Lúcio Lambranho
Constituído para dar transparência ao Legislativo, o Interlegis, sistema de inclusão digital e de base de dados executado pelo Senado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não divulga seus gastos desde que foi criado, em 1999. Segundo uma auditoria do próprio Senado, foram transferidos R$ 84,6 milhões, entre 1999 e 2005, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), órgão das Organizações das Nações Unidas (ONU) que administra a execução do contrato.
Deste total, R$ 13,5 milhões foram gastos em contratações de empresas sem que se tenham informações sobre as licitações que viabilizaram a prestação desses serviços e as devidas prestações de contas da execução dentro do programa subordinado à Primeira Secretaria do Senado. Outros R$ 27 milhões foram usados, segundo a mesma auditoria, para compra de equipamentos e material permanente no Interlegis.
E apesar da proibição firmada pela Justiça, ainda em 2001, de contratação de pessoal sem concurso público por meio do acordo com o BID, o Senado gastou com o Interlegis R$ 3 milhões em 2004 e mais R$ 1 milhão em 2005 em serviços de consultoria. E assim como as empresas contratadas, não existem dados sobre quem são os consultores contratados por meio do acordo com o organismo internacional.
A proibição de contratação de pessoal e consultores foi estabelecida num acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) que previa, até 31 de julho de 2004, a substituição de todos os trabalhadores vinculados a organismos internacionais por servidores públicos efetivos. É o que está estabelecido na quarta cláusula do ajuste de conduta assinado pelo Senado na época. A contratação de consultores, segundo a planilha revelada agora pela auditoria do Senado, mostra que o acordo foi descumprido, segundo uma fonte ouvida pelos site e que acompanhou o caso na Justiça Federal.
Jogo de empurra
Na auditoria do Senado, concluída em 30 de junho deste ano, os cinco auditores tratam de passar a responsabilidade da fiscalização do convênio para a Secretaria Federal de Controle Interno (SCF), vinculada à Controladoria Geral da União (CGU). “Esta última (se referindo a CGU) é a unidade da Administração Pública competente para realizar as auditorias dos referidos recursos, na condição de órgão de auditoria independente, auditorias estas que estão sendo realizadas anualmente”, diz o relatório.
Procurada pelo Congresso em Foco, a CGU informa que sua atuação ficou restrita ao acordo entre o Senado e o BID, sem entrar nos detalhes da aplicação direta dos mais de R$ 84 milhões gastos com o Interlegis até agora. “Cabe ainda registrar que o escopo da auditoria da CGU/SFC restringe-se ao que foi acordado com os organismos internacionais citados. Assim, não cabia auditar todos os atos de gestão do Prodasen, mas apenas os que se relacionassem à execução do Acordo de Empréstimo e de Cooperação Técnica, bem como o cumprimento das normas dos organismos e da legislação nacional pertinentes”, diz nota enviada ao site pela assessoria de imprensa da CGU.
O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), preferiu não responder diretamente ao questionamento do site sobre os gastos do Interlegis. O senador do DEM apenas repassou as perguntas para o diretor da Secretaria Especial do Interlegis, Márcio Sampaio Leão Marques.
Em resposta ao site, o diretor do Interlegis não respondeu por que a contratação de consultores e de empresas não foi publicada ou divulgada, assim como as licitações que deveriam ser feitas com recursos do orçamento do Senado. Leão Marques se restringiu a informar que tudo foi feito pelo Pnud. “Todas as contratações de bens e serviços foram realizadas pelo Pnud com base no manual de convergência; e as contratações de consultoria, pessoa física, de acordo com o Decreto nº 5151/2004”, diz o diretor do Interlegis.
O Congresso em Foco procura o BID desde o final da manhã de terça-feira, mas até o fechamento desta edição não recebeu resposta aos questionamentos sobre a falta de transparência na execução do contrato com o Senado.
O site também procurou o Tribunal de Contas da União (TCU), que desde 1999, ano de criação do Interlegis, determinou o cancelamento de contratações realizadas por meio de acordos firmados pelo Pnud no Executivo e em autarquias federais.
A jurisprudência criada pelo TCU não foi capaz de barrar as contratações irregulares no Senado. O TCU também não retornou o contato feito pela reportagem. O Congresso em Foco também entrou em contato com o PNUD, mas foi informado de que os dados sobre os consultores e empresas contratadas não poderiam ser repassados à reportagem.
O projeto Interlegis, segundo o Senado, é “o primeiro grande programa de modernização e integração do Legislativo Brasileiro, em escala nacional”. O objetivo principal, ainda segundo o Senado, é “garantir maior transparência e interação do Poder Legislativo com a sociedade civil, quer pela utilização de novas tecnologias de informação (internet, videoconferências, transmissão de dados), quer pela comunicação e troca de experiências entre as casas legislativas e os legisladores e de ambos com o público em geral.”
Desvio de funcionários
O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) denunciou a contratação para o Interlegis de funcionários comissionados. A ação civil pública, que ainda tramita na 22ª Vara da Justiça Federal no Distrito Federal, pede a exoneração imediata de todos os dez funcionários, segundo a denúncia, que foram desviados de suas funções no Interlegis para gabinetes de senadores.
O caso, revelado com exclusividade pelo Congresso em Foco em setembro de 2008 (leia mais), compromete o primeiro-secretário, Efraim Morais (DEM-PB), que desviou quatro desses comissionados para o seu gabinete. Dois deles trabalhavam para o senador, que também presidiu o Interlegis, em seu escritório político, em João Pessoa, e nunca chegaram a exercer a função no projeto. Ambos foram exonerados por Morais um dia após a publicação da reportagem deste site.
Um dos exonerados, Fabiano Xavier da Nóbrega recebia do Interlegis, apesar de ser o chefe do setor de pessoal da prefeitura de São Mamede (PB). A cidade era comandada até o final de 2008 pelo prefeito Pedro Barbosa de Andrade (DEM), aliado político de Efraim. Na mesma prefeitura, o irmão do senador, Joácil Morais, presta serviços como médico contratado. O MPF ainda investiga a situação de Fabiano, que recebia do Interlegis ao mesmo tempo em que tinha vencimentos pagos pela prefeitura de São Mamede.
Os pedidos do MPF foram parcialmente atendidos pela Justiça Federal em fevereiro deste ano. A decisão suspendeu as contratações e determinou que a União informasse os cargos criados para atender ao programa e as funções a serem exercidas por seus ocupantes. Obrigou a União a apresentar, ainda, a relação dos funcionários nomeados através do Programa Interlegis, com a data de admissão e de exoneração daqueles que não mais ocupem algum cargo.
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