O acordo quase unânime pela aprovação da matéria – PSDB e DEM se opuseram a pontos do texto – foi obtido justamente devido à promessa não oficialmente declarada de que a presidenta Dilma Rousseff não vetará o dispositivo do fator previdenciário. Caso Dilma o vete, parlamentares da Câmara e do Senado articularão a derrubada dessa negativa presidencial, como avisaram vários senadores em plenário, inclusive do próprio PT. Nas contas do governo, a flexibilização previdenciária terá impacto de R$ 40 bilhões nos próximos dez anos.
“Essa garantia de veto não chegou [ao plenário]. Se essa garantia tivesse chegado, nós certamente votaríamos a favor”, observou em plenário o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), pouco antes de ser iniciada a votação. Denunciando o que classificou como “armadilha legislativa” Randolfe cobrou dos colegas que anunciaram voto favorável ao texto o compromisso de trabalhar pela derrubada de um eventual veto de Dilma à questão do fator. “Eu não vou permitir ser usado como massa de manobra”, emendou Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), cobrando o veto, mas anunciando abstenção do voto, a exemplo de Randolfe.
Depois de anunciar o resultado da votação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reforçou o coro da cobrança em relação à sanção presidencial referente ao fator. “Esta é uma nova oportunidade para a presidente não vetar o fim do fator previdenciário. Se ela preferir vetar, ela estará preferindo dar uma pedalada no aposentado brasileiro”, disse Renan, equivocando-se ao citar o fim do fator. Na verdade, os efeitos do mecanismo estão mantidos, mas não alcançam os aposentados enquadrados na equação 85/95.
A alteração executada na Câmara, por iniciativa do PTB, aplica no fator previdenciário a “Fórmula 85/95” – o cálculo prevê que homens se aposentem quando a soma da idade e do tempo de contribuição ao INSS chegar a 95 anos (55,5 de idade e 39,5 de contribuição); já para as mulheres, essa matemática cai para 85 anos (55 de idade e 30 de contribuição). Esse modelo é defendido há anos por senadores como Paulo Paim (PT-RS), que, em entrevista a este site, disse que tentaria incluí-la na medida provisória – tarefa adiantada pela Câmara.
A fórmula já é adotada para servidores públicos nos termos da chamada “PEC Paralela”, que o senador ajudou a viabilizar no Congresso – a matéria, que tramitou simultaneamente na Câmara e no Senado, com números diferentes, foi promulgada em 2005 e visa impedir prejuízos previdenciários à classe. Paim quer agora universalizar o benefício para trabalhadores da iniciativa privada, inclusive terceirizados. Vendo o encaminhamento de aprovação da matéria, Paim discursou e foi aparteado em plenário.
“Eu faço um apelo de coração, de alma, daquilo que há de melhor, eu diria, na energia do universo, à presidenta Dilma: que não vete essa proposta, que, tenho certeza, vai ter o apoio da oposição, vai ter o apoio da base do governo. […] Se há uma coisa que unifica hoje o povo brasileiro é essa mudança no fator previdenciário. É um grande momento da vida nacional, presidenta, e nós todos, não só do PT, mas eu diria de todos os partidos desta Casa, fazemos um apelo a vossa excelência: que não vete o fator previdenciário”, exortou Paim.
Alterações
O texto aprovado na Câmara e no Senado determina a redução de 24 para 18 meses o prazo mínimo de contribuição para que o cônjuge ou companheiro tenha direito à pensão por morte. A MP 664/2014 também exige tempo mínimo de dois anos de casamento ou união estável para que o benefício seja concedido. Mas o relatório prevê que, no caso de o segurado morrer antes de completar 18 meses de contribuição, ou se a união tiver menos de dois anos (perdendo, assim, o caráter estável), o parceiro terá direito a quatro meses de pensão.
Por alterações promovidas na Câmara em relação ao texto do governo, a pensão volta a ser integral e não mais distribuída na cota familiar. A proposta original dava direito a 50% da pensão para o cônjuge e mais 10% para cada dependente, até no máximo de cinco.
Para o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), as ações do ajuste se destinam a corrigir “distorções”. “São medidas provisórias principalmente voltadas para eliminar disfunções. Acho que, durante o período em que fizemos esse debate, essa tese não ficou clara. São disfunções que já deveriam ter sido eliminadas muito antes, lá atrás, para não desperdiçar o dinheiro arrecadado de toda a população brasileira”, ponderou o petista, referindo-se às concessões indevidas de benefícios.
Principal líder da oposição no Senado, Aécio Neves (PSDB-MG) discordou do colega, e centrou fogo em sua adversária de pleito eleitoral. Para o tucano, o apoio do governo à flexibilização do fator previdenciário é ocasional. “A nossa posição é absolutamente clara, cristalina: votamos contra a medida provisória porque o governo se prepara para vetá-la. Em não vetando, estarei aqui a ser o primeiro a aplaudir a senhora presidente da República”, discursou.
Ministro da Previdência Social no primeiro mandato da presidenta Dilma (2011-2014), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) também foi à tribuna apontar as incongruências apontadas por Delcídio. “Todos aqui me conhecem, eu não sou um homem de bravata. Não estou aqui para fazer graça. Tenho consciência de que o Brasil em que vivemos precisa corrigir alguma coisa que está errada, sobretudo na sua Previdência Social. O que é que está errado? O Brasil é um dos poucos países onde não há carência de números de contribuições para se ter direito à pensão. Caso seja feita uma única contribuição, pelo teto da Previdência, e o segurado falecer, o pensionista receberá o teto do INSS pelo resto da vida!”, exclamou o senador, em discurso permeado por observações que levaram os colegas às risadas e aplausos.
Falta uma
Ontem (terça, 26), senadores deram vitória apertada ao Planalto ao aprovar a primeira MP de ajuste, a 665/2014, por 39 votos a 32, sem abstenções. A matéria promove mudanças no acesso de trabalhadores a benefícios como seguro-desemprego, abono salarial e seguro-defeso (compensação para pescadores em tempos de proibição de pesca para reprodução). Igualmente plêmica por também mexer em direitos trabalhistas, a matéria também perderia validade a partir de 1º de junho, e mostrou dissidências na base aliada – apenas no PT, três senadores votaram contra o Planalto: Lindbergh Farias (RJ), Paulo Paim (RS) e Walter Pinheiro (BA).
Resta agora, nesta primeira fase de votações de ajuste no Congresso, a votação da Medida Provisória 668/2014, que altera a lei de aumento de alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, com o objetivo de aumentar a arrecadação do governo. Aprovada na última quarta-feira (20), essa matéria recebeu a polêmica emenda, patrocinada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que autoriza a realização de parcerias público-privadas (PPPs) por parte do Legislativo, na prática abrindo caminho para a construção de um “shopping parlamentar” – o “Parlashopping” – por meio de PPP.