando parlamentares constataram que não tinham poder para escolher seus estagiários. “O critério aqui hoje é: ‘Quem é amigo do rei?’”, critica o funcionário, que prefere o anonimato. “Por que a diretora de estágio pode nomear e os senadores não?”, questiona.
“Subversão da ordem”
O corregedor da Casa, Romeu Tuma (PTB-SP), é a favor dos estágios, assim como Raupp. “Sou favorável aos estagiários. É melhor do que cargo de confiança. Eles trabalham muito e nós damos oportunidades aos estudantes”, afirma o senador.
Tuma discordou, porém, do critério de ordem de chegada previsto em lei. “A ordem de chegada é subversão da ordem”, reclamou ele, ao Congresso em Foco.
O corregedor defende um processo seletivo e a assinatura de convênios com universidades, o que já acontece. O senador prometeu investigar as denúncias de que alguns estudantes são beneficiados em detrimento de outros. “Vamos ver isso. É uma denúncia e eu vou ver isso”, frisou Tuma.
Ainda segundo o Senado, a lei estabelece o quantitativo de até 20% do número de cargos de nível superior como o limite de vagas para estágio. O número total de estagiários na Casa atualmente, diz a assessoria, corresponde a apenas 10% desse total.
Por isso, argumentam os assessores, se o projeto de resolução que estende a atividade dos aprendizes aos gabinetes for aprovado, não haverá necessidade de se remover ninguém do quadro que atua na área administrativa do Senado. Na prática, a proposta abre caminho até para dobrar o número de estagiários, aumentando as vagas para 500, caso sejam aplicados os 20% permitidos pela legislação.
Nomeações do marido
Sânzia Maia foi nomeada seis vezes para funções ou cargos diferentes no Senado (leia aqui os atos, aos quais o site teve acesso). Em duas dessas ocasiões, a nomeação foi feita por seu próprio marido. Uma em 1999, e a outra em 2000. Ambas justamente para a gestão do convênio com a Universidade de Brasília (UnB) para o recrutamento de estagiários.
O teor dos atos contradiz a informação da assessoria de comunicação do Senado de que Sânzia jamais foi nomeada pelo marido, mas sempre pelo presidente da Casa.
A mulher de Agaciel ocupa o cargo de secretária de Coordenação e Execução desde agosto de 2005. Essa nomeação também não foi assinada pelo presidente do Senado, mas sim pelo diretor-geral-adjunto no exercício da diretoria-geral, José Alexandre Lima Gazineo. O diretor-geral-adjunto foi também nomeado por Agaciel Maia. Assim como Sânzia, Gazineo também ocupa cargo de confiança subordinado ao diretor-geral.
A assessoria do Senado nega que Sânzia tenha sido nomeada por Agaciel. Segundo o órgão, ela foi nomeada pelo presidente da Casa, conforme prevê a Resolução 42/93. O ato, assinado pelo diretor-geral em exercício, se refere apenas à “designação” dela, um trâmite burocrático para fins de departamento pessoal.
Autonomia ou subordinação?
A assessoria de imprensa do Senado e a advocacia-geral da Casa usam argumentos contraditórios para firmar uma mesma posição: não há ilegalidade na relação de trabalho do casal Maia.
De acordo com a assessoria de imprensa, Sânzia, assim como todos os servidores e secretários do Senado, está sob a subordinação do diretor-geral, o seu marido Agaciel. “Em termos administrativos, todo mundo é subordinado ao diretor-geral”, informou a assessoria.
Mas a informação contradiz a resposta enviada por escrito ao site pelo advogado-geral da Casa, Alberto Cascais. Ele argumenta justamente o contrário. “A Coordenação de Estágio, na qual a Sra. Sânzia encontra-se lotada atualmente, tem status de Secretaria e, como tal, autonomia administrativa e funcional”, diz.
Se ainda estivesse na Secretaria-Geral da Mesa, para a qual foi nomeada pelo hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Raimundo Carreiro, em 1999, Sânzia não estaria sob a subordinação direta do marido. Isso porque os atos dessa secretaria têm independência em relação à diretoria-geral.
A contradição do argumento do advogado fica ainda mais clara quando se visita a página do Senado na internet. Na seção reservada para os candidatos ao estágio enviarem seus currículos, a vinculação entre a Secretaria de Estágios e a diretoria-geral é clara, como se pode ver aqui.
Em outras palavras: enquanto a assessoria diz que todos são subordinados na parte administrativa à Agaciel Maia, a advocacia alega que há “autonomia administrativa e funcional” em relação à Secretaria de Estágios.
O advogado do Senado argumenta ainda que não existe “uma relação de subordinação direta ao Diretor-Geral, mas apenas um controle finalístico, por parte deste, em relação à atividade-fim que é ali desenvolvida, como ocorre com as demais Secretarias da Casa”. “A designação da servidora não fere nenhum dispositivo legal”, completa a defesa do casal (veja a íntegra).
O Congresso em Foco também procurou diretamente Agaciel e Sânzia para ouvi-los sobre as questões relacionadas à Secretaria de Estágio e à questão legal sobre a subordinação da esposa ao marido dentro das estruturas do Senado. Sânzia, segundo sua assessoria, está de férias e o diretor-geral do Senado não atendeu as ligações do site para o seu celular feitas na última sexta-feira (15). Também não retornou o pedido de entrevista deixado com sua secretária na diretoria-geral.
A reportagem ainda entrou em contato com a assessoria do ministro do TCU Raimundo Carreiro e com a assessoria de comunicação do tribunal, mas não recebeu retorno.
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