Se depender do ritmo de votações do Senado até as eleições de outubro, o presidente Michel Temer (MDB) pode dar adeus à sua pauta de prioridades no Congresso em 2018. Mesmo que a Câmara acelere suas votações de plenário, a chamada “Casa revisora” vai aproveitar o ano eleitoral para barrar os projetos de interesse do governo e, em marcha lenta, só promoverá mais duas semanas de deliberação – uma no final de agosto e outra depois do feriado de 7 de Setembro, em meados do próximo mês.
O próprio presidente do Senado – e do Congresso, que periodicamente reúne deputados e senadores para analisar vetos presidenciais, por exemplo – já pôs água no chope de Temer ao falar à imprensa no início da noite desta terça-feira (8). Para Eunício Oliveira (MDB-CE), há senadores reclamando do acúmulo de matérias à espera de exame em plenário, muitas delas emperradas justamente por serem polêmicas.
“Se não tiver requerimento de urgência [para votar proposições controversas], nós vamos aproveitar para votar projetos na área de segurança, que são menos polêmicos. Vamos votar matérias em relação à questão da saúde, da educação. Matérias que avancem o Brasil, mas que não sejam polêmicas, para não se criar mais clima de atrito dentro do Congresso Nacional”, vaticinou Eunício, eleitor declarado do ex-presidente Lula (PT).
Como o Congresso em Foco adiantou em 17 de maio, líderes do Congresso já avaliavam naquela data que o governo conseguiria aprovar muito pouco do conjunto de prioridades que havia imaginado emplacar em 2018. Há quase três meses, até parlamentares governistas já admitiam a possibilidade de naufrágio de parte da pauta reformista de Temer – entre os itens principais, o projeto de lei que autoriza a Petrobras a vender até 70% dos campos do pré-sal que, localizados na Bacia de Santos, foram cedidos pela União à Petrobras em 2010, último ano de mandato do presidente Lula (2003-2010); e o que promove o leilão de seis subsidiárias da Eletrobras, viabilizando a privatização da estatal do setor elétrico.
Aprovadas na Câmara, respectivamente, em 21 de junho e em 4 de julho, ambas as matérias dificilmente serão votadas no Senado em 2018. Muito devido à controvérsia que despertam em pleno ano eleitoral, avaliam alguns líderes; e, para outras lideranças, muito em razão do enfraquecimento de Temer, minado por denúncias de corrupção e com menos de 5% de aprovação popular, segundo seguidas pesquisas de opinião.
Agora, com a deixa de Eunício, é muito pouco provável outros temas de interesse do Palácio do Planalto avancem sob sua gestão. “Nada que tenha qualquer polêmica – e esses temas [privatização da Eletrobras e cessão onerosa da Petrobras] são polêmicos – será submetido à votação no Senado. Estamos a apenas dois meses das eleições. É um período muito curto para que se estabeleça um novo governo”, reforçou o coro o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), para quem a gestão Temer padece de “credibilidade questionável” e “sustentabilidade duvidosa” para patrocinar tais reformas.
Para Renan Calheiros (AL), ex-líder do MDB no Senado e agora oposicionista ferrenho do governo Temer, não há cabimento para os planos de Temer e seus aliados. “Sinceramente, eu acho que não tem sentido o governo correndo contra o tempo, na reta final, para se desfazer do patrimônio público a preço de banana. Não tem muito sentido que o Senado, de uma forma ou de outra, colabore com isso. Só há uma certeza, e é que nós estamos muito próximos do final do governo. E por que autorizar esse governo a se desfazer do patrimônio público, na bacia das almas? Isso não pode acontecer”, declarou à rádio Senado o ex-presidente do Senado e, a exemplo de Eunício, eleitor leal de Lula.
Passos de tartaruga
As impressões tanto de Eunício quanto de Cássio foram levadas a público depois de reunião de líderes realizada antes da aprovação, em plenário, de diversas matérias consensuais e de apelo popular – entre as quais a que criminaliza a importunação sexual e endurece pena de estupro coletivo e a que garante o acesso de moradores de rua ao Sistema Único de Saúde sem exigir deles comprovante de residência. Ou seja, uma clara demonstração, na prática, de que apenas temas sem poder de incendiar a Casa serão votados na reta final do governo Temer.
Além dessa disposição de trégua, o próprio “esforço concentrado” anunciado nos últimos dias selecionou poucas semanas de votação até a votação de 7 de outubro. No Senado, além da semana em curso, haverá sessões plenárias deliberativas entre 28 e 30 de agosto e entre 11 e 13 de setembro. E, na Câmara, onde a base governista impõe ritmo mais acelerado de deliberações, nos dias 13 e 14 de agosto e 4 e 5 de setembro.
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Mas o próprio Eunício já iniciou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um acerto de datas, em semanas coincidentes, para que deputados aprovem temas que, em seguida, serão prontamente examinados pelos senadores. Assim, crescem as possibilidades de que, com a intersecção de votações, uma ou mais semanas sejam engolidas na reta final pré-eleitoral, dificultando ainda mais a vida do governo no Congresso.
Relator do projeto que fixa regras para o polêmico processo de privatização da Eletrobras (leia a íntegra do parecer), o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) manifestou ao Congresso em Foco a incerteza que muitos de seus pares têm em relação ao poder de mobilização do governo em favor da pauta polêmica. “Na Câmara foi aprovada; não sei se será antes da eleição. Espero que não seja sepultada, e que seja apenas adiada”, desconversou o baiano, relativizando as preferências eleitorais de Eunício.
“Depois da eleição a didática é outra”, ironizou Aleluia.
“Morto-vivo”
Além do clima pré-eleitoral, quando parlamentares se dedicam aos contato com eleitores em suas bases, a atmosfera na Câmara também era de pauta consensual na noite desta terça-feira (8). Em um canto do plenário, Alessandro Molon (PSB-RJ) comentou com a reportagem o caráter terminal do governo, depois da sinalização de Eunício.
“É mais uma prova de que o governo já está morto há muito tempo. É um morto-vivo que finge governar o país, mas que sequer consegue convencer o Congresso a respeito da importância da votação de seus projetos. Um governo abandonado, cuja política não será defendida por qualquer candidato relevante nas eleições. Mesmo seus mais próximos aliados têm vergonha de defender o governo e não querem se associar a ele”, fustigou Molon, para quem não só o esvaziamento do Congresso conota a fragilidade de Temer.
“A imagem que se tem do Congresso é de um Congresso que praticamente não reconhece o governo que já morreu, que não consegue se organizar em função de uma pauta própria. Não é apenas o esvaziamento provocado pelo ano eleitoral, mas sobretudo o vazio, a inexistência de um projeto desse governo que magnetize, que galvanize alguma ação em prol do país”, acrescentou.
Mas há quem veja luz no fim do túnel. Defensor leal de Temer, o vice-líder do governo na Câmara, Darcísio Perondi (MDB-RS), disse ao Congresso em Foco que a pauta de seu correligionário está de pé. “Não acabou. A pauta do governo é a pauta de interesse da nação. Há medidas provisórias, tem o cadastro positivo, tem a duplicata eletrônica, muita coisa pela frente”, vislumbrou Perondi, citando outras duas matérias aprovadas na Câmara e emperradas no Senado. Ele disse ainda esperar que tanto Eunício quanto Maia se mobilizem para dar consecução à pauta governista, algo que não parece estar no horizonte nem de um nem de outro.
“Eles poderiam reavaliar.”
Ainda segundo o emedebista, tanto a privatização da Eletrobras quanto a cessão onerosa do pré-sal têm que ser aprovadas ainda em 2018, por “vitais”. “Se não votarmos neste ano, são 20 bilhões a menos no orçamento que faltarão para o pobre cearense, para combater a violência do Rio de Janeiro, para pagar os professores. Depende da sensibilidade dos dois presidentes, que acho que eles vão ter”, arrematou o deputado, fustigando Eunício ao mencionar o “pobre cearense”.
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