Edson Sardinha
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Enquanto estuda o seu futuro partidário, a vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, deputada Maninha (PT-DF), critica a condução da política econômica, a falta de investimentos em infra-estrutura e na geração de empregos e mostra preocupação até com aquela que é considerada o cartão de visitas do governo Lula, a política externa. Apesar de elogiar a iniciativa do presidente da República de ampliar as relações comercias internacionais e consolidar o país como uma liderança continental, a deputada teme pelo descompasso causado pela política interna. “Poderemos ampliar nosso mercado externo e, de repente, entrar num colapso, por não termos como gerar energia nem equipar nossas fábricas”, afirma. Leia também Médica, assim como o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, Maninha recomenda ao companheiro de partido uma revisão na dosagem de remédios fortes na economia, com a redução das metas de superávit primário, da taxa de juros e do controle sobre a inflação, para que o país encontre o caminho do crescimento sustentável. “Não estamos vendo o Fundo Monetário Internacional (FMI) fazer grandes exigências nas últimas negociações. É o nosso próprio governo que oferece as condicionantes que o FMI acaba aceitando”, constata.
Maninha – Nós ainda estamos punidos. Não podemos representar o PT em nenhuma instância, não podemos ser nomeados para as comissões especiais, nem falar em nome da bancada. Entramos com recurso no Diretório Nacional pedindo que nos dissessem qual é o prazo da punição, porque isso não nos foi dito. Estamos no mês de setembro e o diretório não nos disse nada. A senhora considera que houve autoritarismo nessa punição? Claro que houve. Primeiro, porque foi uma punição que veio da Executiva do partido. Segundo, não fomos convocados para a reunião em que o PT tomou essa decisão, nem sequer fomos ouvidos. Por isso, entramos com o recurso para que o diretório diga qual é o tempo de duração da punição. Passei o fim de semana inteiro em cima do palanque pedindo voto para o PT (no entorno do Distrito Federal). A minha representatividade vale para o partido neste momento, mas não vale para as questões internas do PT? Queremos que ele se pronuncie sobre isso. “A minha representatividade vale para o partido A tendência é haver mais expulsões no PT? Creio que não. Por quê? Essa fase já acabou? Não é que essa fase tenha acabado. É que estamos num momento eleitoral, em que todos concordam que as divergências têm de ser colocadas na base para que ganhemos as eleições. Em 2005, dependendo da pauta que o governo enviar para o Congresso, poderá haver beligerâncias. Nós que estamos punidos queremos conversar com a direção do partido e ver quais são os limites estabelecidos para essa convivência. Não queremos ser expulsos, nem sair do PT, mas para isso é preciso haver conversa, o que não houve até o momento. “Não queremos ser expulsos, nem sair do PT, Há espaço para o surgimento de outro partido de esquerda no Brasil? O PSol, formado por dissidentes petistas, apresenta-se como uma alternativa? No momento, não existe espaço para outro partido de esquerda no Brasil. A gente respeita a proposta dos companheiros do PSol, que estão na luta para legalizar o partido a tempo de apresentar candidatos em 2006. Nesse momento permanecemos no PT e queremos, na luta interna partidária, fazer valer nosso ponto de vista. Por quê? É uma questão objetiva. Não há tempo para o recolhimento de assinaturas para se constituir um grupo organizado e viabilizá-lo do ponto de vista legal para 2006. Esse país é continental. O PCdoB e o PT levaram quanto tempo para se estabelecerem? Além dos petistas punidos, há um grupo de deputados e senadores do PT que tem votado com o governo, ainda que contrariado. Até que ponto o partido consegue segurar essa insatisfação contida? Votar ou não com o governo varia de acordo com a visão política de cada um, conforme o custo/benefício. É um deputado cuja base está aliada com o governo e não tem como deixar de atender aquilo que ela está impondo. Pontualmente você vê as divergências aparecendo aqui ou ali mais ou menos explicitadas. Vai ser assim até 2006, quando quem não estiver contente terá de sair. Algum outro partido brasileiro passou por processo semelhante ao que o PT vive no momento? O PT está passando pelo mesmo processo que os partidos de esquerda europeus passaram quando chegaram ao poder. A história do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), na Espanha, é muito semelhante à do PT. Há muito tempo o PT está traçando uma guinada rumo aos partidos sociais-democratas. Esse é o caminho inevitável do PT. Não há retorno. Desde os últimos encontros nacionais percebemos essa guinada. Deputados como eu, que não queremos ir para um modelo social-democrata, começamos a fazer essa reavaliação, se continuamos ou saímos. No meu ponto de vista, este não é o momento de sair, porque as divergências internas ainda são compatíveis com o modelo do PT, pelo menos a curto prazo. Essa inflexão para o centro abre espaço para a direita? Chegamos a um momento em que as alianças políticas precisam ser reexaminadas. O reexame de tudo isso ocorrerá em 2005, após o resultado das eleições municipais. Estou convicta de que o PT vai crescer depois de outubro. Vamos ganhar em São Paulo, o grande símbolo, e conquistar prefeituras pequenas. Essa rede vai dar força ao partido. Para as eleições de 2006, o PT vai ter de definir que aliança quer. Como ele irá crescer, vai ficar num espectro de aliança de centro-esquerda, que será composto pelo próprio PT e o PSDB – que vai minguar nestas eleições. A tendência do PSDB é radicalizar para a esquerda, como um partido social-democrata que ele diz que é, para fazer oposição ao PT. “A tendência do PSDB é radicalizar para a esquerda, Como assim? Se o PSDB perder força este ano, ele terá de gravitar em torno do maior partido de centro-esquerda, que será o PT. Tudo isso será conjugado com outro elemento que vai para o debate em 2005, a reforma política. Caso sejam introduzidas as listas partidárias, que a reforma traz como uma das principais inovações, e se vier também a definição de quais partidos poderão concorrer nas próximas eleições, teremos legendas fortalecidas. Se o PT sair forte das próximas eleições, teremos pela primeira vez uma polarização no país entre a centro-esquerda e a direita. De um lado, o PT, com vários satélites ao lado dele, inclusive o PSDB. De outro lado, o PFL, com os chamados partidos de direita mesmo. Mas hoje o PP, o PTB e o PL, que são considerados de direita, apóiam o governo Lula… Vai haver uma migração. Eles vão mudar seus discursos, porque não vão sobreviver. Os partidos apresentarão para o eleitor duas caras: a de centro-esquerda e a de direita. Um discurso é aquele que o PT irá capitanear. O outro é aquele que será levantado pelo PFL. Com listas partidárias, não há para onde correr. O eleitor vai votar na legenda e, por isso, os partidos terão de mostrar a cara. Isso não é bom para o país? É positivo para sociedades que têm partidos fortes. Temo que isso, no Brasil, reforce a burocracia partidária, o que está ocorrendo na Europa. Os europeus estão fazendo uma discussão inversa à nossa. Eles não têm tido renovação dentro de seus partidos políticos. Quando esgota o número de eleições de determinado político, ele coloca o filho para substituí-lo. Ou seja, ele se fortalece na burocracia partidária e garante seu espaço permanente. Há clima para a aprovação de uma reforma política, nesses termos, no Congresso? Acho que a proposta vai passar. As reformas sindical, trabalhista e política serão os grandes debates do próximo ano. Na verdade, há uma discussão que o próprio ministro do Trabalho (Ricardo Berzoini) reconhece que não é satisfatória nem para os trabalhadores nem para os patrões. As reformas sindical e trabalhista vão mobilizar os sindicatos e dar dor de cabeça ao governo. Se é verdade que é preciso tirar algumas das vantagens dos sindicatos, é preciso, por outro lado, dar às entidades instrumentos para que exercitem essa democracia sindical. O projeto como está não responde a essas questões. É um debate que a CUT e as centrais sindicais terão de discutir com os seus filiados. “Há uma discussão (sobre as reformas sindical e trabalhista) que o próprio ministro do Trabalho (Ricardo Berzoini) reconhece que não é satisfatória nem para os trabalhadores nem para os patrões” Antes disso, o governo deve enfrentar desgaste, nos próximos dois meses, com a MP que dá foro privilegiado ao presidente do Banco Central. Essa medida provisória também terá a resistência dos petistas que votaram contra o salário mínimo de R$ 260? Ainda precisamos discutir o assunto. O governo usou o momento errado para introduzir essa discussão. A direita está utilizando a discussão porque é ano eleitoral e quer fazer o seu discurso. Na verdade, ela tem tanto interesse quanto o governo em dar esse status de ministro ao presidente do Banco Central. Nós podemos não ser governos no futuro e, para a oposição, nada melhor do que haver foro privilegiado para esse cargo. Ao editar uma medida provisória como essa, o governo levanta uma discussão atabalhoada, fora do momento, quando o presidente do BC estava sendo torpedeado, o que soa como uma proteção para evitar que o assunto chegue ao Congresso Nacional. O governo tem comemorado os últimos indicadores da economia. Até que ponto o crescimento econômico apresentado pelo país nos últimos meses esvazia o discurso dos dissidentes do PT? Nós, da esquerda do partido, não estamos preocupados com o esvaziamento do discurso. Temos afirmado desde o início que a política econômica adotada pelo governo Lula precisa de modificações para não ser a mesma adotada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O crescimento econômico que, neste momento, está se desenvolvendo já era esperado, porque faz parte de uma conjuntura internacional em que os países da América Latina estão tendo crescimento no patamar de 3,5% a 4%. "O crescimento econômico já era esperado, porque Esse índice se sustenta? Isso não vai significar um crescimento sustentável. O presidente Lula deverá rapidamente, com sua equipe econômica, debruçar-se sobre estas questões com as quais nós insistimos: um superávit assustador para um país em crise, a taxação de juros e o controle de inflação, que não pode ser considerado uma medida para o crescimento e desenvolvimento. O que não queremos é que isso seja apenas uma bolha momentânea, que desapareça e que o país entre numa crise profunda como as anteriores. A senhora criticou a definição do superávit primário pelo governo. Na sua avaliação, o FMI perdeu para o próprio Ministério da Fazenda o papel de grande vilão da economia, na visão da esquerda? Acho que sim, porque não estamos vendo o Fundo Monetário Internacional (FMI) fazer grandes exigências nas últimas negociações. É o nosso próprio governo que oferece as condicionantes que o FMI acaba aceitando. "Não estamos vendo o Fundo Monetário Internacional (FMI) fazer grandes exigências. É o nosso próprio governo que oferece as condicionantes que o FMI acaba aceitando" Por que isso ocorre? Porque há o temor exagerado de uma crise econômica interna e talvez também porque o nosso ministro da Fazenda (Antonio Palocci) esteja cercado por técnicos que já vêm há muito tempo formulando a política econômica dos governos anteriores. Não há uma grande novidade na nossa política econômica a não ser o controle. O ministro Palocci acha que está tudo certo. Eu considero que foi certo por um determinado momento, que já passou. É preciso que haja ousadia e a gente não está percebendo isso. Até quando essa rigidez na economia era necessária? Durante um ano, o presidente Lula nos pediu paciência, porque o poder tinha de ser montado. Mas, depois do primeiro ano de governo, nós deveríamos ter tomado medidas diferentes daquelas que vinham sendo tomadas rotineiramente e ousado um pouco mais, e ousar um pouco mais é exatamente rever a questão do superávit, é ter economia para investir internamente. Isso o nosso governo não tem feito. Como isso pode ser feito? Para que isso seja possível, é preciso investir internamente. Aí está o grande problema. Continuamos pagando a dívida externa religiosamente, temos um superávit monstruoso e um problema de achar que, apenas controlando a inflação e os juros, nós vamos crescer. Isso está sendo demonstrado. O crescimento que ocorre não é o esperado, porque não estamos com os 7% da Argentina nem com os 10% projetados pela Venezuela. Nós continuamos na mesmice, dependendo da economia mundial. O governo Lula tem sido elogiado até pela oposição por causa de sua política externa. Esse desenvolvimento econômico pode comprometer os planos do presidente de firmar o Brasil como uma liderança na América Latina? O governo Lula tem feito uma política externa correta. Só que ela tem duas pernas. Uma é buscar construir uma grande aliança continental, a ser liderada pelo Brasil. A outra perna é exatamente a ampliação das nossas relações comerciais, aumentar nosso poder de venda e trazer para o país o maior investimento possível. Essas duas pernas se comprometem se o governo não trabalhar com aquilo que é fundamental, ou seja, o investimento interno. Por quê? Porque quando se coloca a expansão econômica calcada na relação comercial, para que se consiga ampliá-la, é preciso investir principalmente em infra-estrutura. Se quisermos vender mais para a China teremos que produzir aço, metal, etc. Para produzirmos mais, precisaremos de mais energia, estradas, sistema portuário, ou seja, o governo terá de investir internamente. Se quisermos consolidar um tratado de livre comércio entre as Américas, não temos que pensar para 2005, mas para daqui a trinta anos. Há condições para isso no momento? O principal problema no momento é a questão interna, porque lá fora as coisas estão acontecendo como a gente gostaria que ocorressem. O nosso presidente está corretíssimo quando vai à África e à China pregar alianças. Os grandes países do mundo se desenvolveram assim. Não há democracia estável sem economia estável. E não há economia nesse mundo moderno se não houver relações comerciais ampliadas. Há uma relação direta. “O principal problema no momento é a questão interna, porque lá fora as coisas estão acontecendo como a gente gostaria que ocorressem.” Quais as conseqüências imediatas disso? Temo que, se essa política econômica não sofrer modificações, poderemos ampliar nosso mercado externo e, de repente, entrarmos num colapso, por não termos como gerar energia, nem equipar nossas fábricas. A agricultura até pode produzir, mas como essa produção vai ser exportada? O governo alega que as parcerias público-privadas (PPPs), cujo projeto tramita no Senado, vão permitir que se invista mais em infra-estrutura… A PPP pode ser uma das saídas, mas ela não é a solução. A mágica é o investimento em infra-estrutura interna, porque gera emprego e crescimento. É o caso, por exemplo, da construção de usinas hidrelétricas. O empresário não vem num passe de mágica para a PPP. Ele quer saber se o investimento que está fazendo neste país vai ter retorno. O principal investimento tem de vir do próprio Estado. Temos de negociar com o FMI a redução do superávit para fazer o investimento interno necessário em infra-estrutura de portos, estradas e geração de energia. Essa mágica que o governo quer introduzir não é a curto prazo. Para isso, o único recurso de que ele dispõe é o superávit primário. De onde mais o governo vai tirar dinheiro? "O principal investimento tem de vir do próprio Estado. Temos de negociar com o FMI a redução do superávit para fazer o investimento em infra-estrutura" A senhora é favorável ao projeto que está sendo examinado pelo Senado? O projeto que implanta as PPPs pode ser aprovado desde que determinados setores sejam excluídos, entre eles o de saneamento. Porque o Estado tem de ser responsável por isso. Imagine Brasília, que tem uma Caesb (Companhia de Saneamento do Distrito Federal), estatal de saneamento considerada uma das empresas de maior rendimento. Para que entregá-la para a iniciativa privada? Que outros setores devem ficar fora das PPPs? Os setores de saúde e educação, que, de fato, fazem parte do núcleo central do governo, de geração de políticas governamentais. No restante, como os setores da construção de estradas e ferrovias, desde que haja licitação, não vejo problema. Mas corremos um risco de o lobby estabelecido nessa área comprometer essa política. Quem vai me dizer que as empresas interessadas não chegarão até o prefeito de uma cidadezinha qualquer – que não tem orçamento participativo e onde a população não tem idéia da gestão dos recursos –, dizendo que, se ele fizer tal obra, receberá tanto?
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