No último dia antes do recesso parlamentar, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), aproveitou o plenário praticamente vazio para fazer um desabafo em relação as denúncias que vem sendo feitas envolvendo o seu nome e avisar que não irá renunciar ao cargo de presidente ou ao mandato de senador.
Em discurso na tribuna do plenário, Sarney ensinou que está sendo perseguido pela imprensa e disse que “os insultos e as ameaças não amedrontam”. O presidente do Senado aproveitou a oportunidade para dizer ainda que vai continuar a promover as reformas administrativas e políticas a que se propôs quando tomou posse movido pela “grande paixão” às instituições e à democracia.
Em citação ao filósofo Sêneca, Sarney acrescentou que diante de pressão de senadores de vários partidos, que querem seu afastamento, e de “grandes injustiças” que vem sofrendo, a estratégia é de “silêncio, paciência e tempo”.
“Dá-me força a grande paixão que tenho pelas instituições nacionais, pela vida democrática que aprendi a amar, o zelo pelo Congresso Nacional. Sêneca dizia que grandes injustiças só podem ser combatidas com três coisas: silêncio, paciência e tempo”.
Sarney, em seu discurso, disse ainda que sempre se pautou por princípios da ética e da legalidade e que não é “movido por um sentimento menor”. “Tenho consciência que agi em nome do Senado Federal”, acrescentou. “Essa Casa deve a mim, na minha primeira gestão, a implantação de todo o sistema de comunicação. Fizemos um reforma administrativa”, ressalta.
Repercussão
O presidente discursou para apenas cinco senadores, que ficaram divididos ante as palavras de Sarney. O líder tucano no Senado, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), um dos críticos do presidente, manifestou-se contrário à posição de Sarney de permanecer na presidência da Casa. Álvaro Dias se disse constrangido.
“Eu que tenho muitos anos de mandato, inclusive mandato parlamentar, jamais passei por momentos de tamanho constrangimento como tenho vivido agora em razão da descrença que se generaliza em relação a esta instituição no país”, disse o líder tucano.
Em defesa de Sarney, o senador Geraldo Mesquita (PMDB-AC) afirmou que a sociedade não sente as dimensões da crise que a imprensa mostra. “Eu não diria aqui que não temo a opinião pública. Mas ela não fará, em momento algum, que eu me acovarde a ponto de tentar jogar para debaixo do tapete ou esconder essa amizade que eu prezo muito”, considerou.
Na tribuna, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) preferiu não polemizar e pediu apenas que Sarney encaminhasse ao presidente Lula o balanço das atividades do Senado neste primeiro semestre.
Mas tarde à imprensa, Cristovam, que foi um dos primeiros senadores a pedir a renúncia de Sarney, disse que a nova denúncia contra o presidente do Senado, publicada hoje pelo jornal Folha de S. Paulo, é “mais uma justificativa para que ele se licencie ou renuncie”.
Leia abaixo partes do discurso de Sarney:
Sras. Senadoras, Srs. Senadores
Há pouco menos de 6 meses expus, como candidato à Presidência do Senado Federal, um programa de trabalho.
Eu nunca fui candidato a Presidente do Senado por minha vontade, sempre por convocação. Todos sabem que em janeiro deste ano, mais uma vez, eu não desejava, não queria disputar a Presidência do Senado, fui convocado. E convocado como um homem público que não pode fugir ao seu dever de atender uma convocação no momento em que colegas de quase todos os partidos, quase que – não me obrigavam – mas me solicitavam que assim o fizesse. Aceitei minha candidatura para servir ao País.
Recebi apelos irrecusáveis pedindo-me que o fizesse. A eleição não me acrescentava nada nem tinha ou tenho desejo de poder. Aceitei-a, repito, para servir ao Senado Federal e ao País.
(…)
Mas em janeiro deste ano nos encontrávamos novamente com sérios problemas administrativos que precisavam ser enfrentados.
Ao mesmo tempo era necessário restabelecer as condições de retomar os debates políticos maiores, especialmente três reformas: a reforma política, vou lutar por ela com todos os meios; a reforma tributária, e finalmente não deixar de resolver de uma vez por todas o problema das medidas provisórias, que é cilada para aprofundar a democracia em nosso País, que faz com que o Parlamento fique fechado às matérias importantes do legislativo.
Assim, assumi a Presidência do Senado Federal com o duplo desafio de renovar sua estrutura administrativa e restaurar sua atividade política. Infelizmente avaliei mal. As circunstâncias tornaram a reforma administrativa numa pretensa crise de desmoralização do Senado e inviabilizaram a discussão dos grandes temas de nosso momento político.
(…)
Não sou movido nesse momento por nenhum sentimento menor, tendo a plena convicção de que sempre agi dentro do melhor interesse do Senado Federal e só a relação das medidas moralizadoras, de correção administrativa e avanços no objetivo de racionalização e modernização da Casa dizem do esforço hercúleo da Mesa, do 1º Secretário e todos os envolvidos nesse dinâmico processo. O jornal O Estado de S. Paulo iniciou uma campanha pessoal contra mim, obrigando os outros jornais e televisão a repercuti-la. Meu trabalho exige a sedimentação de uma profunda consciência moral de minhas responsabilidades, a obstinada decisão de não cometer erros e jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos que devem nortear minha conduta. Não são palavras. São 50 anos de assim proceder. Esta é minha força e minha resistência. Mostrando seus objetivos políticos e pessoais esqueceram o Senado para invadir minha vida privada e a de minha família.
Infelizmente disputas políticas se confundiram com a nossa administração. Lamento ter perdido o apoio do DEM, um dos partidos que apoiou a minha candidatura, e que sem dúvida poderia contribuir muito, e embora em todos os momentos nosso trabalho tenha sido compartilhado com seu representante na Mesa Diretora, o Senador Heráclito Fortes, companheiro sempre leal e decisivo em nossas deliberações. Não avançamos na atividade fim e as reformas tributária, das medidas provisórias, trabalhista não andaram. Mais uma vez lamento não ter tido o apoio do PSDB na eleição enquanto manifesto minha gratidão aos partidos que nos apóiam, o PT, o PMDB, o PTB e o bloco do governo.
Esta é a terceira vez que exerço a Presidência do Senado Federal. Nas três vezes encontrei o Senado em meio a crises. Reergui-o. Os que já estavam aqui são testemunhas de que o deixei, de cada vez, no lugar que é seu por definição, superados os problemas anteriores. Não tenham dúvida que este é, também desta vez, o meu objetivo. Os desafios, a carga de trabalho, os insultos, as ameaças não me amedrontam. Estamos construindo um novo Senado.
Dá-me força a grande paixão que tenho pelas instituições nacionais, pela vida democrática que aprendi a amar, o zelo pelo Congresso Nacional.
Implantei nesse período um portal de transparência que revela as nossas entranhas. Não temos o que esconder, mas o que mostrar. Vamos reduzir não só as nossas despesas, mas os nossos efetivos. Vamos dar, às instituições brasileiras, um exemplo de uma modernização efetiva. Essa modernização se completará com medidas legislativas, como o novo Regimento Interno.
Mas não abri mão de meu desejo de promover aqui nesta Casa a retomada dos projetos de reformas institucionais e das Medidas Provisórias. Com elas completarei, se Deus quiser, o programa de trabalho com que me apresentei diante das Senadoras e dos Senadores.
Sêneca dizia que as grandes injustiças só podem ser combatidas com o silêncio, a paciência e o tempo.
Muito obrigado.
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