Ricardo Ramos |
A operação de transformar dinheiro ilícito (sujo) em dinheiro lícito (limpo) esteve no centro dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que apurou a evasão de divisas e concluiu suas atividades sem a apresentação de um relatório final em dezembro do ano passado. Apesar do flagrante fracasso da CPI do Banestado, o Congresso Nacional examina 24 propostas que podem tornar mais rigorosa a punição para quem pratica o chamado crime de lavagem de dinheiro. O alvo das ações previstas pelos parlamentares é a ampliação do rol dos chamados crimes precedentes, ou seja, os delitos que antecedem propriamente a operação financeira, previstos na Lei 9613/03, conhecida como a Lei da Lavagem de Dinheiro. Duas proposições que tratam do tema serão examinadas na próxima reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Leia também A legislação em vigor considera oito tipos de crimes precedentes à lavagem: o tráfico de drogas ou entorpecentes, o terrorismo e o seu financiamento, o contrabando ou tráfico de armas e munições, a extorsão mediante seqüestro, os delitos contra a administração pública ou o sistema financeiro nacional, praticados por organização criminosa, e, por fim, aqueles cometidos, por particular, contra a ordem pública estrangeira. Caso os senadores aprovem o Projeto de Lei 209/2003, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), serão considerados crimes precedentes à lavagem de dinheiro os delitos relacionados ao jogo do bicho, aos caça-níqueis, às loterias não-autorizadas, ao comércio clandestino de obras de arte e ao tráfico de seres humanos e de mulheres para fins de prostituição. “Podemos identificar várias deficiências, grande parte de geradora de problemas práticos, o que acaba pro tornar a lei inexeqüível ou menos eficaz do que poderia ser”, afirma o senador. O projeto prevê ainda que o processo não será mais suspenso, caso o réu, citado por edital, não compareça e não constitua defensor, prática hoje corriqueira que favorece a impunidade. Se aprovado o projeto, o dinheiro sujo será bloqueado imediatamente e o crime deixará de ser considerado inafiançável, o que, na avaliação de Valadares, ajudará o Estado a recuperar recursos públicos desviados. “O juiz poderia se valer desse mecanismo para cobrar altas fianças, o que minimizaria as perdas ocasionadas por crimes praticados contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública”, sustenta o parlamentar. A outra proposição que será analisada pela CAE é o Projeto de Lei 188/2003, da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que pretende incluir na relação dos precedentes a lavagem de dinheiro proveniente de delito contra a ordem tributária. “Como a sonegação fiscal não foi prevista como crime antecedente da lavagem, os criminosos estão certos da impunidade e incentivados na sua prática, pois, além de deixarem de recolher aos cofres públicos os valores devidos, remetem essas vultosas importâncias ao exterior através de esquemas de lavagem”, justifica a vice-líder do PT no Senado. Essa, aliás, foi uma das poucas conclusões da tumultuada CPI dos Combustíveis, que terminou em meio a denúncias de tentativas de extorsão supostamente praticadas por deputados contra empresas do setor. Produto da CPI, o Projeto de Lei 2500/03, que tramita em regime de urgência, está pronto para ser apreciado em plenário desde o final de abril, inclui o crime contra a ordem tributária no rol de crimes contra a lavagem de dinheiro. “Como nossa CPI concluiu que a sonegação encontra-se no cerne do problema que se propôs a investigar, essa alteração legislativa vem consistir em cumprimento de sua função constitucional”, diz o ex-presidente do colegiado, deputado Carlos Santana (PT-RJ). “Colarinho branco” Assim como a proposição de Santana, está pronto para ser votado no plenário da Câmara desde novembro passado o Projeto de Lei 123/03, que determina a prisão temporária de autores de crimes de lavagem de dinheiro. O autor da proposta, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, justifica o aumento do rigor contra essa modalidade de “crime do colarinho branco” por meio de razões econômicas. “Os autores, de regra, são pessoas social e financeiramente bem posicionadas, dispondo de reais condições de embaraçar as investigações e dificultar a apuração dos fatos, bem como deixarem o país”, ressalta Biscaia. Sem alarde, a Comissão de Segurança Pública, da Câmara, aprovou semana passada o Projeto de Lei 2809/03, do deputado João Gomes (PL-MG), que pretende dar celeridade ao processo de devolução de dinheiro e reverter à segurança pública todos os recursos financeiros ilícitos enviados para paraísos fiscais. “É urgente que tenhamos uma legislação que nos permita quebrar essa inércia no repatriamento de recursos que são ilegalmente subtraídos do povo brasileiro, inibindo ainda mais a impunidade que vem beneficiando estes criminosos sofisticados”, sustenta o deputado mineiro, na justificativa do projeto. A proposta, que tramita em caráter conclusivo, isto é, não precisa ser aprovada em plenário, será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania. A expectativa é de que, ainda este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhe ao Congresso um projeto de lei para facilitar o rastreamento de dinheiro de origem suspeita. As eventuais mudanças estão em fase inicial de discussão no governo. |
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