Fábio Góis
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) subiu hoje (quarta, 26) à tribuna do plenário para fazer duras críticas ao projeto de reestruturação administrativa do Senado. Ao ler trechos de documento em que aponta diversas ingerências a respeito do trabalho – que foi anunciado com entusiasmo pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-RR), em meados do ano passado –, Simon demonstrou o que considera ser “trabalho para inglês ver” e desafiou quem defende a reformulação. E foi além: formalizou o pedido de revisão da reforma administrativa.
Leia a íntegra do requerimento
“A Casa nunca sentou para debater [a reforma]. Eu desafio que me digam!”, vociferou o peemedebista, que costuma confrontar Sarney em ocasiões diversas, inclusive em plenário. “O problema é a análise do que é [a realidade do Senado], do que deve ser e do que será.”
Entre diversas impropriedades da reforma apontadas por Simon, ganhou destaque a crítica aos superpoderes conferidos à Polícia Legislativa, que “garante a segurança” de servidores e senadores no Brasil e no exterior, quando for acionada pela Presidência do Senado: “Bem como realiza busca, apreensão e atividade de inteligência, investigação e inquérito”, discursou o senador, membro da Comissão de Constituição e Justiça, acrescentando que a força da polícia institucional “dobrou”.
“Nem no tempo da ditadura havia algo parecido. Quem vai dar as carteiras dos senadores e funcionários não é mais o serviço de pessoal da Casa. É a Polícia. Criaram o Serviço de Inteligência, e nisso está abrangido o que se quer e o que se possa imaginar. Investigações e inquéritos. Para isso, [a reforma] propõe uma estrutura de dar inveja a muitos Estados da Federação”, emendou.
O depoimento de Simon, aparteado por senadores como Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Suplicy (PT-SP), centrou fogo no inchaço funcional da Casa, que têm cerca de 10 mil servidores, e no que ele considera desdém pelo trabalho encomendado pelo próprio Senado à Fundação Getúlio Vargas (FGV). A instituição foi contratada em duas ocasiões – ao todo, o trabalho custou quase R$ 500 mil aos cofres públicos.
“A hipertrofia burocrática, a superposição de competências, a ausência de mecanismos eficazes de controle preventivo são temas que o projeto não enfrenta inovadoramente”, reclama Simon.
Sem critérios
Em 64 páginas, o material elaborado por Simon expõe “análise do texto proposto e justificação da necessidade de completa reformulação” do Projeto de Resolução 96/2009, que promove a reestruturação. O texto também requer “prévio envio de dados” à Diretoria Geral e à Mesa Diretora – a quem cabe dar prosseguimento aos trabalhos iniciados pela FGV.
“O texto de apresentação da proposta, laconicamente, se limita a afirmar que ele ‘moderniza a gestão e dá mais transparência ao processo decisório’. Mas esta é uma afirmação graciosa, porque não fundamentada nem justificada. Que critérios foram adotados para conceituar o que seja uma moderna gestão administrativa? Que instrumentos foram criados para assegurar maior transparência?”, questiona o senador, lamentando que o projeto de resolução, assim como os estudos preliminares, sequer apresenta justificação.
O texto de Simon – na verdade um substitutivo ao projeto de resolução – faz menção a escândalos revelados em 2009, como o dos atos administrativos clandestinos, que paralisou o Senado por quase todo o ano e quase levou à queda de Sarney da Presidência da Casa. “Na verdade, são públicos e notórios os antecedentes. Ninguém cogitava reforma administrativa até a eclosão dos inúmeros e sucessivos escândalos envolvendo a administração da Casa. Logo após, surge a idéia de ‘modernização’ como uma panacéia capaz de resolver todos os males”, fustiga o senador.
As declarações de Simon vão ao encontro de reportagem publicada pelo Congresso em Foco em dezembro de 2009. Intitulada “Senado quer ampliar gastos com comunicação”, a matéria mostra que da lista de desmandos do projeto de reformulação consta o aumento de gastos com comunicação e a apresentação de sugestões por servidores da Casa – prerrogativa que não consta do regimento interno (leia a reportagem). Ou seja, a proposta contraria os planos de “enxugamento” anunciados por Sarney em outubro de 2009. (leia mais)
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Conheça a íntegra do “Projeto de Reestruturação Administrativa” apresentado à época
“Agacielização”
Segundo o senador gaúcho, a cúpula do Senado legisla em causa própria. “Esse plano de carreira domina a Casa é a única coisa de que se fala, é o que se respira”, bradou Simon, desferindo crítica especial ao departamento que seria responsável pelas propostas de aprimoramento administrativo.
“Esse conselho de administração, que há quase 15 anos não se reunia, apresentou projeto substitutivo que desfigurava o plano da FGV!”, acrescentou Simon, em mais um trecho do documento que leu na tribuna. “Talvez o Senado estivesse e esteja a carecer de uma ampla e abrangente reestruturação, pois o vigente diploma data do início da década de 70. Ao longo dos últimos 30 anos limitou-se a Casa a introduzir alterações pontuais.”
“Saiu Agaciel [Maia, ex-diretor-geral do Senado], mas a Casa continua ‘agacielizada’”, disse Jereissati, que apresentou hoje emendas ao novo regimento interno do Senado, em referência ao pivô do maior escândalo da história da instituição, a emissão dos atos secretos administrativos.
A exemplo de Simon e Jereissati, diversos senadores têm fortes divergências e relação ao projeto de reformulação anunciado por Sarney – as manifestam há tempos (leia mais). Em junho de 2009, um grupo suprapartidário chegou a apresentar proposta paralela à reformulação que estava em curso, mas nada foi aproveitado pela Mesa Diretora.
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A depender da cúpula da Casa, a polêmica sobre o projeto de reformulação promete: o mesmo trabalho prestado pela FGV no ano passado acaba de ser contratado. O pedido de nova contratação foi feito pela comissão de sindicância responsável pela supervisão dos trabalhos administrativos, diante da “superficialidade” do primeiro trabalho apontada por Jereissati. A nova empreitada custará mais R$ 250 mil aos cofres institucionais.
Jereissati diz que o custo é “simbólico”, e que consultores custariam mais caro do que a FGV.
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