Lúcio Lambranho
Depois de causar dor de cabeça aos donos de bares e restaurantes com a proibição de bebidas alcoólicas nas estradas, o governo articula uma estratégia no Congresso que deve causar verdadeira ressaca para os fabricantes do setor, principalmente os de cerveja.
A idéia é unir o texto da MP 415/08 (leia a íntegra), que proibiu a venda nas rodovias federais, com o Projeto de Lei 2733/08. De iniciativa do governo, a proposta restringe a propaganda de bebidas alcoólicas no rádio e na TV. É o que defende o relator da MP, o deputado Hugo Leal (PSC-RJ), no parecer que deverá ser apresentado nesta quinta-feira (27) ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Na Câmara, o PL 2733/08 tramita em regime de urgência desde o início do ano. Pela atual legislação, apenas as bebidas com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac sofrem restrição ao serem veiculadas nos comerciais em horário nobre.
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Mas, a pedido do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, esse índice será reduzido para 0,5 grau caso a proposição seja aprovada pelo Congresso. Temporão quer proibir, entre as 6h e as 21h, o anúncios publicitários de cerveja, vinho, cooler, ice e champanhe no rádio e na TV.
Além de limitar a propaganda, o relator quer uma solução intermediária para a venda de bebidas alcoólicas nas estradas. Sua proposta é liberar a venda dentro dos perímetros urbanos cortados por rodovias federais. Com isso, sugere Leal, os limites seriam determinados pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit).
Outra idéia, segundo o relator da MP, é passar a fiscalização para a Vigilância Sanitária ou para a Receita Federal. A proposta, de acordo com o deputado, ainda está sendo negociada com o governo. Ele adiantou ao Congresso em Foco que pretende retirar da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a responsabilidade de autuar bares e restaurantes.
“A Polícia Rodoviária não tem que ficar fiscalizando botequim. Isso pode ser feito com o controle de notas fiscais quando ficar delimitando às áreas de proibição”, explica o deputado e líder do PSC na Câmara.
Escândalo
Mesmo com a flexibilização da proibição nas estradas, o parecer de Leal deve ser contestado por parlamentares oposicionistas por causa da incorporação do PL 2733/08 à MP.
A oposição avisa que pretende barrar qualquer iniciativa de incorporar o projeto de lei do executivo na MP 415. “Isso é um escândalo. O projeto de lei tem que aguardar a aprovação das MPs. Não vai ser agora, e pela vontade de apenas um parlamentar, que vamos permitir que um projeto seja contrabandeado para uma MP. É jogar contra o Legislativo, um tiro no pé”, avalia o líder do Democratas na Câmara, ACM Neto (BA).
O deputado baiano só admite a proibição de vendas de bebidas alcoólicas em regiões fora do perímetro urbano. “É preciso abrir a possibilidade para vendas em estradas litorâneas e lugares turísticos prejudicados desde a edição da MP”, pondera.
“Isso ainda é uma hipótese e posso concordar com a inclusão do projeto de lei desde que não se perca o foco sobre os motoristas infratores”, avalia o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro, Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo.
O deputado gaúcho é um dos autores do Projeto de Lei 2592/2007, que prevê penas mais duras contra crimes cometidos no trânsito e tenta aproximar o Código Penal do Código Brasileiro de Trânsito. Uma das medidas sugeridas por ele é o fim da fiança para homicídios cometidos por motoristas bêbados, além do cumprimento das penas em regime fechado. “A multa para quem vende bebidas nas estradas é quase o dobro de quem dirige embriagado. Não faz sentido nenhum. O governo ignorou a existência do nosso projeto, o que já é um pouco do cacoete do Executivo”, afirmou o vice-líder governista.
Paliativo
O presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares do Distrito Federal (Sindhobar-DF), Cleiton Machado, disse ao Congresso em Foco que a proposta de Hugo Leal é apenas um “paliativo” depois do estrago causado pela edição de medida provisória.
Segundo ele, só no Distrito Federal, mais de mil empregos foram extintos, de um total estimado em 400 mil em todo o pais, por causa da proibição da venda nas estradas federais. E enquanto a MP 415 não for votada, diz Machado, bares nas estradas do DF e de Minas Gerais funcionam com liminares concedidas pela Justiça.
“Pode até amenizar o problema, em cerca de 80%, mas o governo vai acabar tratando empresas iguais de maneira diferente. Acaba como turismo rodoviário no Brasil”, avalia Machado. Para o presidente do Sindhobar-DF, a grande contradição é o governo estimular a produção familiar e proibir e vendas nas estradas comuns na Serra Gaúcha e a Serra Capixaba. “Não somos a favor do verdadeiro infrator, o motorista bêbado, mas contra a falta de competência do governo em fiscalizar”, completa.
Para o superintendente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), Marcos Mesquita, a idéia do governo não é mudar o conceito sobre o que é ou não bebida alcoólica, mas apenas “criar dificuldades para o setor”.
Mesquita usa o argumento de que, no artigo 4º da MP 415, o governo já considera a proibição bebidas com grau de concentração de álcool igual ou acima de meio grau Gay-Lussac.
No caso do PL 2733/08, a mudança de 13 graus para meio grau está vinculada à Lei 9.294, de 15 de julho de 1996. A lei dispõe sobre as restrições de propaganda de bebidas alcoólicas e outros produtos como o cigarro. “Estamos dispostos a discutir os horários de propaganda por grades de programação, programas adultos ou infantis e não de grade horários. Dessa maneira, a proibição não tem nenhum sentido prático”, avalia.
Como mostrou o Congresso em Foco, no final de janeiro (leia mais), um em cada oito dos 594 congressistas que votarão, neste semestre, as propostas do governo que contrariam os interesses da indústria de bebidas alcoólicas recebeu recursos de empresas do setor durante a campanha eleitoral. O levantamento do site mostrou que 51 deputados e 11 senadores declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter recebido R$ 4,5 milhões de fabricantes de cerveja, vinho e cachaça.
A indústria de bebidas ajudou a financiar ainda a eleição de 11 governadores com R$ 2,4 milhões. Alguns com grande influência sobre numerosas bancadas no Congresso, como Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, Yeda Crusius (PSDB), do Rio Grande do Sul, e Sérgio Cabral Filho, do Rio de Janeiro (PMDB). Juntas, as empresas do setor doaram R$ 11,6 milhões para 143 candidatos, entre eleitos e não eleitos, na última campanha eleitoral
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